Promoção por Distinção nas Forças Armadas: Entre o Mérito Silenciado e o Poder Personalizado
Entrelinhas

Promoção por Distinção nas Forças Armadas: Entre o Mérito Silenciado e o Poder Personalizado

A promoção por distinção não é um luxo, nem um privilégio concedido por simpatia pessoal. É um imperativo institucional que fortalece a cultura organizacional, garante a justiça interna, e sinaliza, dentro e fora da instituição, que o mérito, a coragem e a dedicação serão sempre reconhecidos. Negar esta prática, resistir à sua aplicação ou desprezá-la por conveniência pessoal, é sabotar o futuro das nossas Forças Armadas. É perpetuar uma cultura de medo, mediocridade e paralisia. É escolher o atraso em detrimento da modernização. Pior: é desrespeitar os que, em silêncio, dão tudo pela Pátria. É tempo de os vivos assumirem o leme. E que os que já não têm mais nada a dar à instituição tenham a dignidade de sair do caminho — antes que levem consigo o pouco que ainda resta de justiça, honra e dever.

A promoção por distinção é um instrumento previsto no Estatuto dos Militares das Forças Armadas de Cabo Verde, concebido para reconhecer o mérito excecional, a conduta irrepreensível, a dedicação exemplar e a liderança transformadora no cumprimento do dever. No entanto, apesar da sua base legal e do seu valor institucional, este mecanismo tem sido negligenciado, subutilizado ou, em muitos casos, ignorado.

A pergunta é inevitável: por quê? Por que tão poucos militares foram promovidos por distinção ao longo dos anos? Será que temos um défice de excelência e bravura nas nossas fileiras? A resposta é simples: claro que não. Existem, e sempre existiram, homens e mulheres dignos de tal reconhecimento. A escassez da promoção por distinção não decorre da falta de mérito, mas da ausência de liderança meritocrática e da prevalência de práticas personalistas no seio da gestão de recursos humanos militares.

A Lógica da Meritocracia e o Valor Institucional do Reconhecimento

Max Weber, em sua obra clássica sobre a burocracia, defende que a autoridade racional-legal deve basear-se na competência técnica, e não na afinidade pessoal ou na submissão emocional. “A administração moderna organiza-se sob princípios de especialização e meritocracia”, afirma Weber. A aplicação justa e objetiva de mecanismos de promoção é essencial para a legitimidade e eficácia das instituições militares.

De igual modo, Samuel Huntington, em The Soldier and the State, defende que o profissionalismo militar exige três pilares fundamentais: competência, responsabilidade e coesão. Reconhecer e premiar o mérito através de promoções por distinção reforça todos estes pilares, criando uma cultura de excelência e dedicação.

Estudos mais recentes reforçam essa visão. Um relatório do RAND Corporation (2010), sobre práticas de gestão de carreiras nas Forças Armadas dos EUA, conclui que sistemas baseados no desempenho e no reconhecimento incentivam o desenvolvimento contínuo, aumentam o moral e reduzem as tendências de evasão dos melhores quadros.

O Custo da Inércia e da Promoção por Favor

Por contraste, quando o sistema de promoção é capturado por lógicas de amiguismo, compadrio e inércia institucional, o que se promove não é o mérito, mas a mediocridade. Os líderes acomodados receiam o brilho alheio, pois este expõe a sua própria insuficiência. A consequência direta é a criação de um ambiente tóxico, onde os mais competentes se sentem desvalorizados, os inovadores são desencorajados, e o progresso é travado pela estagnação.

Como alerta o estudioso James Q. Wilson, no seu estudo sobre as organizações públicas, “os incentivos internos moldam o comportamento organizacional.” Se os incentivos forem politizados ou arbitrários, o sistema produz conformismo e apatia. Ao contrário, se forem justos e orientados para o desempenho, geram criatividade, proatividade e compromisso institucional.

Infelizmente, é comum ver nas nossas fileiras indivíduos que se opõem à promoção por distinção não por convicção jurídica ou doutrinária, mas por inveja, insegurança, incapacidade ou puro medo de serem ultrapassados. São os que vivem de cargos, mas sem missão; que usam a farda como fachada, mas perderam a alma institucional. Verdadeiros “sepulcros caiados” — por fora aparentam vigor, mas por dentro são a expressão viva da decadência e da estagnação.

O Exemplo das Forças Armadas Modernas

Forças armadas modernas, como as da Suécia, Canadá e Reino Unido, adotaram há décadas sistemas de reconhecimento baseados em desempenho extraordinário. Nestes países, as promoções por mérito não são apenas ferramentas de gestão — são símbolos institucionais que comunicam o tipo de cultura e liderança que se quer cultivar. O mesmo é verdade em países em desenvolvimento com ambições estratégicas, como o Brasil, que, através da Escola Superior de Guerra e de reformas internas, tem defendido a valorização do mérito como pilar da profissionalização.

Se Cabo Verde quer forças armadas capazes de responder aos desafios do século XXI — segurança marítima, defesa cibernética, resiliência climática, missões internacionais, apoio à proteção civil — então precisa de quadros motivados, líderes visionários e soldados reconhecidos pelo seu valor. E isso só é possível se houver justiça, transparência e liderança comprometida com a transformação institucional.

Conclusão: Distinção como Imperativo de Futuro

A promoção por distinção não é um luxo, nem um privilégio concedido por simpatia pessoal. É um imperativo institucional que fortalece a cultura organizacional, garante a justiça interna, e sinaliza, dentro e fora da instituição, que o mérito, a coragem e a dedicação serão sempre reconhecidos.

Negar esta prática, resistir à sua aplicação ou desprezá-la por conveniência pessoal, é sabotar o futuro das nossas Forças Armadas. É perpetuar uma cultura de medo, mediocridade e paralisia. É escolher o atraso em detrimento da modernização. Pior: é desrespeitar os que, em silêncio, dão tudo pela Pátria.

É tempo de os vivos assumirem o leme. E que os que já não têm mais nada a dar à instituição tenham a dignidade de sair do caminho — antes que levem consigo o pouco que ainda resta de justiça, honra e dever.

Partilhe esta notícia