Maio. A ilha que a independência esqueceu
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Maio. A ilha que a independência esqueceu

Volvidos 50 anos da independência nacional, Maio continua a enfrentar uma “dura batalha” contra a estagnação económica, o desemprego crescente e a saída em massa de jovens, num cenário que contrasta com os sonhos da libertação.

Para o antigo combatente da liberdade da pátria Lourenço Santos, que empunhou a esperança de uma ilha “mais justa e desenvolvida”, a ilha do Maio de hoje é uma “ferida aberta no sonho de independência”.

“O Maio de hoje não é a ilha que lutei e sonhei”, disse com voz firme, mas marcada pela desilusão. 

Apesar de reconhecer alguns avanços, considerou que o Maio estagnou, travado por décadas de “promessas falhadas” e pela ausência de investimentos transformadores.

“A ilha do Maio era uma ilha sem nada. Saúde e educação eram praticamente inexistentes. Houve uma evolução se comparado com o que era antes da independência, mas com certeza a ilha poderia ter-se desenvolvido muito mais. As coisas começaram a melhorar, mas chegaram a um ponto de estagnação, principalmente nos últimos oito anos”, lamentou o ex-combatente.

Para ele, a “luta continua”, agora por dignidade, equidade e inclusão num país que, no seu entender, se tem esquecido do Maio.

O empresário Ricci Matia, por seu lado, que investe na área da hotelaria e restauração, sente no dia-a-dia os efeitos dessa estagnação. 

Contou que, frequentemente, lida com cancelamentos de reservas causados pela incerteza dos transportes marítimos.

“Se o barco muitas vezes não consegue atracar num investimento de 20 milhões de euros, isto é um problema”, apontou, referindo casos de turistas que já perderam voos internacionais por não conseguirem sair da ilha a tempo.

Para além dos transportes, apontou também a escassez de mão-de-obra qualificada, um reflexo direto da saída em massa dos jovens do Maio.

“A ilha parece que está morta. Os jovens estão a fugir, e os poucos que ficam não têm formação. A restauração e a construção civil sofrem com isso todos os dias”, acrescentou.

Dados recentes do Instituto Nacional de Estatística (INE) confirmam a tendência, a ilha do Maio perdeu cerca de 9% da sua população nos últimos anos, sobretudo entre os mais jovens. 

Actualmente, 25,4% dos jovens entre os 15 e os 24 anos estão desempregados.

O investigador Karintone Silva considerou que esses números impedem qualquer discurso sobre desenvolvimento económico e evidenciam, antes, uma estagnação prolongada.

“A ilha tem um PIB reduzido, uma economia muito vulnerável, com base em atividades frágeis como a agricultura e a pesca, altamente dependentes do clima e de ciclos incertos. A falta de infraestruturas de qualidade, a fraca conectividade e um turismo quase inexistente colocam o Maio entre as ilhas menos desenvolvidas do país”, observou a fonte.

Silva sublinhou que o impacto dessa realidade se sente no comércio, no acesso ao emprego e na qualidade de vida da população, defendendo a criação de um ecossistema favorável ao investimento. 

Um exemplo da “frustração local” é o projeto Little Africa, apresentado como grande oportunidade transformadora para a ilha, “mas que nunca saiu do papel”, indicou Karintone Silva.

O Movimento Independente Maiense (MIM) vai mais longe, afirmando que, passadas cinco décadas da independência, o Maio enfrenta “grandes retrocessos” em diversos setores da economia, destacando o desaparecimento de atividades que outrora marcaram a identidade produtiva da ilha.

“Produção de sal? Inexpressiva. Fábrica de conservas? Nem vestígios. Produção de cal? Ficou na história. A de carvão está a perder força. A indústria está em declínio”, resumiu Nelson Ramos, presidente do MIM, que ainda assim reconhece melhorias em áreas como eletricidade, saneamento, urbanização e educação.

No sector da saúde, o movimento reconhece progressos face à realidade dos anos 90, mas alerta para problemas persistentes, como a escassez de recursos humanos, a sobrecarga dos profissionais, a falta de médicos especialistas e a fragilidade do sistema de evacuação médica.

Nelson Ramos considera que a ilha do Maio continua a ser sistematicamente negligenciada pelos sucessivos governos, o que ajuda a explicar o baixo volume de turistas e o orçamento municipal “praticamente estagnado há mais de uma década”.

“Em 2023, a ilha recebeu apenas 1.932 turistas, o que representa apenas 0,2% do total nacional. O orçamento da câmara mantém-se quase igual ao de 2012, só sobrevive graças a uma discriminação positiva do Governo. E enquanto o Sal e a Boa Vista não param de crescer, o Maio continua parado no tempo”, criticou.

Quanto à perda da juventude, o MIM defende que o futuro da ilha passa por “investimentos concretos, estruturantes e sustentáveis”, com “forte aposta” no turismo, na agricultura e na melhoria urgente da conectividade.

No fim, é à geração que conquistou a liberdade que resta apelar pois, para combatentes Lourenço Santos, o desejo é que os próximos 50 anos não se repitam como os anteriores.

“Lutámos por um país livre, mas também por um país justo e desenvolvido. Cabo Verde avançou, mas o Maio ficou para trás. Espero que os políticos olhem para esta ilha com mais atenção. Ainda há tempo para mudar este destino”, finalizou

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Comentários

  • Zé Manel, 30 de Abr de 2025

    Parte do atraso da Ilha do Maio deve-se à própria desorganização e mau atendimento/planeamento das entidades da Ilha. Falta maiores competências humanas, materiais e digitais. Infelizmente falta interesse em prestar um bom serviço.

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