O Supremo Tribunal de Justiça marcou para a próxima segunda-feira, 17, a reapreciação da sentença que condenou o advogado e ex-deputado Amadeu Oliveira a sete anos de prisão por atentado contra o Estado de Direito Democrático e a interdição de se candidatar a cargo político nos próximos quatro anos a seguir ao cumprimento da pena. A sessão deverá ser pública, mas o arguido ainda não sabe se será transferido para a cadeia da Praia a fim de poder assistir a audiência ou se participará por videoconferência a partir de São Vicente. Dois problemas incomodam Amadeu e a sua defesa: este processo teve início com uma queixa do próprio presidente do STJ, Benfeito Mosso Ramos, e uma das juízas que o vai julgar é Zaida Lima, com quem o advogado já teve conflito quando estava colocada no tribunal da Relação de Sotavento e que, para a defesa de AO, deveria declarar-se impedida. Ou seja, o STJ vai reapreciar e sentenciar um processo em que o próprio é parte interessada.
Novo capítulo no folhetim Amadeu Oliveira ou o episódio final da trama que mantém o país em suspense desde Junho de 2021, quando o advogado e ex-deputado nacional ajudou o seu constituinte, o emigrante Arlindo Teixeira, que havia sido condenado a prisão domiciliária depois de sentenciado a 9 anos de cadeia por suposto homicídio, a regressar para França. Amadeu Oliveira acabaria detido, julgado e condenado a sete anos de prisão pelo Tribunal de Relação de Barlavento, sentença confirmada pelo Supremo que estabeleceu um período de sete anos de cárcere, perda de mandato e interdição de se candidatar a qualquer cargo político durante quatro anos a seguir ao cumprimento da pena de prisão.
Agora, tendo o recurso de Amadeu entrado dentro do prazo legal (sob o número 03-STJ-2023), o Supremo decidiu agora marcar para o próximo dia 17, segunda-feira, pelas 10 horas, a reapreciação dessa condenação, mediante Audiência Pública Contraditória. A sessão deverá acontecer na sede do Supremo ou no Palácio da Justiça, uma vez que, de acordo com o número 4 do artigo 211 da Constituição da República, terá de ser pública.
Esta é uma das primeiras preocupações de Oliveira, isto é, se o público será ou não admitido na sala de audiência, como, de resto, já acontecera antes, em que o STJ impediu o acesso público ao julgamento de Amadeu, apesar da forte contestação do arguido.
Nesta altura, também incomoda Oliveira e os seus apoiantes o facto de a audiência ter sido marcada sem que o arguido, que se encontra na cadeia de Ribeirinha, em São Vicente, a cumprir os sete anos de prisão confirmados pelo STJ, fosse avisado se será transferido para a cidade da Praia a fim de poder assistir ao seu próprio julgamento ou se vai ser convocado para participar na ACP por meio de video-conferência.
Mas mais do que isso, Oliveira e as pessoas que com ele têm privado nestes últimos dias, estão apreensivos quanto ao desfecho deste processo, na medida em que vai ser julgado pelo próprio Supremo Tribunal que lhe tirou razão nas suas reivindicações e sendo essa instância, o STJ, parte interessada. É que, toda esta celeuma que viria a resultar na condenação do advogado santantonense teve início com uma participação do actual presidente do STJ, Benfeito Mosso Ramos, na sequência das duras críticas feitas ao funcionamento do Supremo que o teria “obrigado” a ajudar Arlindo Teixeira a sair de Cabo Verde como fugitivo.
Foi essa participação de Mosso Ramos, junto da Procuradoria Geral da República, que fez Luis José Landim, o PGR, solicitar ao Parlamento autorização para deter o deputado Amadeu Oliveira, fora de flagrante delito, porque, supostamente, o advogado tinha cometido crime de “atentado contra o estado de Direito Democrático” no auxílio à saída de Arlindo Teixeira e “ofensa à pessoa colectiva – o STJ”, por causa das duras críticas ao funcionamento desse tribunal de recurso. Em Novembro de 2022, o Tribunal de Relação de Barlavento haveria de condenar a sete anos de cadeia, perda de mandato de deputado e proibição de concorrer a qualquer cargo político durante quatro anos, sentença confirmada pelo STJ.
Para a audiência do próximo dia 17, sabe Santiago Magazine, o Supremo estará representado pelos juizes Zaida Lima, relatora do processo, Anildo Martins e Teresa Évora. E isso, para Amadeu Oliveira, conforme atestam as nossas fontes, constitui outro motivo de inquietação, uma vez que tem um litígio com a juíza-relatora. Oliveira chegou inclusive a apresentar uma queixa-crime contra Zaida Lima quando ela estava colocada no Tribunal de Relação de Sotavento, em Assomada. “Portanto, as expectativas quanto a este julgamento são muito baixas. O mais certo é o STJ manter a pena, até porque o processo teve início com uma queixa apresentada pelo próprio Supremo, na pessoa do dr. Benfeito Mosso Ramos contra arguido Amadeu Oliveira, sendo que o próprio Supremo é vítima e ofendido, ou seja, o STJ vai julgar um processo em que o próprio supremo é parte”, alerta um dos integrantes do grupo que apoia Oliveira, para quem, a própria juíza Zaida Lima, dado o litígio com o arguido, “deveria declarar-se impedida neste processo”.
Como tudo veio parar aqui
Amadeu Oliveira, polémico advogado santantonense, mediatizado pelas suas duras e cruas críticas ao sistema de Justiça em Cabo Verde, já estava a ser julgado por 14 crimes contra juizes do Supremo, mas esse processo parou até que fosse nomeado novo juiz – o que ainda não aconteceu (Alcides Tavares pedira escusa, após acusações feitas contra si por Amadeu, e Ivanilda Mascarenhas Varela que pegou no processo foi nomeada directora nacional da PJ).
