Honra! Que honra?.
Editorial

Honra! Que honra?.

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Nos últimos tempos tem-se falado muito de honra neste país. Honra! Que honra?...

O Departamento do Estado Norte-americano divulga um relatório onde aborda questões sensíveis sobre eventuais violações dos direitos humanos e liberdade de imprensa no nosso país, e logo, aparece alguém a reivindicar a honra do governo e do ministro que tutela a comunicação social.

O próprio ministro manda emitir uma nota de imprensa para desmentir, com mandado de retificação, não se sabe se o relatório do Departamento do Estado Norte-americano, ou se os órgãos de comunicação social que divulgaram a notícia, ou se os cabo-verdianos que leram, viram ou ouviram as notícias e perceberam até onde a realidade termina e começa a fantasia sobre um assunto que já assume contornos anedóticos, numa sociedade que se arroga de ser o exemplo da democracia em África, entre outros mimos de ocasião.

Abraão Vicente, muito preocupado com a sua honra, acabou desonrando todos os jornalistas, o sistema de ensino, e o próprio governo a que pertence, quando sugere que os profissionais da comunicação social não entendem o inglês e que o sistema precisa dispensar mais atenção ao ensino da “língua do mundo”, passando um atestado de incapacidade a toda a nação, “sem djobe pa ladu”.

O primeiro ministro, também muito preocupado com a sua honra, veio a público vender aos cabo-verdianos a árvore pela floresta, extraindo do relatório a parte que lhe interessa, desonrando a diplomacia cabo-verdiana, os profissionais da comunicação social e o povo que prometeu amar, proteger e honrar! Prometeu, inclusive, contratar professores de inglês, competentes, para traduzir o referido documento!

A ordem está dada – a ninguém é autorizado interpretar qualquer documento de forma que ponha em causa a credibilidade do governo e dos políticos que o sustenta.

Os jornalistas, sobretudo os que trabalham nos órgãos públicos, devem pôr-se a pau, porque o ministro Abraão Vicente já lançou o decreto – regressar aos bancos da escola para irem estudar um novo jornalismo, aquele jornalismo que agrade à maioria e ao ministro da comunicação social deste governo.

Irracional? Pode até ser! Porém, propositado! Porque enquadrado num programa de estupidificação e embrutecimento da nação cabo-verdiana, com a imposição da lei do silêncio e a promoção de um ambiente onde os fins justificam os meios.

A posição do governo, do primeiro ministro e do ministro que tutela a comunicação social em relação ao conteúdo do referido relatório é, na forma e no conteúdo, de uma deselegância tremenda, não só para com os EUA, como também, e sobretudo, para com a classe jornalística e os cabo-verdianos em geral.

É uma atitude que desonra a diplomacia e as relações de Cabo Verde com os EUA, desonra a classe jornalística e desonra os cabo-verdianos, sobretudo quando tenta, a todo o custo, fazer-nos de estúpidos, quase obrigando-nos a aceitar a árvore, quando, na verdade, estamos perante uma floresta.

E isto é grave. Pela intolerância que no seu bojo transporta, e pelo perigo que representa para o equilíbrio social do país.

Há dias, um comandante da Polícia Nacional foi demitido das suas funções, e processado disciplinarmente, por ter, alegadamente, violado os princípios da ética e deontologia no exercício das suas funções públicas.

Até aqui, tudo bem! Se pisou na bola, deve ser responsabilizado nos termos da lei e dos regulamentos. Bonito!

A postura do governo em relação a este policial, foi assumida poucos dias antes de o Ministério Público ter mandado arquivar o processo sobre a alegada protecção da Tecnicil nas medidas protecionistas sobre a importação de lacticínios e sumos de frutas, tomadas em sede do orçamento do Estado, envolvendo o vice-primeiro ministro e ministro das Finanças, Olavo Correia, onde esta entidade do poder judiciário, que é o garante da legalidade em Cabo Verde, terá alertado para eventuais violações éticas e deontológicas por parte daquele governante, no exercício das suas funções.

O Ministério Público diz entender que o envolvimento de Olavo Correia neste processo não se configura crime, mas que o mesmo poderá ter eventualmente violado os princípios da ética e da transparência, actos esses que devem ser resolvidos em outra sede, sem, no entanto, especificar qual.

Ora, Elias Silvas e Olavo Correia são dois servidores públicos, exercem funções típicas do Estado e são pagos com o dinheiro de todos os cabo-verdianos, pelo que se um é responsabilizado por violações éticas e deontológicas, também o outro o deva ser. Se um tem direito à honra e ao bom nome, o outro também tem.

Num Estado onde o primado da lei é quem ordena o funcionamento das instituições e das pessoas que as representam, estabelecendo os limites onde uns e outros se movimentam, todos devem ser tratados de igual forma, porque todos têm direito à honra e ao bom nome, no quadro do respeito pelos direitos, liberdades e garantias individuais, consagrados na Constituição da República.

Por isso, o país precisa desmistificar esta coisa de honra, muito em voga nos últimos tempos, para que venha ao conhecimento desta nação e a luz se faça aos olhos de todos os cabo-verdianos. Honra! Que honra?...

A direcção,

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