Casimiro de Pina deve explicações, não lamúrias
Editorial

Casimiro de Pina deve explicações, não lamúrias

Vamos directo ao ponto: a auditoria da Autoridade Reguladora das Aquisições Públicas (ARAP) à Assembleia Nacional, que Santiago Magazine reportou, trouxe à luz um episódio que não pode ser varrido para debaixo do tapete: o contrato celebrado com o jurista Casimiro de Pina, no valor superior a três mil contos, para prestar consultoria na revisão da Constituição e do Código Eleitoral que ninguém viu.

Segundo o relatório, o acordo foi feito por ajuste direto, sem convite, sem caderno de encargos e em violação do Código de Contratação Pública. É um facto grave por si só, e que consta do Relatório da ARAP, não uma invencionice de Santiago Magazine, nem maquiavelismo jornalístico como Casimiro de Pina tenta caracterizar o facto, a ponto de afirmar num artigo publicado no jornal online O País que o objectivo era atacá-lo, fazendo frete ao actual PR, José Maria Neves.

Bem, sendo CP a pessoa que é e a importância que jura ter na sociedade, não espanta essa postura narcisística e aristocrática.

Mas mais irracional ainda é a reação do jurista, que, em vez de esclarecer, prefere vilipendiar quem noticia o caso e se colocar no papel de vítima, ignorando propositadamente a ARAP, que não menciona em nenhum dos seus posts republicados pelo online O Pais.

O jornal Santiago Magazine ofereceu a Casimiro de Pina o direito ao contraditório — um gesto de rigor jornalístico e de respeito pela equidade. Ele optou pelo silêncio. Aliás, exigiu que lhe fosse mandado a peça noticiosa antes, o que foi prontamente recusado, porquanto já não vivemos no período do lápis azul ou nos terríveis tempos da ditadura que o jurisconsulto tentou exercer, qual tirano supervisor do Pravda ao exigir um texto antecipado para, sabe-se lá, cortar, ‘txapar’ ou plastificar a seu jeito.

Agora, perante a denúncia da ARAP, reportada por este diário digital, reage com desdém e acusações contra Santiago Magazine, tentando desacreditar o mensageiro em vez de responder ao essencial: as irregularidades apontadas pela ARAP e o seu papel nesse processo. E anuncia processo-crime e civil para indemnização. Caramba!

Casimiro de Pina, no alto da sua exibicionista inteligência, não pode nunca alegar "trabalho intelectual complexo" (a que ele refere no segundo post assanhado contra SM) para "legalizar" o contrato, porque o mercado tem outras opções. É, enfim, o mercado que deve dizer se existem ou não outros juristas capacitados para fazer esse trabalho. E isto se faz mediante consulta pública, normalmente conhecida por concurso público. Afinal, onde está a transparência que o próprio Casimiro de Pina, candidato a PR, apregoa e que sempre reivindica?

Um jurista, sobretudo alguém que aspira ser Presidente da República, guardião das Leis e da Legalidade, deveria saber que a transparência é um dever, não uma escolha. O silêncio (perante as questões colocadas pelo jornal) e a vitimização, a posteriori, não são defesas aceitáveis quando se trata da utilização de recursos públicos. A ética exige respostas claras.

O pior de tudo é que Casimiro de Pina é um artista. Acha-se o mais capaz do Universo e arredores e até auto-bitola a sua pessoa acima de qualquer cabo-verdiano. Até pode o ser, ele que vá acreditando no que imagina, enquanto, visto de fora, sugere uma espécie monodimensionalidade do seu pensamento. Só que, para quem forçosa e forçadamente exige que se lhe reconheça inteligência e intelectualidade acima da média, o seu comportamento diz o contrário. Sim, é incomum ver um sábio ofender. Casimiro de Pina ofende. Ofende com fúria, porque se coloca num pedestal de arrogância que nunca lhe serviu para nada, aliás, e deveria aprender com isso.

O jurista, é sabido, não tolera qualquer ideia diferente da sua, o que revela um espírito autoritário, que só vê par igual quando se prostra diante de um espelho. É intransigente e exacerbadamente malcriado na hora de criticar e falar dos outros, o que não combina com o perfil de um Presidente da República, que deve aglutinar sensibilidades, reunir consensos e nunca, mas nunca ostracizar quem pensa diferente. O PR, cargo que almeja, é para servir a todos, não apenas aos bajuladores e batedores de palmas.

Retomando o móbil deste texto, CP vir agora desvalorizar a imprensa, no caso SM, não colhe de jeito nenhum. Não aceitamos tal insolência. Para já, é uma velha tática de quem não quer enfrentar os factos. Mas num Estado democrático, o jornalismo livre é parte essencial do escrutínio público. Santiago Magazine não é um jornalzeco como certos neófitos pintam e nem se arroga de ser o que não é. O jornal Santiago Magazine cumpriu o seu dever: informar. Cabe agora a Casimiro de Pina cumprir o seu — explicar.

Enquanto persistirem dúvidas sobre a legalidade e a moralidade deste contrato, referidas e publicadas pelos técnicos da ARAP, não haverá tranquilidade institucional possível. O país precisa de exemplos de integridade, não de desculpas tardias. E o silêncio, neste caso, fala alto demais.

 

 

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SOBRE O AUTOR

Hermínio Silves

Jornalista, repórter, diretor de Santiago Magazine

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