Entrevista exclusiva com Mário de Carvalho, o cabo-verdiano conhecido como “Obama da Amadora”, quer ser autarca em Portugal e dar voz à diversidade nas terras de Camões.
Santiago Magazine – Vive num país estrangeiro. É tratado por “Obama da Amadora”. Como é que surgiu esta alcunha? E até que ponto ela ajuda ou prejudica a tua candidatura à Câmara Municipal de Amadora?
Mário Carvalho – Alcunha «Obama Português» surgiu pela primeira vez com a candidatura do amigo Francisco Pereira à Câmara Municipal da Amadora com o MICA – Movimento de Intervenção e Cidadania pela Amadora, em 2009. Fazia todo o sentido essa comparação na altura visto que o Barack Obama era «poder» e Presidente dos Estados Unidos de América desde Novembro de 2008.
O Partido «NÓS, Cidadãos!» veio adaptar alcunha «Obama da Amadora» com a esperança que é possível nessa perspectiva fazer história na Amadora. Aceito a comparação com toda a naturalidade, mas consciente que são realidades distintas. De certa forma nesse momento o amigo Francisco Pereira «Obama Português» comparativamente com o Barack Obama, ele é mais útil para a minha Candidatura, visto que falamos com alguma frequência ao telefone e conto, a qualquer momento, com o seu apoio.
É um cabo-verdiano da ilha de Santiago. Quais são os seus trunfos nesta “batalha” política?
Nasci na ilha de Santiago, mais propriamente na cidade da Praia. Sendo o meu pai, Mário de Carvalho, enfermeiro na altura, era transferido regularmente para as diversas ilhas de Cabo Verde. E nós, enquanto família o acompanhávamos nessas viagens e desde tenra idade o meu pai incutiu-me a noção de responsabilidade e espírito de missão. Esses princípios têm-me acompanhado ao longo da vida.
Como surgiu este projecto? E quais são as suas ambições e perspectivas com esta candidatura?
Esta candidatura é de cidadãos que amam a Amadora. Representa o espírito crítico inconformado de quem aposta na mudança. O seu principal objectivo político é fazer da intervenção activa dos Amadorenses a base fundamental da vida do município. Uma política de proximidade assente no combate à burocracia e na informação sistemática e aberta sobre todos os assuntos da Câmara é o nosso compromisso. Defender os princípios de gestão pública do município, evitando com isso a perversidade da corrupção e dos negócios ilícitos, é outro dos nossos mais firmes propósitos.
Vamos trazer para o debate temas actuais e que espelham de certa forma a realidade do Concelho da Amadora, mas sempre numa perspectiva positiva, de inclusão.
As campanhas políticas requerem recursos financeiros, humanos e materiais. Conta com que apoios e com que recursos para esta corrida?
Sim, estou de acordo que as campanhas políticas dos grandes partidos políticos do arco da governação requerem recursos financeiros, humanos e materiais. Iremos fazer uma campanha à nossa dimensão, com o apoio logístico do partido «Nós, Cidadãos!». Estamos a equacionar o recurso à plataforma crowdfunding. Vamos fazer uma campanha com alguma imaginação, passar as nossas mensagens, mas sempre com a dignidade que se impõe.
Como surgiu o grupo “Nós, Cidadãos!” e quem são os seus elementos mais importantes?
Sou candidato independente, com o apoio de “Nós Cidadãos!” que é «...um partido político empenhado na construção de um Portugal mais democrático, mais ousado, mais verdadeiro, mais justo, mais solidário, mais equitativo, mais sustentável, mais europeu, mais atlântico, mais lusófono e cuja ação está enquadrada pela declaração de princípios, pelo programa e pelas moções aprovadas no congresso», segundo o artigo primeiro do seu estatuto. O presidente é o Professor Mendo Castro Henriques.
O município de Amadora acolhe cidadãos de 55 nacionalidades. Que mensagem, que discurso, que propostas levará aos cidadãos da Amadora e, em particular, aos imigrantes e aos cabo-verdianos, para que estes se sintam representados por si?
