O Presidente da República, José Maria Neves, afirmou hoje que é tempo de fazer “profundas mudanças” e que “urge cumprir a Constituição” como na instituição da língua nacional e em vários direitos, defendendo que a emigração não deve acontecer por falta de oportunidades.
“Tenho-o dito e repito-o agora: fizemos razoavelmente bem o que tínhamos a fazer. Mas não podemos continuar a fazer da mesmíssima forma. Não podemos persistir na gestão do status quo, na gestão corrente do que já temos e de pequenos e eventuais passos em frente. Nessa linha, o risco de perdas ou de regressão é real. Muito pelo contrário, temos de ousar”, apelou José Maria Neves, ao discursar na Assembleia Nacional, na Praia.
O parlamento fechou hoje, com uma sessão solene, as comemorações dos 30 anos da Constituição da República de Cabo Verde (25 de setembro de 1992), que se seguiu a 15 anos de regime de partido único.
“Temos de revolucionar na formulação das políticas públicas e sua execução. O nexo de coerência e verdade na defesa e promoção do interesse público nacional tem de nos levar, enquanto Nação, o mais longe quanto possível na procura dos melhores sujeitos e das melhores ferramentas para gerir as políticas públicas”, apelou José Maria Neves, reconhecendo que em quase 50 anos de independência o país cumpriu “globalmente”.
“Distanciámo-nos folgadamente do ponto de partida. Somos hoje um país de rendimento médio. Equacionámos e resolvemos porventura o essencial dos problemas básicos da população. Outros problemas e desafios têm surgido neste processo de busca e construção do desenvolvimento. Aqui e acolá verifica-se retrocessos. A irreversibilidade não é um dado generalizado”, apontou.
Daí que a celebração da Constituição “é contexto mais do que oportuno e apropriado” para perceber “que é chegado o tempo para profundas mudanças”.
Defendeu a “construção de uma nova e ousada relação” com a diáspora, estimada em mais de um milhão de cabo-verdianos e descendentes, e num período em que se somam ações de recrutamento de empresas estrangeiras, nomeadamente portuguesas, com centenas de candidatos cabo-verdianos para várias áreas e para poucas dezenas de vagas, as mesmas foram indiretamente abordadas por José Maria Neves.
“Para os nossos jovens, a procura de um modo de vida num outro país tem de ser por opção. Não porque as oportunidades não existam ou, muito menos ainda, por perda de esperança no país. Ou seja, também deste ponto de vista, é fundamental indagar se estamos a cumprir a Constituição”, afirmou.
A institucionalização da língua crioula cabo-verdiana, a par do português, como prevê a Constituição, mereceu igualmente a crítica do Presidente e ex-primeiro-ministro (2001 a 2016).
“Claramente não estamos a cumprir a Constituição no atinente à língua cabo-verdiana. Ela é a coluna vertebral da nossa identidade nacional, é o elo de união neste nosso Cabo Verde transterritorial, goza de uma indesmentível e crescente pujança na sociedade, no mundo oral, é evidente, e, cada vez mais, no da escrita, vive e renasce todas as manhãs nas nossas manifestações culturais, da música às artes cénicas, todavia persistimos, enquanto poderes públicos, por ação ou omissão, nesta afronta aos direitos linguísticos desta nação crioula que, na verdade, deu a crioulidade ao mundo. Algo não está bem, convenhamos. Algo precisa ser corrigido”, afirmou.
Igualmente na saúde, o chefe de Estado questionou se o país está a cumprir a Constituição, que já sofreu três revisões (1995, 1999 e 2010), apesar dos “fortes e indesmentíveis investimentos em infraestruturas e equipamentos especializados”, em recursos humanos ou no alargamento da rede de cobertura sanitária.
“Tudo isso junto não chega, não tem chegado para responder aos níveis de expetativa e exigência legitimamente existentes na sociedade. Temos de avaliar o funcionamento dos serviços e a eficácia dos resultados. Temos de nos preocupar com a qualidade. Temos de assegurar um nível mais elevado nas respostas em matéria de Saúde. Ou seja, com os investimentos já feitos, está ao nosso alcance fazer mais e melhor”, defendeu.
“O mesmo grau de preocupação aplica-se ao domínio da Educação (...) Temos alunos que concluem o ciclo básico sem saber ler. Urge perguntar: até onde é que as assimetrias estão a minar a qualidade do ensino”, questionou José Maria Neves.
Acrescentou outras preocupações sobre o cumprimento da Constituição, como no acesso à Justiça “e a sua realização em tempo útil”, ou “o direito a não ser discriminado no acesso e exercício de cargos na Administração”.
“Falta-nos a determinação política e social necessária para erradicar a chamada partidarização na máquina do Estado globalmente considerado, mas também na sociedade. Temos de continuar a trabalhar para que tal aconteça, impondo de alto a baixo um dever de coerência entre o proclamado e o praticado. Urge cumprir a Constituição, também neste particular”, referiu.
Pediu igualmente a “criação de condições favoráveis” para o “crescimento económico inclusivo”, enquanto desígnio nacional.
Para o chefe de Estado “a maior homenagem” que se pode fazer à Constituição é erguer “de forma genuína e determinada, um novo pacto entre as forças políticas, entre as sociedades civil e política sobre os caminhos” para o desenvolvimento.
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