Demorou mais de dez horas a operação de busca e apreensão ontem, 9, na Câmara Municipal da Praia. Além de vários documentos, foram confiscados os computadores pessoais e do trabalho do presidente, dos vereadores e técnicos suspeitos, deixando a autarquia neste momento paralisada, sem poder trabalhar. O processo contra o ex-autarca Óscar Santos, relativo ao Fundo de Sustentabilidade Social para o Turismo (FSST), vai conhecer mais desenvolvimentos com buscas nas empresas contratadas para obras que não foram feitas e no próprio FSST, que, a par do staff de então de Óscar Santos, “se recusaram a fornecer” elementos de prova “para a verdade material”, conforme se lê no despacho de quarta-feira, 8, da procuradora Kylliy Fernandes Pina, que ordenou buscas na CMP para apreensão de documentos referentes a 2016-2019. O processo contra a Construções Barreto e a actual equipa camarária acusa Francisco Carvalho, os vereadores Kyrha Varela e Jorge Garcia, a secretária municipal e mais dois técnicos da práticas, entre outros, dos crimes de peculato, falsificação de documentos, recebimento indevido de vantagem, abuso de poder. Explicamos aqui tim-tim por tim-tim.
Um aparato policial sem igual, com agentes empunhando AKM à porta dos Paços do Concelho e impedindo o próprio presidente da Câmara de entrar na Direcção Financeira e Patrimonial, na Fazenda, principal departamento do município onde decorria a maior operação de busca, ontem desencadeada pelo Ministério Público, agitou todo o país, mas parou a Praia.
De facto, durante mais de dez horas (das 8h às 19h) todos os departamentos da CMP estiveram bloqueados e, segundo Santiago Magazine apurou, assim deverão continuar por tempo indeterminado. É que na sequência da operação de ontem, liderado pelo procurador Nilton Moniz, foram confiscados documentos relevantes para a gestão corrente da câmara, além de terem sido levados computadores pessoais e do trabalho do presidente da Câmara, portátil e iPad da vereadora Kyrha Hopffer Varela, do vereador Jorge Garcia, computadores da directora financeira, o que deixa a Câmara paralizada, sem poder despachar nada.
“Mesmo se quisesse adquirir novos computadores para poder funcionar normalmente, o processo de aquisição implicaria introduzir esses dados no sistema e não há como fazê-lo neste momento sem computador. A situação é crítica”, comenta uma fonte conhecedora do dossier, que acrescenta que “o Ministério Público não definiu um tempo certo para devolver os equipamentos confiscados, logo os trabalhos na Câmara da Praia terão de permanecer encerrados, forçadamente paralizados”.
Danos causados à sociedade
As buscas feitas ontem à CMP e também à Construções Barreto têm a ver com dois processos completamente distintos . O primeiro, autos de instrução nº172/2022-23, cujo despacho de autorização de busca tem data de 8 de Maio deste ano e assinado pela procuradora Kylly Fernandes de Pina, refere-se à gestão de Óscar Santos no que diz respeito às constatações dos polémicos relatórios do Fundo de Sustentabilidade Social para o Turismo, entre 2016 e 2019. Em causa estão factos relacionados com o concurso e a execução das obras de asfaltagem de vias e bermas da cidade da Praia, que foram pagas a empresas mas nunca executadas, além de a própria CM liderada por Óscar Santos ter emitido uma “Declaração irrevogável” a favor do BAI através da qual a CMP assumiu pagar dívidas contraídas pela Elevolution Engenharia junto daquele banco por obras que não executou, obrigando a que a actual câmara esteja a pagar neste momento ao BAI mais de 2 mil contos por mês.
Nesse esquema do Fundo do Turismo, também surgem os nomes das empresas Armando Cunha e CVC-Construções ligados ao municipio da Praia entre 2016 e 2019, o que torna a fraude maior, referida inclusive no despacho da magistrada Kylly Fernandes de Pina. “A factualidade e os crimes em investigação são graves, bem como a danosidade causada à sociedade”, começa por considerar a procuradora no seu despacho de autorização de busca, na qual defende como “determinante a busca e apreensão às Câmaras Municipais, ao FSST, às empresas de construção civil e de fisca.lizaç~´ao contratadas pelas câmaras e que se locupletaram com as verbas pertencentes ao erário público de forma ilegal”.
Fernandes de Pina considera necessárias essas buscas para se colher “mais elementos de provas com o intuito de chegar à verdade material, as quais as câmaras municipais se recusaram a fornecere”. Mas a magistrada, nesse despacho de anteontem, 8, mas de Autos de Instrução que vêm desde 2022, citrado o Código do Processo Penal diz que ordena “por ora e por uma questão de logística” buscas apenas à CMP, nas instalações do Platô e na Fazenda, onde o suspeito, por ora, então Presidente da Câmara Municipal da Praia, Óscar santos, exerceu funções”.
Ou seja, de acordo com o despacho de Kylly Fernandes de Pina, além de Óscar Santos, suspeito, as buscas relativos ao Fundo do Turismo vão ser levadas adiante com rusgas nas restantes empresas envolvidas e também no Fundo do Turismo, o que só não aconteceu “por uma questão de logística”.
De Vieira Lopes a Renato Fernandes
Esse argumento da procuradora (questão de logística) explicará a razão pela qual o nome da Construções Barreto surge tanto no processo do Fundo do Turismo quanto no segundo processo de investigação que o Ministério Público moveu contra a Câmara Municipal da Praia, desta feita contra a equipa liderada por Francisco Carvalho.
Seja como for, parece claro que a Construções Barreto – cujas buscas ordenadas por Kylly Fernandes eram a recolha de documentos de obras de requalificação do porto de Calheta e parque infantil do Porto da Calheta e a reabilitação do centro interpretativo de São Lourenço dos Órgãos, todas financiadas pelo FSST – é o elemento-chave no processo.
E tudo por causa de supostas benesses em terrenos que se traduziram em cinco processos criminais: peculato, falsificação de documentos públicos, recebimento indevido de vantagem, violação de norma de execução orçamental, defraudação de interesses patrimoniais públicos e abuso de poder, informa o Auto de Instrução nº 27/2023/2024, de 8 de Maio de 2024, assinado pelo procurador Nilton Moniz. Como suspeitos desses crimes estão a própria Construções Barreto, a secretária municipal Joselina Soares de Carvalho, o presidente Francisco Carvalho, os vereadores Kyrha Hopffer Avarela e Jorge Garcia, a coordenadora da UGA da CMP, Maria Varela, e o técnico Gilson Correia.
Esse caso foi denunciado este ano pelo inspector Renato Fernandes, junto da Inspecção Geral de Finanças, ARAP e Procuradoria Geral da República, mas na base estão, no fundo, questões fundiários que vêm as célebres denúncias do falecido advogado Felisberto Vieira Lopes, que resultaram na acusação de 15 suspeitos no conhecido processo “Máfia de terrenos da Praia”.
A acrescentar a isso tudo, Renato Fernandes fez acompanhar outras provas de “gestão danosa” na CMP. “De referir que o denunciante já foi ouvido nos autos na qualidade de testemunha, onde confirmou todos os factos denunciados. Outrossim, já foram carreados para os autos um manancial de documentos que corroboram a denúncia efectuada”, lâ-se no despacho de Nilton moniz, para quem “existem elementos bastantes para considerar verificada a factualidade de integração dos tipos penais aludidos, além de suspeitas consistentes – apoiadas quer em prova directa , quer instrumental”.
Comentários