Aquilo que nos devia unir não nos une com a força necessária capaz de dar solidez a essa união. Refiro-me, concretamente, às duas datas maiores da nossa história recente, o 5 de Julho (dia da independência nacional) e o 13 de Janeiro (dia da liberdade), ou melhor, à forma como são apropriadas pelo PAICV e pelo MPD, um chamando para si a paternidade do 5 de Julho e outro a do 13 de Janeiro, respectivamente.
Não estão aqui em causa os factos nem os protagonistas, até porque “factos são factos”; o que muda é a forma como nós os apreendemos, construímo-los discursivamente e procuramos passar a nossa narrativa. O que está aqui em discussão é o pressuposto, ou melhor, a perspectiva da história que está na base da narrativa que esses partidos construíram e procuram perpetuar à volta dessas datas. Trata-se, em parte, de uma perspectiva já hoje ultrapassada: a história é a dos grandes heróis ou dos grandes feitos, ou, se se quiser, a história é, como diria o historiador inglês Thompson, “ a história dos vencedores”. Ficam sempre por contar as outras histórias ou narrativas: a dos não heróis, dos “derrotados”, e de outros feitos.
A forma como essas datas são apropriadas pelo PAICV e pelo MPD legitima a narrativa desses partidos, deslegitimando outras, estabelecendo também quem pode e deve contar o quê; no limite, quem, legitimamente, pode ou não festejar o quê. No fundo, essa perspectiva não permite uma apreensão inclusiva e global da história, o que numa sociedade como a nossa, marcada por um sufocante bipartidarismo, não tem permitido a necessária convergência em torno dessas datas ou a emergência (de forma visível) de outras narrativas sobre elas.
Entretanto, nota-se da parte do PAICV, particularmente nos últimos anos, uma maior aproximação ao 13 de Janeiro, tendo passado a comemorar esta data e procurando dar visibilidade nos media às suas actividades neste sentido. Genuína ou não, pode tratar-se de uma estratégia (?) que pode vir a “desmistificar” a narrativa prevalecente ou dar visibilidade a uma outra narrativa sobre o 13 de Janeiro.
Alheia a esta situação de apropriação dessas duas datas pelos partidos políticos já referidos está a geração swag ou play, nascida nos anos noventa, com uma ligação um tanto quanto ténue em relação a esses marcos, o que parece não preocupar nem perturbar ninguém.
Finalmente, uma questão que é importante colocarmos sobre a mesa: porquê essa “mania” cabo-verdiana de reconhecer ou assumir a paternidade, silenciando ou diluindo a maternidade?
Paulo Ferreira Veríssimo
Sociólogo
(publicado pela vez primeira em 2016, no então jornal A VOZ)
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