A meio desse processo Amadeu Oliveira seria detido e depois julgado pelo Tribunal de Relação de Barlavento, que o condenou por “atentado contra o Estado de Direito Democrático, perda de mandato de deputado e proibição de concorrer a cargo político nos quatro anos depois que cumprir os sete de prisão, ou seja, ficará fora da vida política durante 11 anos no mínimo.
De acordo com Daniel Ferrer Lopes, representante do Grupo de apoio a Amadeu Oliveira, “tais condenações resultam do facto de o advogado ter auxiliado um seu defendido, o emigrante Arlindo Teixeira, a regressar temporariamente a França, depois deste ter sido forçado pelo STJ a ficar retido em Cabo Verde durante 6 longos anos (Julho de 2015 a Junho de 2021) à espera de uma decisão final de um processo crime em que esse emigrante havia sido constituído arguido por alegado homicídio, ocorrido em Santo Antão no dia 31 de Julho de 2015 e que até à data de hoje continua aguardando desfecho”.
Amadeu Oliveira sempre alegou que o seu constituinte agiu em legítima defesa, e acusou o Supremo Tribunal de insistir em “condenar Teixeira com base em fraude processual, manipulação de provas, num processo iníquo e injusto, com violação do seu direito fundamental à presunção de inocência, consagrado no artº 1º do Código do Processo Penal”.
A Revolta do causídico
Depois de três condenações a Arlindo Teixeira terem sido impugnadas, o STJ, num Acórdão de 16 de Junho de 2021, decidiu colocar emigrante em liberdade, mas com “obrigatoriedade de permanência na habitação”, isto é, prisão domiciliária, mas, questionou a defesa na altura, sem verificar se a habitação escolhida (em Chã de Ti-Liza, zona problemática atrás da prisão de Ribeirinha) teria condições e se o condenado teria meios para sobreviver.
No texto do Grupo de Apoio a A.O., Daniel Ferrer Lopes recordou que na altura o advogado avisou que não acataria tal decisão, por ser injusta e que poderia levar o seu consttuinte, já debilitado psicologicamente, ao suicídio. “Cumprindo com a sua palavra, no dia 24 de Junho de 2021, o defensor oficioso Amadeu Oliveira tratou de impugnar o Acórdão junto do tribunal Constitucional no âmbito de um Recurso de Amparo Constitucional, ogando a declaração da inconstitucionalidade e invalidade dessa “Prisão domiciliária”, porém sem decisão da corte constitucional até hoje. Só que, sabendo que o TC iria demorar anos até proferir uma decisão que pudesse livrar o emigrante daquela situação, Amadeu Oliveira planeou, financiou e auxiliou o sr. Arlindo Teixeira a regressar à França, tendo os dois viajado de São Vicente para Lisboa num voo regular, seguindo depois para França”.
Foi a partir de França, onde permaneceu durante dois dias, que Amadeu Oliveira, emocionado e eufórico com o facto de ter “entregue” Arlindo Teixeira à família seis anos depois dele ter vindo passar 45 dias de férias em Cabo Verde e acabar entalado nas teias da lei cabo-verdiana, não se conteve e, através de entrevistas, teceu duras e cruas críticas ao funcionamento profissional e judicial do STJ, o que levou o presidente deste tribunal, Benfeito Mosso Ramos, a apresentar uma participação crime junto do PGR, que, por sua vez, tratou de solicitar a autorização do Parlamento para deter o então deputado, fora de flagrante delito, com base, como dizem os defensores de Oliveira “no falacioso argumento de que o advogado e deputado tinha cometido crime de ‘atentado contra o Estado de Direito Democrático’ e crime de ‘Ofensa à Pessoa Colectiva – o STJ’”.
No dia 18 de Julho de 2021, Oliveira foi detido e apresentado ao Tribunal da Relação de Barlavento, que mesmo obrigado a funcionar com conferência de 3 juizes, acabou por legalizar a prisão do advogado apenas com a assinatura do juiz Simão Santos. O julgamento aconteceria entre Setembro e Outubro de 2022, com a sentença que se conhece.
Não se conformando com a sua condenação, Amadeu Oliveira recorreu ao STJ alegando, por exemplo, que ajudou Arlindo Teixeira a sair do país na qualidade de seu defensor oficioso e advogado, nunca como deputado da Nação. Oliveira recusou terminantemente que tivesse tido apoio de Fuzileiros Navais ou da Polícia de Fronteira e disse ainda, na sua contestação, que a sua intenção “foi evitar o suicídio do emigrante Teixeira, que já se encontrava física e mentalmente doente”.
No mesmo recurso, Amadeu considerou “falsa a afirmação feita pelo Ministério Público e que foi plasmada no ponto 144 da condenação que a intenção de Amadeu Oliveira era o firme propósito de destruir o Estado de Direito Demcrático em Cabo Verde, o que constitui, no modo de ver das testemunhas António Monteiro e Filomena Martins, um absurdo total e absoluto que foi criado e forjado pelo poder judicial como narrativa pseudo-jurídica para justificar tamanha condenação”.
Tudo isso será esmiuçado na segunda-feira, 17, às 10 horas, quando começar a audiência no Supremo que vai reapreciar a condenação de Amadeu Oliveira. As suspeições sobre o próprio STJ deverão ser veiculadas pela defesa, que também poderá requerer o afastamento da juíza Zaida Lima, relatora do processo, por conflito pessoal e directo com o arguido Amadeu Oliveira.
Recurso-contra-a-condenacao-proferido-pelo-tribunal-da-relacao-de-barlavento
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