O petróleo da Amadora são as pessoas, com a particularidade de residirem no concelho 55 nacionalidades, gentes de várias latitudes que adoptaram esta cidade como sua, na qual também faço parte. É uma cidade cosmopolita que precisa potenciar essa vertente como sendo uma mais-valia, que não é preciso importar. Fazer da Amadora um pólo multi-cultural da lusofonia é um dos nossos principais objectivos visto que temos todos os recursos para esse efeito. Quando cheguei à Amadora na qualidade de imigrante, tive que superar todas as barreiras e dificuldades que qualquer imigrante enfrenta e vive no seu quotidiano, portanto nessa perspectiva sou o candidato ideal para fazer essa ponte de integração das várias comunidades residentes no Concelho. Mas, acima de tudo, a minha candidatura é com amor à Amadora e dessa forma retribuir tudo o que Portugal me tem dado até agora.
A nossa proposta comporta dez eixos de actuação a saber: a responsabilidade do Município no combate à crise social e económica; apostar no Emprego; promover a requalificação urbana e ambiental; políticas activas de inclusão e protecção social por uma cidade mais justa e humanizada; melhor integração mais segurança; melhorar as acessibilidades e a mobilidade dos cidadãos; implementar um projecto cultural e desportivo para qualificar a vida da Cidade; investir na Educação e contribuir para a melhoria da qualidade do ensino e da formação; mais equipamentos e serviços públicos de qualidade; e promover a participação no governo da cidade.
Diz que tem um “projeto de cidadania”. O que isto significa ao certo, sobretudo para um estrangeiro?
Temos a noção que existe uma separação latente entre a participação cívica e política do “Nós, Cidadãos!” em parte face a forma como os dirigentes “tradicionais” dos partidos fazem a política. Quando digo que é um “projecto da cidadania” é no sentido do meu conhecimento ao longo do meu percurso enquanto dirigente no movimento associativo não sendo muitas vezes um produto “plastificado” das jotas partidárias.
Santiago Magazine sabe que o Mário está envolvido com o associativismo e promoção do desenvolvimento comunitário. Como é a participação dos imigrantes com estas pautas? É recorrente afirmar-se que os emigrantes não participam da “vida pública e política” dos países de acolhimento. É verdade?
O meu percurso no Movimento Associativo começou nos finais dos anos 80 no Grupo Cultural Inter Vila, ainda hoje uma das referências no panorama associativo em Cabo Verde. Mais tarde, enquanto estudante, fui vice-presidente da Associação Académica da Universidade Lusófona, Vice-Presidente da Associação NEAL –Associação dos Estudantes africanos da ULHT, Presidente da UECL – União dos Estudantes Cabo-verdianos em Portugal e Co-fundador da AJIC – Associação dos Jovens Investigadores Cabo-Verdianos, sou Membro do Congresso de Quadros e actualmente Presidente da Associação Caboverdeana de Lisboa, desde 2012 e Administrador da Cooperativa MovinGdiáspora com a sede na Amadora - Reboleira. Por motivos éticos já suspendi o meu mandato, tanto na ACV como na MovingDiáspora, e dessa forma estar disponível para esse novo desafio.
Ao contrário do que se diz os imigrantes estão disponíveis para participarem, vê-se essa participação em muitos sectores e com algum sucesso na vida cultural, desportivo, associativo e no empreendedorismo. Muitas vezes há um discurso “quase” oficial que os imigrantes não participam na vida política para legitimar certas tomadas de decisão, ou seja: “... não fazem parte porque não participam”. Podemos também de certa forma inverter essa questão: “...não participam porque não fazem parte”. Penso que o mais importante é transmitir uma mensagem adequada aos vários segmentos das comunidades e adaptar as propostas à realidade das suas vivências. No limite uma discriminação positiva.
Há poucos dias, um grupo de polícias foi acusado de discriminação racial contra os moradores do bairro Cova da Moura, que é o coração da comunidade emigrada na Amadora. Como analisa este fenómeno?
Temos que assegurar que situações destas não voltem a acontecer.
É a primeira vez que a justiça dá mostras que a questão – da discriminação racial – é real e precisa ser combatida. Qual será a sua pauta para este fenómeno?
