
O Orçamento de Estado para 2026 confirma, mais uma vez, uma tendência preocupante: a comunicação social privada em Cabo Verde está a definhar, e o Governo, consciente do problema, permanece imóvel. Desde 2024 que o sector mantém a mesma dotação orçamental, mas essa verba é drenada quase na totalidade para os órgãos públicos — RTC e Inforpress — enquanto a imprensa privada continua relegada à sobrevivência precária, dependente de um mercado publicitário exíguo e profundamente desequilibrado.
Não se questiona a importância de financiar serviços públicos de comunicação social. Eles têm missão, alcance nacional e responsabilidade institucional. O que se questiona é a lógica de um Governo que reivindica promover o pluralismo, mas concentra os recursos em seus próprios meios, criando um ecossistema mediático em que a imprensa privada é deixada à própria sorte.
O caso mais gritante é o da ARC — o regulador — que, só para si, absorve cerca de 90 mil contos (de um total de 250 mil contos) um valor superior ao orçamento operacional anual de vários jornais privados somados. É um paradoxo: o árbitro ganha mais do que todos os jogadores, enquanto o jogo se desintegra.
Privados não precisam de financiamento estatal — precisam de justiça estrutural
Os privados não estão a pedir esmola. Não reclamamos subsídios que comprometam a nossa independência editorial nem financiamento direto que dissolva a fronteira essencial entre Estado e imprensa livre. O que se pede — e o Governo insiste em ignorar — é equidade no único mercado que realmente sustenta a comunicação social: a publicidade. Isto sem falar de eventuais cortes propositados no acesso a meios publicitários com o fito de calar determinada imprensa que não lhe estende o tapete.
O mercado cabo-verdiano é pequeno, sabemos. As empresas privadas investem pouco e de forma esporádica. Quem verdadeiramente tem capacidade publicitária é o próprio Estado e o seu universo empresarial.
Ora, se os órgãos públicos de comunicação social já são financiados pelo Orçamento de Estado, já têm salários assegurados, já têm infraestruturas pagas, já têm cobertura nacional garantida — por que motivo devem também absorver a maior fatia das campanhas publicitárias públicas?
Trata-se de um duplo financiamento que distorce completamente a competição e elimina qualquer possibilidade de sustentabilidade para os privados.
O mínimo que se exige, em nome da transparência e da democracia, é que a verba de publicidade do Estado — incluindo as empresas públicas — seja distribuída de forma equitativa por todos os órgãos de comunicação social. Não é um privilégio; é uma condição mínima para que exista diversidade informativa.
Sem imprensa privada, não há democracia madura
Uma imprensa privada frágil é sinónimo de democracia vulnerável. É na imprensa independente que se garante escrutínio ao poder político, que se investiga o que as fontes oficiais preferem esconder ou temem relatar, que se aborda a sociedade para além das agendas governamentais.
A imprensa pública, embora necessária, tem limites estruturais na independência editorial — limites que nenhum diploma, regulamento ou garantia formal consegue mascarar.
Ignorar a crise da imprensa privada é, portanto, permitir que a democracia cabo-verdiana caminhe para uma espécie de monocultura informativa, onde o Estado controla os recursos, define prioridades e, por via indireta, condiciona o que chega ao público. Conveniente, não?
O Estado não pode continuar a premiar-se a si próprio
O Orçamento de 2026 é, na prática, uma autoatribuição de privilégios mediáticos ao Governo. Financia-se generosamente; reserva-se o grosso da publicidade institucional; assegura-se a sobrevivência dos seus meios; e, como se não bastasse, entrega-se ao regulador um orçamento quase pornográfico para a realidade cabo-verdiana.
Enquanto isso, jornais privados fecham, rádios sobrevivem por milagre e plataformas digitais trabalham com equipas reduzidissimas, salários (se houver) baixos e enorme instabilidade.
Não há democracia sustentável com imprensa privada em agonia. Não há pluralismo quando o Estado domina o espaço informativo através do controlo económico. Não há liberdade de imprensa onde não há condições para exercer jornalismo.
É tempo de corrigir a distorção
A solução não passa por transformar os privados em dependentes do Orçamento de Estado. Passa, sim, por corrigir a lógica de financiamento das campanhas públicas de comunicação. A igualdade de oportunidades no acesso à publicidade institucional é a única maneira sensata, moderna e democrática de garantir que todos os meios possam competir num mercado justo.
Se o Governo realmente acredita no pluralismo mediático, deve começar por onde mais dói: mexer na forma como distribui os recursos. Não se trata de ideologia; trata-se de sobrevivência do próprio ecossistema democrático cabo-verdiano.
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