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Manifesto (satírico) dos iconoclastas pouco (in)(con)formados
Colunista

Manifesto (satírico) dos iconoclastas pouco (in)(con)formados

Tu que acreditas que por detrás de uma imagem, de um ícone e outros artefactos imagéticos, mais ou menos venerados, se escondem idolatrias e outras transcendências pecaminosas.

Tu que não toleras a presença nas nossas praças, ruas e avenidas de estátuas de deuses, santos, profetas, divindades, anjos e outras entidades políticas e religiosas vivas ou mortas.

Nós, os diretos descendentes dos que o-sabiam-ler, não aceitamos que se prestem honras, odes e demais formas eruditas de culto a monumentos, estátuas, estatuetas e outras representações mais ou menos romantizadas, deste ou daquele acontecimento/vulto da história passada, presente e futura das civilizações humanas.

Assim, propomos uma ação conjunta e concertada, no sentido de acabar de vez com todos estes fantasmas, teimosamente preservados por alguns auto-proclamados esclarecidos, que fazem questão de os manter nas nossas cidades.

Comecemos por destruir todas as estatuetas de vénus do período paleolítico.

Não podemos permitir que representações exageradas de vulvas, seios, e coxas desprestigiem a feminilidade.

Destruam-se os salazares de todas a cozinhas deste país que, de forma autoritária, não respeitam a liberdade individual de todos os garfos e talheres que, humildemente, partilham a gaveta onde estão guardados.

Lançaremos escadas, andaimes e outras estruturas que nos permitam chegar perto da estátua do Marquês de Pombal. Submeteremos impiedosamente a estátua aos merecidos “tratos” para regozijo dos Távoras.

Arrancaremos todos os parquímetros (símbolos perversos do capitalismo), das nossas vilas e cidades. Essas estátuas gulas que se alimentam das nossas parcas poupanças.

Não nos esquecemos das imagens dos santos padroeiros que, nestas épocas festivas, tomam varandas, ruas e estabelecimentos comerciais. Figuras grotescas que não respeitam o cânone humano.

Com a força do martelo, derrubaremos todas as estátuas equestres que servem de mote à promoção desta ou daquela figura histórica e que subalternam os pobres animais à condição de objeto.

Enterraremos as Estátuas de Diogo Afonso, comerciante famoso do Séc.XV especializado em desmembrar famílias em continente africano, referindo-se a elas como “resgates da viagem”.

Transformaremos em calçada portuguesa aquelas réplicas de Torres de Belém espalhadas por esse mundo fora.

Devolveremos aos franceses a estátua “libertas”, devidamente acondicionada, proclamando em viva voz que ninguém nos dá lições de democracia e liberdade.

E por fim, numa ação concertada, programada e sem (a)misericórdia, aliviaremos a dor de braços de tantos cristos-reis em inúmeras cidades do mundo.

Acreditamos assim, que desta forma, poderemos esquecer a história, relevar o passado, e subtrair a memória.

Seremos com certeza mais felizes, sem ódio, guerras e outros conflitos que tanto têm atormentado as nossas sociedades.

Mutatis Mutandis.

Pedro Brito,

Contos da Macaronésia

Lisboa, Ano da Pandemia

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Redação