Reportagem. A vida de Luche: perdeu um braço, mas não baixou o outro
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Reportagem. A vida de Luche: perdeu um braço, mas não baixou o outro

Ele podia ser um dos muitos mendigos que pede dinheiro em qualquer esquina, ou um pensionista por invalidez. Mesmo sem um braço, José Maria da luz Rocha Semedo, Luche ou Mano para os amigos, recusou esse destino e lutou só com um braço para criar os filhos e orgulha-se de formar quadros deste país.

Santiago Magazine foi à localidade de São Jorge, concelho de São Lourenço dos Órgãos, interior de Santiago, conhecer a história deste senhor que hoje considera ser um vencedor na vida.

E tudo porque cedo, aos 24 anos, José Maria perdeu o braço direito, numa fornalha na zona onde mora. Era fabricante de aguardente, o único ofício que tinha na época, para além de ajudar o pai no fabrico de frigideiras e panelas de lata e de trabalhar na agricultura para sustentar a família. Muitos anos volvidos, ainda guarda na memória o terrível e inesquecível momento da sua vida que deixou marca no seu corpo que nem o tempo consegue apagar.

“Tudo aconteceu numa tarde, em que resolvi aceitar o convite de um amigo, para dar um passeio, mas pelo caminho lembrei-me que podia levar a chave da fornalha e aproveitar para dar uma vista de olhos nos trabalhos. Quando lá chegamos encontramos vários colegas no local e alguém resolveu «pilar cana» ao qual resolvi ajudar. Na primeira volta de cana, uma corrente impediu a passagem do boi, pelo que era preciso parar o animal que se encontrava a meu lado. A minha mão estava pousada em cima do «careto» do trapiche que por azar não tinha guarda-mão. De repente, me distraí observando o animal – pois tinha medo que este me atacasse –, e nesse preciso momento vi a minha mão sendo levada pelo careto. Puxei, gritei, fiz várias tentativas, mas não havia jeito, ninguém pôde fazer nada. Foi fatal…”, conta.

Na altura, Luche já era pai de uma menina, e vivia com a sua esposa na casa construída por ele mesmo ainda jovem, aos 19 anos. Sem um braço, entra em desespero e vê o seu mundo acabar. Deprimido e cheio de angústia, pede então à mulher que o abandone, pois já não era aquele homem que ela conhecera e que o amava tanto. “Ela achou a ideia absurda e é evidente que não quis aceitar”. O amor com o seu forte poder sempre fala mais alto.

“A minha esposa deu-me uma prova de grande amor que sentia por mim, se calhar o seu amor era maior que o meu por ela”, admite.

Entretanto, com o passar do tempo, este desespero foi dando espaço a um desejo enorme de enfrentar a vida com garra e muita determinação e sobretudo muita vontade de ir a luta para vencer. Esta mudança de pensamento foi graças à força da sua esposa, amigos e familiares.

Mas, a maior força mesmo, recebeu precisamente de um senhor, chamado Iane, residia na zona de Godim, concelho de São Domingos, interior de Santiago, que também tinha perdido um braço e que lhe encorajou, mostrando-lhe que nem tudo estava perdido, que ainda ele é um homem útil. Foi dando-lhe exemplo de alguns trabalhos que podia fazer, como pegar numa enxada e lavrar o terreno, tarefas que ele fazia, mesmo sem um braço.

“Os conselhos deste senhor deu-me ainda mais vontade de enfrentar a vida. Na minha mente veio a pergunta que precisava de resposta. «Será que consegues pegar numa enxada e cavar o chão»?”

A vida começava a tomar um outro rumo. Seguindo o conselho do amigo Iane, teve a ideia de voltar à fornalha para fazer aguardente e teve sucesso. E lembra-se claramente que quando regressou à formalha não teve receio de começar tudo de novo, no mesmo sítio.

Depois, começou a pegar na enxada para fazer aquilo que sempre fez nos tempos em que tinha os seus dois braços, isto é lavrar o campo. A partir dai, as coisas começaram a mudar na sua vida, já quer fazer outros tipos de trabalho, e foi ai que resolveu experimentar a pintura, começou a pintar casas e cada dia que passava alguém solicitava- lhe este tipo de serviço é hoje e um pintor bem-sucedido, já pintou grandes instituições em Órgãos como Centro de saúde, Escola Secundária, Mercado Municipal e Casa para todos para além de trabalhar de guarda noturno.

Hoje leva uma vida normal, e é pai de 8 filhos, 3 rapazes, e 5 meninas, e por sorte, 3 já terminaram o curso superior, fato que faz dele um homem orgulhoso, pois mesmo sem um braço não abaixou o outro e conseguiu colocar os filhos na escola com o dinheiro do seu trabalho.

O desporto é uma das coisas que gosta de fazer. Todos os dias faz a sua corrida matinal e inclusive já participou de algumas competições nacionais como a Corrida da Liberdade competições paraolímpicos e conseguiu ficar nas primeiras posições. Tem com ele algumas medalhas, que fez questão de nos mostrar, com orgulho e muita satisfação.

José Maria acreditou e ainda acredita na sua pessoa e disse a ele próprio que é capaz de se superar e superou mesmo e aproveita para deixar uma mensagem. «Nunca se deve desistir pois há sempre uma forma de se superar quando há força de vontade».

Hoje, José Maria ou Luche faz vários tipos de trabalho por contra própria. Pinta, faz de pedreiro, lavoura… enfim, virou um homem dos sete ofícios. Um vencedor, que recusou sentar-se numa esquipa para pedir esmola e sim lutar, trabalhar para dar de comer à família.

Tem 59 anos de idade e ainda sai para a jornada diariamente. Regressa estafado, mas com o dever cumprido de já ter criado os filhos, aos quais proporcionou educação e são hoje homens formados e trabalhadores. Orgulha-se disso. E tem razão de sobra para estar feliz com a sua vida. Porque, na prática, Luche é um vencedor como tantos heróis anónimos que enchem este país.

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