“Não será possível a criação de uma "nova economia” com as formas antigas de estar e de pensar”
Entrevista

“Não será possível a criação de uma "nova economia” com as formas antigas de estar e de pensar”

Pedro Lopes*, secretário de Estado da Inovação e Formação Profissional, aceitou falar com Santiago Magazine sobre o CV Next, uma espécie de feira da ciência, tecnologia e inovação, a decorrer nos dias 16, 20 e 21 de Abril, na Cidade Velha, onde aborda questões sensíveis sobre a governação eletrónica, os desafios da era digital para o nosso país, defendendo que “não será possível a criação de uma “nova economia” com as formas antigas de estar e de pensar”.

Santiago Magazine - O Governo está a promover o CV Next com o objectivo de criar uma plataforma digital de conexão única e com capacidade intelectual e criativa. Podia explicar para os leitores o que é que isso significa?

Pedro Lopes - Esta iniciativa do Governo de Cabo Verde em parceria com empresas nacionais inovadoras e lideradas pela nossa juventude tem três objetivos principais: i. dar visibilidade e celebrar o que melhor se faz em Cabo Verde e o que de melhor se faz lá fora por Cabo-Verdianos na área da Inovação; ii. trazer para a discussão estas temáticas, com especialistas nacionais e estrangeiros para juntos podermos trocar ideias, motivar jovens a empreender e a inovar e a criar um Cabo Verde de futuro, um Cabo Verde 2.0; iii. colocar os decisores políticos, empresas, universidades e os jovens a caminhar na mesma direção, com um espírito ousado nas suas iniciativas, sem medo de errar e dar um contributo para um Cabo Verde de futuro, inovador, onde os jovens têm voz pela força dos projetos que desenvolvem e pelas ideias que concretizam

Fala-se da presença de várias individualidades estrangeiras no evento. Quem são essas individualidades?

Teremos individualidades estrangeiras muito interessantes e algumas delas com ligação ao nosso país como é o caso de cabo-verdianos que vivem lá fora como o John Vicente que é um engenheiro consagrado e que exerce funções executivas na Intel Corporation e Sidi Gomes da Cambridge Innovation Center. Teremos também o Travis Sheridan que é o Presidente da Venture Café Global Institute, Diogo Teixeira Co-fundador da Beta-I o Tim Rowe, CEO da Cambridge Innovation Center.

Como e porque é que foram convidadas essas individualidades e não outras?

Estas individualidades foram convidadas pela sua ligação a Cabo Verde e/ou pela a importância que tem no ecossistema mundial da inovação. A Intel é como todos sabem uma das maiores empresas do mundo, a Beta-i é uma referência europeia na área das start-ups, a Venture Café Global Institute é especialista em conectar inovadores e a Cambridge Innovation Center é uma das maiores comunidades de empreendedores no mundo.

Na sua perspetiva, o que é que vai mudar depois do evento deste sábado?

Queremos que este evento seja mais do que apenas soundbyte e mais do que um evento. Queremos que o CV Next seja um contributo enquanto iniciativa para darmos passos no nosso objetivo de tirar partido da centralidade de Cabo Verde no Atlântico para a criação de um centro tecnológico e de prestação de serviços regional em África. O que queremos é estar abertos ao mundo, aproveitando o facto de sermos um país seguro, de baixos riscos políticos, sociais e sanitários, para funcionar como plataforma digital e de inovação e queremos que esta estratégia seja apoiada em uma economia do conhecimento, com competitividade fiscal, previsível, de baixo risco e geradora de rendimentos e de empregos de qualidade e de prosperidade. Vamos entrar numa nova etapa onde os diferentes atores económicos devem convergir em objetivos concretos e na abertura das portas a novos perfis de empreendedores. Não será possível a criação de uma “nova economia” com as formas antigas de estar e de pensar, temos de pensar e agir de forma diferente para construirmos um Cabo Verde 2.0.

Queremos explorar convenientemente a nossa centralidade atlântica, o nosso potencial, enquanto país africano tradicionalmente fazedor de pontes com o mundo, a nossa diáspora nas Américas, na Europa e em África e o CV Next quer dar o contributo para que isso aconteça.

O Governo tem também o desejo de aproveitar melhor as elites cabo-verdianas da Diáspora pela sua alta quali­ficação profissional nas diversas áreas, queremos criar todas as condições para que os quadros cabo-verdianos de elite na Diáspora participem em fóruns onde possam interagir com a juventude que vive em Cabo Verde, partilhando com eles o seu networking, experiência e conhecimento e aí pensamos que o CV Next pode ser o catalisador para que isso aconteça.

A governação eletrónica é uma aposta ganha. Cabo Verde tem dado passos gigantescos neste domínio. Que avaliação faz do nosso percurso até aqui?

