Este domingo, 11 de agosto de 2019, deve ficar registado na memória de todos os cabo-verdianos como um dia em que a chacota, a zombaria, o escárnio do primeiro-ministro, Ulisses Correia e Silva, para com os jovens deste país terão atingido o seu potencial máximo.
Cerca de 63% da população cabo-verdiana é jovem. Pelo menos 28% dessa camada populacional é desempregada, segundo dados oficiais do INE. Regista-se assim que 62 mil jovens em Cabo Verde estão em situação de sem educação, sem formação, sem emprego.
Com dois anos consecutivos de seca, o país, sobretudo o mundo rural das ilhas, está a passar por momentos de aperto severo. Muitas famílias enfrentam sérias dificuldades para levar o pão à mesa. A escassez do pasto e a falta de água potável é uma realidade dura que as famílias do campo estão condenadas a aceitar, apesar dos lamentos e das revoltas. O abandono escolar tem crescido num ritmo assustador.
Ouve-se pelas achadas, ribeiras e cutelos das ilhas o sussurro da fome, do desalento, da penúria social. O emprego público é apenas uma miragem, dir-se-ia pequenas côdeas de pão a crepitar-se da mesa do poder.
Os investimentos públicos quedam-se na construção de praças, pracetas e pedonais dos centros urbanos, um pouco por todos os municípios do país. Nada mais do que isso. Ou pouco mais do que isso - aqui e ali uma estrada de penetração, ou a reposição de um betão, ou a colocação de portas e janelas num casebre de uma família carenciada, não sem antes, e depois, serem exibidas na televisão e na radio como grandes investimentos e prendas para os felizardos beneficiários. É o famoso PRAA.
De permeio, o discurso de sempre, as declarações de amor ao setor privado, as afirmações do vice-primeiro ministro segundo as quais “há dinheiro que não acaba”, dando uma no cravo e outra na ferradura para afagar o ego dos jovens com estágios profissionais até as próximas eleições. Afinal, Ulisses Correia e Silva já havia constatado, surpreso, que efetivamente os empregos não caem do céu.
E é neste contexto, ciente de que nada há de cair do céu, que ele preparou uma festa este domingo, na praça central de Assomada, com os jovens da ilha de Santiago, para comemorar o dia da juventude, e, eventualmente, mostrar-lhes que tem dado o que tem… se é que tem dado o pouco que eventualmente há de ter…! No final, tudo fica por conta do governo anterior. Ele, Ulisses Correia e Silva, não tem culpa de nada, encontrou o país neste estado.. fazer o quê...?
Para que a audiência fosse porreira, convidou amigos seletos, que não caíram do céu, pois vieram de avião diretamente da europa – Tony Fika, Soraia Ramos, Gary, entre outros.
Os jovens, inebriados pelos atalhos deste jogo de cartas marcadas, amalgamados pela insanidade deste diálogo de surdos, resolveram desistir dos seus sonhos, seguindo as ondas da mentira, da zombaria e do escárnio, concebidos e divulgados pelo seu primeiro-ministro e a turma que o acompanha.
Foi bom de ver. A festa foi tão boa, que o chefe da turma não se conteve e foi ao facebook partilhar com o país o que lhe ia na alma, tendo, num laivo de lucidez ebriático, concebido um novo conceito de cidadania, a saber: “cidadania não é apenas estar no Facebook a falar mal do governo, das câmaras municipais, a lançar fake news e a instigar levantamentos populares. Cidadania ativa é amarmos o nosso país, confiarmos em nós mesmos; respondermos ao o quê é que podemos fazer para o nosso país e não apenas o que o país pode fazer por nós. Cidadania é sermos bons cidadãos, livres, responsáveis e termos a noção exata de que mais importante do que as cores dos partidos políticos que nos divide, é a cor azul da nossa bandeira que nos une. Isto é patriotismo!”
E é aqui que o escárnio do chefe do governo atinge, de facto, o seu potencial máximo. Pedir aos jovens sem acesso ao emprego, sem acesso à formação, sem acesso à educação para responderem o que podem dar ao país não lembra ao diabo.
Como é isso possível? Um primeiro ministro que dirige um país com dinheiro que não acaba, que aceita patrocinar um crédito de 20 milhões de euros a favor dos novos donos da Transportadora Aérea Nacional - entretanto vendida a preço de banana e a crédito -, que acusa uma taxa de desemprego jovem acima de 27%, ainda assim pede que estes respondam o que podem dar ao país, lhes aconselhando a serem confiantes…?
É possível, senhor primeiro ministro, estando o país como está, os jovens confiarem em seja o que for?... Os jovens dão o quê, se não têm nada, estão abandonados à sua sorte, sem qualquer perspectiva de futuro?...
Isto, homem, nem com “varinha mágica”! Nem que o emprego caísse do céu!
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