
O jurista e laureado escritor Germano Almeida considera que a decisão do Tribunal Constitucional em declarar o costume contra lei virado em lei, foi política." Visou não deixar em grave embaraço o Parlamento, e para isso os juízes não hesitaram em violar leis e princípios e muito provavelmente as próprias consciências. E isso foi de todo inadmissível". Em entrevista para o Santiago Magazine, a avaliar os dez anos da criação do TC, reconhece "acórdãos bem elaborados" mas critica que "o processo de Amadeu Oliveira é um documento longo e sem seriedade jurídica".
Santiago Magazine - Volvidos 10 anos sobre a criação do Tribunal Constitucional, que avaliação faz do seu desempenho?
Germano Almeida - Pessoalmente nunca achei que devesse ser uma prioridade nacional a instalação do TC. Na minha opinião era um luxo que podíamos ir dispensando a favor da satisfação de necessidade mais imediatas, por exemplo, a nível da saúde ou da educação. Li que em 10 anos o TC trabalhou 750 processos, pode não ser pouco, se considerarmos que “juiz breve sentença tola” . Mas sobretudo será um cargo onde os titulares deverão ter muito tempo para se dedicarem ao estudo, afinal das contas o ócio é fundamental para os avanços de qualquer sociedade. E merece ser dito que muitos acórdãos do TC são documentos muito bem elaborados e bem escritos, com referências e citações de grandes e variados autores, demonstrando invejável cultura geral dos nossos conselheiros.
- O antigo juiz presidente do STJ, Raul Varela, disse numa entrevista ao extinto AVoz que o TC foi criado para servir "os endinheirados" e protelar decisões. Parece que assistimos uma outra vertente: contradizer a própria jurisprudência.
- Servir os endinheirados não direi. E protelar decisões mais parece apanágio dos nossos tribunais, desde a independência nacional que acabaram com as inspeções judiciais e assim a bandalheira foi-se a pouco e pouco instalando até chegar aos níveis atuais em que a preocupação dos tribunais se resume a controlar o cumprimento dos prazos pelos advogados. Quanto a contradizer a sua própria jurisprudência, até que poderia haver nobreza em alguma dessas decisões se tivesse sido para favorecer a sociedade. Infelizmente não é o caso.
- Especificamente que lhe suscita o acórdão do TC sobre o processo do Amadeu Oliveira e que ainda não disse? Como explicar aos alunos de Direito que "costume" passou a ser lei, sem ser lei?
- O acórdão do TC sobre o processo do Amadeu Oliveira é um documento longo e sem seriedade jurídica. Poderia servir de prova a quem quisesse mostrar que, quando devidamente torturadas, as palavras dizem o que a gente quiser que digam. Mas não se pode deixar de dizer que esses senhores do TC, que se tratam a si próprios por “venerandos”, prestaram um péssimo serviço à República afirmando que passa a ser lei um costume abertamente contra a lei. O objetivo deles seria salvar o Parlamento que tinha cometido o erro grosseiro de empurrar um deputado para as garras do Tribunal. Ficaram ambos pessimamente e ambos perderam crédito. De forma que se quiser explicar aos alunos de Direito que “costume” passou a ser lei, tem também que contextualizar e dizer que essa decisão foi apenas para fingir tapar um buraco institucional e não é para ser levada a sério.
- Comunga da ideia de haver um TC amarrado a interesses políticos? O TC é, neste momento, uma instituição credível?
- A decisão de declarar o costume contra lei virado em lei, foi eminentemente política. Visou não deixar em grave embaraço o Parlamento, e para isso os juízes não hesitaram em violar leis e princípios e muito provavelmente as próprias consciências. E isso foi de todo inadmissível. Porque nenhum desses juízes é uma pessoa qualquer. São homens feitos, cultos, esteios desta sociedade onde já desempenharam altos cargos, portanto, deviam funcionar como reservas da República, com deveres para além do que se espera do homem comum. Não tinham, pois, o direito de agir como fizeram, em nome de seja o que for. A confiança de que os cidadãos necessitam para perseguir a vida em sociedade foi severamente posta em causa por esses juízes do TC. Estou convencido que numa altura qualquer da nossa vida em sociedade, vai aparecer um pedido de desculpas da parte do TC, como condição para voltar a ser uma instituição credível.
Os comentários publicados são da inteira responsabilidade do utilizador que os escreve. Para garantir um espaço saudável e transparente, é necessário estar identificado.
O Santiago Magazine é de todos, mas cada um deve assumir a responsabilidade pelo que partilha. Dê a sua opinião, mas dê também a cara.
Inicie sessão ou registe-se para comentar.
Comentários