Cabo Verde é o 10º país africano no ranking de conectividade global publicado em 2016 pelo Fórum Económico Mundial e estamos bem posicionados na governação eletrónica onde temos dado passos firmes com o intuito de poder tornar o serviço prestado pelo Estado aos seus cidadãos mais célere e mais eficaz. Cabo Verde apostou na Governação Eletrónica Integrada para modernizar a sua Administração Pública, tornando-a mais eficiente, veloz, transparente e próxima dos cidadãos e isso trouxe resultados bastante positivos. Mas não podemos ficar parados, porque neste momento todos os dias são apresentadas novas soluções e novos paradigmas e nós temos e queremos acompanhar as melhores práticas e estar preparados para as implementar no nosso país.

Quais os grandes desafios que o futuro nos reserva?

Existe hoje uma atenção reforçada para a inovação e para o desejo de “antecipar” o futuro, pelo aquilo que representa para a economia de países desenvolvidos e pelo seu contributo para os seus cidadãos na criação de riqueza, mas também na qualidade e utilidade de serviços. Os países menos desenvolvidos querem que isso possa também vir a acontecer nos seus territórios e estão dispostos a emular as melhores práticas e adaptá-las à sua realidade.   Hoje é bastante claro que tentar travar a digitalização, a inovação e a automação é o mesmo que parar a rebentação de uma onda com as mãos.

Esta nova era vai mudar a nossa relação com o trabalho e a partilha de rendimento e o dia a dia dos cidadãos, das empresas e dos Estados, mas se esta verdade é quase absoluta, também é verdade que temos de preparar a nossa prancha de surf, e esta prepara-se com a noção que temos de assegurar o alinhamento da estratégia, da liderança, da cultura e do talento para garantirmos uma congruência digital.

Temos aqui, portanto um papel importante dos atores políticos na definição de estratégias para a inovação, com a necessidade de ter uma visão convergente a longo prazo, não deixando esta área refém de resultados eleitorais. Outro fator determinante para os Governos é e será cada vez mais a vontade política de regulamentar ou desregulamentar com interesses de atrair negócios inovadores para os seus países, sendo hoje a flexibilidade na legislação um dos principais fatores a atrair empresas tecnológicas para países em desenvolvimento. Os Governos que não estejam preparados para dar uma atenção reforçada à inovação, vão deixar os seus países ficar para trás, a inovação é uma excelente oportunidade para encurtar distâncias de desenvolvimento, muitos dos Estados desenvolvidos de hoje serão ultrapassados por aqueles que apesar de estarem em desenvolvimento tem uma estratégia definida e um plano de ação concreto para a inovação e o nosso país quer estar neste último grupo

Estamos a falar de um sector que exige investimentos avultados, tanto em equipamentos, como em recursos humanos e financeiros. Que investimentos o nosso país projecta fazer para continuar a marcha da competitiva do mundo moderno, pelo menos para se manter engajado no processo?

Queremos apostar na nossa juventude: reforçar as competências não formais dos nossos jovens, apostar no ensino de línguas estrangeiras, nomeadamente o inglês, porque é a língua deste mundo globalizado e digital; apostar no reforço do ensino tecnológico, numa lógica da imple­mentação de um serviço educativo integrado no conceito da economia do conhecimento. A visão e as orientações políticas do Governo são as de criar condições para uma Juventude preparada para estar no mundo, como cidadãos autênticos, de plenos direitos e portadores de valores. A nossa responsabilidade enquanto Governo e é o que estamos a fazer: preparar os nossos jovens e fazer a ponte com as necessidades do mercado para que a juventude possa criar negócios inovadores ou acrescentar engenho e eficácia à empresa ou instituição que representam.

Destaco igualmente 3 projetos numa timeline de impacto a curto, médio e longo prazo.

Curto Prazo: CV Next: Com o intuito de dar visibilidade a iniciativas inovadoras, trazer para a discussão a temática da inovação e ligar empreendedores/universidades/governo/empresas/sociedade civil para uma verdadeira convergência digital.

Médio prazo: Projeto Parque Tecnológico: que pretende criar um ecossistema que fomente e promova a inovação e o empreendedorismo de base tecnológica através de centros tecnológicos e de empresas, incubadoras e centros de formação, qualificação e certificação. Estamos a construir um em Santiago e iremos construir também um parque tecnológico em São Vicente.

Longo prazo: Projeto WEBLab: Este projeto único está a instalar em 40 escolas secundárias de todo o país, laboratórios implementados em contentores apetrechados com equipamentos adequados para suportar formações em diversas áreas das novas tecnologias de informação e comunicação. Contudo, além de ensinar a utilizar a tecnologia, pretende-se ensinar como se constrói a tecnologia, ou seja, capacitar jovens na construção e desenvolvimento das TICs, qualificando-os assim a saber utilizar, mas também a saber construir e a fazer, a saber sonhar, mas acima de tudo a construir os seus sonhos.

