Com uma crise energética sem solução à vista, o primeiro-ministro continua sem dizer nada ao país, delegando em terceiros o incómodo das justificações, que ninguém leva já a sério, num descaso absoluto que releva a falta de empatia de Ulisses Correia e Silva com os impactos desta crise na vida das empresas e das famílias. Mas, a crise energética releva, ainda, causa mais profunda: a crise de uma governação que já não tem soluções para o país.
A crise energética, com consecutivos “apagões” e prejuízos ainda não contabilizáveis (mas previsíveis), traduz-se já em elevadas perdas para as empresas, nalguns casos impedidas de trabalhar e com dificuldades de pagamento a trabalhadores e a fornecedores, principalmente nas de micro e pequeno porte, mas também para as famílias, com avarias de eletrodomésticos e perda de bens alimentares, parece não despertar qualquer interesse do primeiro-ministro, numa manifestação chocante de (no mínimo) ausência de empatia.
O silêncio de Ulisses Correia e Silva contrasta com as preocupações dos cabo-verdianos, que gostariam de ver um líder à frente dos destinos do país, que tivesse a frontalidade de enfrentar o problema e (também não lhe ficaria mal) pedir desculpa, não se refugiando em terceiros que, ao contrário de explicar alguma coisa, ainda criam mais incertezas e angústia aos cabo-verdianos. A verdade é que não é líder quem quer, é quem pode, e Ulisses não pode de todo.
A desesperança instalou-se na capital de um país de rendimento médio alto (que ironia) e de um Estado que se pretende na vanguarda continental das energias renováveis e das novas tecnologias (que jactância), mas que não consegue garantir o básico para o desenvolvimento económico e bem-estar da sua população.
Sem estratégias e sem visão de país
E não se trata só da energia, mas também da água e dos transportes, setores vitais para que um país siga em frente e se possa desenvolver, onde as opções do Governo se têm revelado aleatórias, expondo a inexistência de estratégias claras e de uma visão desenvolvimentista para o país. E esta ineficácia acaba sempre por corroer um bem maior: os pilares da democracia e do Estado de Direito.
Em matéria de energia, que é o tema central deste editorial, o Governo faz lembrar aquelas pessoas que compram um carro novo e pensam que é só meter combustível, esquecendo-se das revisões. No que respeita à Electra isso é muito evidente.
O Governo de Ulisses recebeu em 2016 uma empresa que, pesem as dificuldades, tinha conseguido resolver muitos dos seus problemas. Num contexto de relativa normalidade, resultante de investimentos e medidas de gestão eficazes, os novos detentores do poder pensaram, como os já referidos compradores de automóveis, que era só ter as máquinas ligadas, injetar combustível… e pronto.
Uma gestão aleatória dos problemas
Esqueceram ser necessário a manutenção, a substituição de peças e maquinaria e, quando os problemas começaram a avolumar-se, resolveram fatiar a Electra para, eventualmente e mais adiante, entregar a privados (de preferência estrangeiros) o setor mais lucrativo da empresa (a distribuição de energia).
Deu tudo errado (como também aconteceu nos transportes), precisamente porque o Governo não tem políticas claras e estratégicas para um setor tão vital como o da energia, que deveria ser entendido como um caso de soberania nacional.
Nenhuma medida estrutural foi tomada, optando-se pela gestão do dia a dia, ao acaso e ao sabor da corrente, e nem percebeu que o desastre da energia em Cabo Verde inviabiliza a menina dos olhos do Governo, as tecnologias da informação, a Internet, e que não basta ter um pomposo Techpark quando não há energia.
Incompreensivelmente, com uma crise energética sem solução à vista, o primeiro-ministro continua sem dizer nada ao país, delegando em terceiros o incómodo das justificações, que ninguém leva já a sério. Trata-se de um descaso absoluto que releva a falta de empatia de Ulisses Correia e Silva com os impactos desta crise na vida das empresas e das famílias. Mas, a crise energética releva, ainda, causa mais profunda: a crise de uma governação que já não tem soluções para o país.
A porta de saída de 2026 parece estar cada vez mais aberta e a caminho de ficar escancarada. E não é por culpa das oposições, é por inércia, descaso e falta de visão de um Governo em fim de ciclo.
A Direção,
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