"A criança sempre traz em si a curiosidade de uma alma esperta. Um mundo à sua frente se apresenta e, em cada dia há infinitas descobertas. Algumas crianças, às vezes fazem birra, e outras, às vezes são bem arteiras. Mas, o que o adulto nem sempre se lembra, é que isso faz parte da essência aventureira da criança. Por isso, não podemos nos esquecer que elas precisam de nossos cuidados. Devemos sempre dar muito carinho e incentivar os momentos de aprendizado!" Thaís Falleiros
Sempre incentivei os momentos de aprendizado da minha filha, e por isso quando ela me fez a pergunta que dá título a esta crónica, faltaram-me palavras para a resposta que ela precisa ouvir. E hoje, quase cinco anos depois da pergunta, e um ano depois dela seguir o curso normal da vida que acontece ao se terminar o ensino secundário, vou tentar em jeito de uma carta dirigida à ela, responder “o que quero ser quando ela sair de casa”.
Pois é filha, diferente da vez, em que tu com oito anos, me perguntaste " oh mãe, teu pai, meu avô, quando era vivo, era simpático ou antipático?", a resposta para esta tua pergunta requer uma resposta bem elaborada.
Vamos fazer assim, em vez de te responder o que quero ser, quando saíres de casa, quero falar-te sobre o que acho que vai acontecer quando o teu voo para fora do ninho acontecer.
Provavelmente passarei os primeiros dias com o coração do tamanho de uma ervilha, tal como fiquei quando me fizeste a pergunta "Mãe, o que é sexo casual", isso tinhas sete anos. Haverão momentos de mergulho em teus álbuns de fotografias, viajando ao passado ainda recente, em que não passavas de três quilos de gente, e a bebé mais linda do mundo.
Depois, serão os sorrisos e lágrimas de saudades e alegria ao recordar todas as perguntas estapafúrdias que me fizeste, e continuas a fazer ao longo destes 18 anos da tua bela vida.
Perguntas que colocaram à prova a minha tranquilidade e capacidade de encaixe, e a plasticidade neural desse meu cérebro sempre em atividade.
Lembras-te daquele entardecer em que eu costurava a tua boneca africana preferida, e sem aviso indagaste: "mãe, como é que se perde um bebé?", e eu sem deixar transparecer a minha completa estupefação perante tal pergunta, respondi-te " filha, ainda não tens idade para entender como se perde um bebé", e tu, obstinada, respondeste: "vai lá mãe, diz-me só a metade, a outra metade fica para quando eu tiver idade para entender".
"Mãe, sem memória nós pensamos ou só existimos? Mãe, se os homens e as mulheres são todos irmãos, como é que se casam, se os irmãos não podem casar entre si? Mãe, quando é que eu posso arranjar um namorado? Mãe, acho que a mãe é mais importante que o pai, pois ela dá vida ao filho, e dá o filho ao pai."
Foram tantas as perguntas genuínas ao longo da tua primeira infância, e aquelas mais incisivas na pré-adolescência, que não cabem nesta pseudo crónica, onde eu deveria estar a responder o que quero ser quando saíres de casa.
Honestamente não sei filha. Quando eu era criança, eu queria ser astronauta. Acabei por me formar em Comunicação-Relações Públicas. Em quase um quarto de século de vida laboral, já trabalhei em áreas e setores completamente opostas, e acho que me saí bem.
Sou criativa, tenho o dom das palavras, sou culta, e sou uma enciclopédia ambulante, como costumas dizer. Mas, honestamente nunca parei para refletir sobre o que farei da vida, da minha carreira profissional quando o meu ninho estiver vazio de filhos.
Gostaria de te responder que vou fazer tudo aquilo que poderia ter feito caso tu não tiveste entrado na minha vida, na noite do dia 10 de dezembro de 2005, mas sabes filha, eu fiz tudo o que eu queria fazer, mesmo contigo na minha vida. Tu nunca me impediste de ser o que sempre quis para mim, porque eu existo apesar de ti, e tu existirás para além de mim. Orgulho-me de ti como filha, e acredito ser a mãe que mereces. Tentei sempre ir me tornando desnecessária na tua vida, porque aprendi que os filhos, apesar de nascerem de nós, mães e pais, eles são do mundo.
A opção de não ser hoje o que algum dia desenhei para mim, foi minha, e por isso respondo-te filha, que quando saíres de casa, eu quero ser ainda a tua mãe. Quero ser aquela mãe que atenderá o telefone, seja a que hora for, para te acalmar na tua primeira crise de choro por estares longe, que responderá o passo-a-passo da receita para fazeres a tua comida preferida, e também aquela mãe que te responderá: Adriana Maria, já és adulta, por isso desenrasca-te (e ficarei a morrer de "puntinha" por ter sido necessário te responder assim).
Filha, assim como não tive "preparação prévia" para te receber, ainda não me preparei para viver sem ti em casa. Mas, como nunca fui uma mulher de fugir perante os desafios da vida, estou preparada para o vazio que será inicialmente, mas, assim como todo rio acaba por encontrar o mar por onde desaguar, também eu encontrarei no vazio deixado pela tua ausência, uma nova forma de ser mãe: a mãe desnecessária fisicamente, mas sempre necessária e presente, cada vez que precisares de colo, e de um puxão amoroso de orelhas.
"Mãeee, o que queres ser quando eu sair de casa?
Quero ser o que sou: a tua Mãe, mas pelo amor de Deus, vai viver a tua vida. Vai com medo, vai com insegurança, mas vai! A vida, minha filha, é muito curta para ser adiada. Te amo e te amarei sempre! "
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A equipa do Santiago Magazine