Evento, que tem a CM da Praia como parceira, está agendado para o proximo dia 25, mas vai depender de nova decisão do Instituto da Criança e do Adolescente (ICCA) por causa da onda de contestações que este inédito concurso despoletou.
Pela primeira vez em Cabo Verde, vai haver uma prova de beleza feminina tendo como modelos crianças dos três aos 12 anos – o Miss Beleza Infantil Cidade da Praia. O evento, que terá como palco o Parque 5 de Julho, na capital, deverá acontecer no próximo dia 25 de Junho.
Sim, deverá, porque tudo depende agora da decisão que o Instituto Cabo-verdiano da Criança e do Adolescente (ICCA) vier a tomar em relação a este assunto que está a causar polémica sobretudo nas redes sociais, precisamente porque o nome do Instituto surge associado ao evento. Pelo menos a página oficial do concurso foi removida ao final da tarde desta segunda-feira.
O jornalista e escritor de estórias infantis, Dai Varela, foi um dos que se insurgiu contra o referido concurso, tendo inclusive desafiado pais e encarregados de educação a tudo fazerem para impedir essa actividade.
No seu post, Varela chama a atenção para o perigo de se estar a “promover a sensualização das crianças num país como Cabo Verde”, onde existem “graves problemas de abuso sexual de menores”, a ponto de “19% dos presos a cumprir pena em Cabo Verde estarem lá por crimes relacionados com abusos sexuais”.
“Claro que estes mini-misses são incentivadas pelas mães, que muitas vezes apenas estão a projetar nestas crianças um desejo próprio de vaidade. Infelizmente esses concursos não são assistidos apenas pelas mães babadas com as fofuras das suas crianças. Assistem também (entre outros) sujeitos suspeitos que se deliciam com a exposição do corpo da menina em bikini”, denuncia, notando que “o Senado francês aprovou a lei que proíbe concursos de beleza para meninas menores de 16 anos, sob pena de multa e prisão. A medida é um esforço para conter a “sexualização excessiva” das crianças, segundo os legisladores”.
Por isso, advoga que “este também é um momento para a Rede Nacional de Proteção Contra o Abuso e a Exploração Sexual de Crianças (que deveria estar a funcionar a partir de janeiro de 2017) posicionar-se em defesa das nossas crianças”.
Várias outras pessoas entre anónimos e críticos conhecidos, como Jeff Hessney, agente cultural e manager do grupo de dança Raiz de Polon, ou a escritora de livros infantis, Natacha Magalhães, aproveitaram a publicação de Dai Varela para também mostrarem seu espanto por o nome do ICCA figurar como um dos potenciais parceiros da primeira edição do Miss Beleza Infantil - Cidade da Praia.
Santiago Magazine tentou ouvir os responsáveis do ICCA durante todo o dia, mas até à hora da publicação da peça, ninguém reagiu. Entretanto, a organizadora do Miss Beleza Infantil – Cidade da Praia explica que a inclusão do nome daquele instituto tem a ver com o facto de ser precisamente o ICCA a validar este tipo de actividades quando envolvem crianças. Ou seja, ainda que indirectamente, o instituto que tem por missão primar pelo bem-estar das crianças é por “inerência” parceiro do certame.
“Temos de informar o ICCA para podermos ter carta branca para realizar o concurso. Aliás, comunicámos o ICCA desde Março mas até agora não nos respondeu. Viemos a saber depois que era por falta de tempo do responsável que estava em missão fora do país”, justifica Isabela Afonso, ou Dona Bey, como é conhecida.
Cabeleireira de profissão e dona de um salão no bairro da Achadinha, onde vive, Isabela afirma que quando lhe disseram das criticas ao concurso foi como se uma bomba lhe rebentasse na cabeça. Porque, assegura, foi de boa-fé que pensou promover este concurso “que, na verdade é mais um desfile de princesas do que propriamente um concurso de beleza. Não tem nada de bikinis, nudismo, ou danças de kuduro ou Kotxi-pó. É só para entreter as crianças mesmo”.
Prossegue Isabela Afonso: “As pessoas estão a fazer um alarido à volta disso sem saberem o que é este concurso. Repare, em vários países do mundo há os chamados Miss Kids: EUA, Brasil, Líbano, etc., todos fazem seu concurso de beleza para criança, mas dentro do espírito infantil. E há inclusive uma prova internacional com representantes de todos os países. E veja que o Brasil ou os EUA têm muito mais casos de assédio contra menores, mesmo assim organizam concursos de beleza para crianças. Enfim, os violadores sexuais de menores de que as pessoas falam estão sobretudo dentro de casa, são pais, tios… pessoas próximas. Nós, durante todo o ensaio os pais estão presentes, sabem no que estão a meter os seus filhos. Aliás, são eles que suportam financeiramente o concurso. Nós apenas damos as roupas de apresentação: traje de princesa, traje desportivo e traje social”, explica Dona Bey.
No seu entender, há outras motivações por detrás “desta campanha de boicote” à sua actividade. “O que se passa aqui é que quem está a organizar o Miss Beleza infantil na Praia é uma organização que está no subúrbio e isso não agrada à elite que se acha dona destes eventos. Se fosse em São Vicente ou no Plateau talvez não haveria tanta gente contra. Mas eu sou do subúrbio com orgulho”, declara convicta.
Habituada a organizar concursos do tipo, mas para adultos, nos diferentes bairros da capital através do grupo AfroSwag, de que é presidente, Dona Bey diz ter tido sempre o apoio da Câmara Municipal da Praia - também parceira nesta edição do Miss Infantil - para promover e levar entretenimento aos bairros menos vistos nos cartões postais da capital.
Por isso, insiste em levar o seu projecto adiante e colocar as 23 crianças inscritas a desfilar dia 25 deste mês no Parque 5 de Julho. Mas há um porém: o ICCA ainda não decidiu favoravelmente, pelo que, reconhece, o concurso pode vir a ser adiado, “mas não cancelado”, sublinha.
“É que hoje (esta segunda-feira, 12) fui lá ao ICCA e me disseram para esperar porque com esta onda de contestações terão de rever o projecto e analisar o que deve ser retirado ou mudado para não ferir sensibilidades e não pôr em causa o nome da instiuição”, garante.
Ou seja, o ICCA, pelos vistos, continua parceiro do AfroSwag na realização do Miss Beleza Infantil Cidade da Praia. Com a condição de o evento não trazer nada que seja apelativo ao sexo ou promova o corpo da criança como objecto de beleza e sensualidade.
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