Moscovo, Kiev, Bruxelas e Washington são hoje as quatro cidades-chave que definem o destino da atual crise energética, cuja solução talvez esteja em Roma. Vamos ver porquê!
Agora tomamos como certo que a crise energética foi causada pela invasão da Ucrânia pela Rússia. Embora eu entenda que a política atlantista tem todo o interesse em transmitir essa mensagem, também devemos dizer que foi uma decisão EUA-UE de desistir do abastecimento russo, desencadeando uma consequente "crise" de energia em todo o velho continente. As "sanções" não foram decididas por Moscovo, mas em Washington e depois em Bruxelas por razões óbvias de história geopolítica que influenciaram qualquer decisão europeia desde o fim da Segunda Guerra Mundial (com a notável contribuição da ex-URSS).
Certamente o movimento de Moscovo não é aceitável, a guerra nunca é!
Para ser honesto, devemos também afirmar que a OTAN (e, portanto, novamente, Washington e Bruxelas como principais interlocutores junto com Londres), não respeitaram os tratados internacionais estipulados, posicionando suas bases cada vez mais nas fronteiras do território russo (Polónia e República Checa), agora circundada ao longo de toda a fronteira ocidental, dando assim um pretexto mais do que “justificado” para que Moscovo reaja na tentativa de reunir o que, para Vladimir Putin, é um único povo (ver o ensaio intitulado: Sobre a unidade histórica dos russos e ucranianos, Autor: Vladimir Putin, publicado em 12 de julho de 2021).
Nem sequer foi respeitado o Protocolo de Minsk I e II, assinado em setembro de 2014 e dezembro de 2015, que previa, entre outras coisas, o fim das hostilidades e maior autonomia nas regiões de Donetsk e Lugansk, que hoje estão entre os territórios invadidos. O descumprimento do protocolo nos 6 anos seguintes e o silêncio geral das médias atlantistas, deram à Rússia o pretexto para invadir os territórios e justificar sua anexação. Com efeito, parece que no dia 4 de outubro, Vladimir Putin vai falar à Duma, o Parlamento russo, para proclamar a anexação de 4 regiões, que correspondem a cerca de 15% do território ucraniano.
As sanções não tiveram o efeito desejado e a campanha militar levou à conquista definitiva dos novos territórios. Fim dos jogos e da crise energética, ou não?
Embora as sanções não causem danos significativos à economia norte-americana, que é essencialmente independente do ponto de vista energético, a questão europeia é muito mais frágil porque depende do abastecimento russo (40% das necessidades). Apressadamente, os vários governos europeus buscaram novos acordos com outros países, especialmente africanos, pois as promessas de abastecimento dos EUA foram posteriormente negadas e o aumento imediato da demanda fez com que os preços do gás dessem um primeiro salto.
Com os subsequentes pacotes de sanções planejados para limitar a economia russa, que, entretanto, está aumentando as vendas de gás e a preços cada vez mais altos para outros países para compensar a perda de receita do continente europeu, o preço do gás internacionalmente continua sofrendo novos aumentos.
A cada aperto de Bruxelas, coordenado com Washington, as consequências resultam num aumento dos preços (ver TTF em Amesterdão) que, inevitavelmente, repercutem-se na economia europeia e nos países que dependem do Velho Continente, incluindo Cabo Verde. Isso, combinado com os vários trilhões de euros já injetados na economia europeia durante a pandemia e agora com os novos trilhões que chegam com o programa “EU Next Generation”, levaram a um aumento vertiginoso da inflação, agora quatro ou cinco vezes superior aos limites definidos por Bruxelas.
Isso significa que cerca de meio bilhão de pessoas e empresas agora têm de arcar com custos exorbitantes, não apenas para pagar a eletricidade e o gás, mas todos os produtos que compõem o mercado, pois todos precisam de energia para ser produzidos e transportados. Um efeito de alavanca que faz o custo de vida disparar indistintamente entre os diversos segmentos da população, onde, inevitavelmente, os segmentos mais frágeis são proporcionalmente mais afetados. Portanto, não podemos falar de inflação exógena, porque as causas são muito endógenas, foram Bruxelas e Washington que tomaram as decisões que levaram hoje a esta situação de fragilidade dos mercados europeus.