O país tem assistido a vários investimentos privados no sector, e estes são parceiros naturais do Governo no processo de desenvolvimento. Existe algum incentivo ao investimento privado nestes sectores. Se sim, quais?

Para o desenvolvimento sustentável da Economia Digital, é preponderante que um dos principais motores da economia esteja ativo, ou seja o Setor Privado. Queremos criar condições para que iniciativas de inovação disruptiva triunfem e que os nossos jovens possam ser peças importantes em puzzles dinâmicos das pequenas, médias e grandes empresas que estejam a desenvolver projetos inovadores.

Em concreto, temos o Programa “Start up Jovem” da Pró-Empresa (Instituto de Apoio à Promoção Empresarial) destinado a jovens entre os 18 e os 35 anos que queiram desenvolver um projeto promissor e que necessitem de financiamento entre os 5 mil a 50 mil euros a condições muito favoráveis e com apoio técnico de um conjunto integrado de serviços visando a consolidação do projeto empresarial e a preparação objetiva da empresa para se afirmar no mercado.

Estamos também a trabalhar para definir incentivos fiscais na importação de equipamentos tecnológicos e no estímulo à inovação e investigação empresarial em áreas de competitividade internacional visando uma economia digital inserida em um ambiente de negócios favorável, que seja claro e transparente e onde as empresas e investidores externos possam ter todas as condições para ter retorno nos seus investimentos.

Cabo Verde é um país arquipelágico, vítima de profundas assimetrias regionais e com um índice de pobreza elevado. Uma camada significativa da população ainda não tem acesso à internet. Existe algum programa específico para resolver este problema? Se sim, qual?

De facto, pelas condições morfológicas (ilhas, acidentalidade do terreno e zonas populacionais remotas), é um desafio levar a Internet a toda a população. No entanto, como indicador da ITU, Cabo Verde tem mais de 70% da população que tem acesso e usa banda larga móvel. O que demonstra que pelo contrário, parte significativa da população tem acesso e usa a Internet, o que são indicadores positivos. Outra das importantes valências que temos é ter hoje cada uma das ilhas completamente coberta de fibra ótica e a maior parte das ilhas do arquipélago interligada por cabo submarino de fibra ótica desenvolvido em anel fechado, inserida numa rede moderna de telecomunicações, com capacidade e fiabilidade nas suas várias vertentes, designadamente de transmissão de som, de imagem e de dados, este é um enorme avanço relativamente à realidade de países continentais avançados e de imensos recursos. No entanto, queremos chegar ainda mais longe, neste momento o Governo está a preparar a lançamento das licenças para o 4G para melhorar o acesso à internet e estamos a trabalhar para diminuir as assimetrias, financiando o acesso às populações com menos possibilidades e a levar a Internet a zonas remotas. Como exemplo concreto temos o programa tecnológico em implementação, um programa piloto de inovação SV4D (Aldeias Sustentáveis para o Desenvolvimento) no âmbito da CPLP que visa levar Internet a uma população na zona de Salineiro, com apoio do NOSi e da Câmara Municipal local.

*É licenciado em Relações Internacionais, Mestrado em Resolução de Conflitos (Universidade de Bradford, Reino Unido) e Pós-Graduado em Comunicação Estratégica de Marketing (Uni.Coimbra). Começou a sua carreira na Embaixada de Cabo Verde em Lisboa, exerceu as funções de Gestor de Negócios Internacionais e de clientes no Grupo Catarino e trabalhou Câmara Municipal de Trieste (Itália) como promotor de mobilidade juvenil em um programa da União Europeia. Em Cabo Verde, Pedro fez parte da equipa que organizou o bem-sucedido "Africa Innovation Summit - AIS" como Diretor da "African Innovation Exhibit " e como Director-adjunto desta Cimeira. Foi também consultor de comunicações e Vice-Presidente executivo da Wansati e exerceu o cargo de “Communications Associate” nas Nações Unidas. É o fundador da Geração B-Bright, um projeto de empoderamento da juventude e é também o detentor da licença e organizador do primeiro TEDx de Cabo Verde.

Pedro fez parte da elite de jovens que participaram no Programa Mandela Washington Fellowship for Young African Leaders criado pelo Presidente Barack Obama e foi recentemente selecionado entre os 100 jovens africanos mais influentes do mundo abaixo dos 40 anos pelo Most Influential People of African Descent (MIPAD) no âmbito Década Internacional dos Afrodescendentes proclamada pelas Nações Unidas.

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