Em primeiro lugar, embora eu tenha uma opinião pessoal, considero que não é a minha opinião que seja o aspecto mais importante desta questão. Na minha opinião pessoal, devemos olhar para a questão do racismo considerando três aspectos essenciais: Não existem sociedades racistas. Existem pessoas que em determinadas sociedades são racistas. Racismo aqui entendido como uma forma de classificar pessoas com base na ideia de que há raças inferiores e raças superiores. Se há pessoas racistas, então há práticas racistas. São as práticas racistas que devem ser combatidas e de duas formas: primeiro, através da educação. Isto porque ninguém nasce racista. As pessoas tornam-se racistas com base na educação que recebem. Educação aqui entendida numa dimensão abrangente: as informações e ensinamentos que são recebidos tanto no sistema formal, como em casa, nas ruas, com os amigos e colegas etc. e que acabam por, juntos, construir uma ideia da relação entre pessoas no mundo.
Segundo por meio da punição. Devem ser criados os mecanismos adequados para quem se sentir discriminado com base em situações de racismo possa denunciar e a situação ser alvo de análise objectiva pelas instituições de justiça competentes e, caso seja decidido, sejam aplicadas as medidas cabíveis na lei.
É preciso colocar o enfoque no futuro. Temos de investir na educação, sensibilização e informação de modo a construirmos uma sociedade cada vez mais bem formada e informada e, consequentemente, cada vez mais blindada ao racismo. Sem negar o passado, nem negar a existência de práticas racistas. Não vale a pena seguir o caminho da polémica que acaba sempre por deturpar as ideias e inviabilizar o debate.
Temos de criar iniciativas concretas que ilustram o quão nula é a ideia de racismo: projectos educativos, campanhas públicas, palestras nas escolas secundárias, análise dos currículos escolares, programas televisivos, etc.
Da emigração são poucas as histórias de superação, de sucesso e de ousadia que nos chegam à terra mãe. Como conseguiu superar as barreiras – materiais, simbólicas e institucionais – neste contexto de migração e sair-se vitorioso?
Penso que é com alguma determinação, com persistência, mas acima de tudo, com muita humildade, tentando superar diariamente.
A democracia já tem algumas décadas de vida em Portugal. Como avalia o funcionamento das instituições democráticas neste país da União Europeia?
Vou citar Winston Churchill “A democracia é a pior forma de governo imaginável, à excepção de todas as outras que foram experimentadas”. O que quero dizer com isso é que temos que estar vigilantes, mas acima de tudo participativos. Muitas das vezes é preciso sair da nossa zona de conforto e participar. Só conta quem participa! E, para reivindicar os nossos direitos é necessário que cumpramos com os nossos deveres e as nossas obrigações, entre as quais o da participação cívica.
O funcionamento do poder local em Portugal corresponde com os desafios deste país?
Sem margem para dúvida! No entanto é importante acompanhar os anseios dos munícipes e estar actualizado na perspectiva de acompanhar em permanente as várias realidades e sensibilidades “no terreno”, daí a tal proximidade. É preciso mudar o “chip” dos autarcas que tomam decisões a partir do gabinete muitas vezes sem a menor noção da realidade, o que faz com que alguma das vezes fique a sensação de um sentimento de injustiça.
Se ganhar as eleições o que é que irá mudar no concelho de Amadora?
Com certeza mudaria o modelo de representação dos munícipes na vida da autarquia, mas acima de tudo aproximar a Câmara Municipal aos Cidadãos dando uma outra dimensão aos projectos de gestão participativa. Todas as decisões a serem tomadas levaríamos em conta e, em primeiro plano, a dimensão social, sempre numa base de compromissos.
Amadora é dos concelhos mais cosmopolitas da chamada Região da Grande Lisboa. A sua lista espelha esta diversidade de origens?
Hoje, vamos fazer a apresentação pública da candidatura a partir das 18:00 até às 20:00h, no auditório principal da Câmara Municipal da Amadora. Ainda não fechamos as listas, iremos debruçar sobre essa matéria no decorrer da próxima semana. Com toda a certeza vamos levar em conta essa realidade no sentido de todos sentirem-se representados na esfera da tomada das decisões.
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