Acrescente-se que a única ferramenta criada por Bruxelas para tentar limitar a inflação é aumentar as taxas de juros. Isto implica, obviamente no curto prazo, um novo incremento do custo de vida das famílias e empresas que têm empréstimos a taxa variável, portanto esmagados pela inflação, aumento dos custos de financiamento e energia cara, sem qualquer perspetiva de ver fazer crescer os seus rendimentos, porque neste contexto, as empresas adotam uma postura prudencial, limitando assim também os investimentos, com tudo o que isso significa na economia europeia dos próximos dois anos.
Esperemos uma verdadeira crise financeira no futuro próximo, também determinada por empréstimos bancários incobráveis e pelo elevado número de imóveis que serão retirados pelas instituições de crédito e repropostos ao mercado a preços muito baixos. Nesse clima de incerteza, os primeiros setores a sofrerem são justamente os de bens duráveis, como imóveis, eletrodomésticos e automóveis. O abrandamento destes sectores implica o abrandamento de todas as indústrias relacionadas, um efeito multiplicador muito pesado a gerir por uma política que decidiu declarar "guerra económica" a um país que salvou a Europa do nazismo, sacrificando milhões de soldados e que nunca tinha invadido ou declarado hostilidades na direção da OTAN, mas que em muitas ocasiões pediu o respeito aos tratados e aos compromissos assumidos com eles e com a população de Donbass.
Tudo isso também envolve uma queda do euro em relação a outras moedas, perdendo cerca de 4% em relação ao yene e ao dólar americano nos últimos dez dias. Não é apenas uma perda económica, mas sobretudo uma perda de reputação.
A Europa continua a ser liderada por duas superpotências, França e Alemanha, perdendo assim o sentido definido pelos seus fundadores com o Tratado de Roma em 1957 e o posterior de Maastricht em 1992, ou seja, aquele sentido de inclusão da pluralidade dos povos, histórias, artes, culturas, línguas e diversidades que fazem da Europa um continente extremamente rico e versátil, mas que ao nível político-económico se torna cada vez mais plano e conformado ao eixo franco-alemão e aos interesses das grandes corporações internacionais que sempre mais localizam os próprios escritório jurídicos na proximidade das instituições europeias.
Definido esse cenário, entendemos que talvez EUA, UE, OTAN (NATO, na sigla em inglês) e Ucrânia tenham dado muitas ferramentas úteis para justificar a reação russa e que o pacote de sanções e as posições tomadas pelos líderes europeus foram, além de ineficazes, contraproducentes para a Europa e o seu povo. Em termos de negociações, talvez tenha sido dado um passo além do ponto sem retorno, ou seja, não é mais aceitável, neste momento, ignorá-lo e reconhecer a anexação das 4 regiões ucranianas à Rússia para acabar com a guerra e sanções, mas também não seria aceitável não os reconhecer como parte da Rússia depois de 4 de outubro, porque seria como deixar dezenas de milhares de pessoas no limbo “apátrida”.
Em suma, um impasse que esperamos seja resolvido rapidamente, em primeiro lugar para pôr fim aos confrontos armados, mas também para encontrar um novo equilíbrio que traga paz ao mundo. Muito ou tudo dependerá da vontade de Washington, Bruxelas, Kiev e Moscovo, as 4 cidades que decidirão o futuro de todos nós, sabendo que podemos sempre contar com o importante contributo da diplomacia vaticana, junto com a Igreja Ortodoxa, ferramenta talvez indispensável e que poderia ser usada sem que ninguém "perde a cara".
* Texto integral e exclusivo para Santiago Magazine, em parceria com o autor, empresário italiano residente no Sal, que o publica também na sua página oficial na internet
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