O antigo diplomata e enfermeiro, Olimpio Varela, entregou na segunda-feira, 28 de Outubro, uma acção judicial contra o Estado de Cabo Verde por danos morais e negligência médica. Varela, hoje com 85 anos de idade e que foi combatente da liberdade da pátria, acusa a Junta de Saúde de Sotavento de ter rejeitado a sua evacuação para Portugal - mesmo perante conselhos de cardiologistas - para efectuar exames e estudos das artérias coronárias e tratamento num centro especializado de hemodinâmica. "Não vou deixar prescrever este processo, porque decretaram a minha morte por ser octagenário", afirma.
A queixa-crime, a que Santiago Magazine teve acesso, baseia-se no facto de a Junta de Saúde de Sotavento ter recusado a evacuação de Olímpio Varela para tratamento das artérias coronárias, caso diagnosticado por médicos especialistas em doenças do coração.
Diabético e idoso, Varela recorreu ao seu próprio bolso para se deslocar aos Estados Unidos da América a fim de efectuar a cirurgia às artérias, conforme recomendação médica, conselho, aliás, que viria a ser recusado pela Junta Médica.
Insatisfeito e sentindo-se humilhado pelos serviços públicos da saúde, Olímpio Varela decidiu intentar uma acção contra o Estado de Cabo Verde a exigir que seja indemnizado por danos morais, denuncia desrespoinsabilização do Estado nos cuidados médicos e pede ainda a devolução de todo o dinheiro gasto em transportes, análises, hospedagem, alimentação e estadia em Portugal e EUA. "Só não fui às espensas do Estado, porque a Junta desaprovou a minha evacuação alegando que, com a minha idade (84 anos, na altura) já não valia a pena avançar com o tratamento", aponta Varela em declaração ao Santiago Magazine.
A propósito, o antigo enfermeiro, dentista e diplomata faz questão de referir que "mais do que a indemnização, em si, este processo contra o Estado visa mostrar a verdade, chamar a atenção da sociedade sobre a forma como o sitema de saúde em Cabo Verde não funciona. É um dano, no meu caso, sem preço, porque decretaram a minha morte por causa da minha idade. Para eles (do Ministério da Saúde) eu deveria estar morto", avalia Olímpio Varela, lembrando, ao mesmo tempo, "a responsabilidade civil do Estado nesta matéria". "A junta Médica é uma das formas de função executiva do Estado, logo, acto de gestão pública", lê-se na queixa assinada pelo advogado Nelson Isaac Pinheiro e endereçada ao Tribunal da Comarca da Praia .
O texto diz ainda que "a postura ou opinião da Junta Médica foi a causa directa e necessária dos prejuízos sofridos pelo autor", razão pela qual exigem do estado uma indemnização de 15.817.000$00 (quinze mil oitocentos e dezassete mil contos) por danos morais e materiais. "Não vou folgar, quanto mais não seja pela minha idade. Este processo não pode e nem vai prescrever", promete.
Este caso, como Santiago Magazine havia reportado desde o ano passado, através da publicação de uma carta aberta assinada pelo próprio paciente a denunciar publicamente o tratamento discriminatório a que foi sujeito pela Junta de Saúde do Hospital de Sotavento, negligenciando o seu estado de saúde, chega agora ás barras do Tribunal.
Na altura, Olímpio Varela apontava, num artigo publicado por Santiago Magazine e intitulado "A forma subtil de matar sem ser criminalizado", para o facto de a Junta ter-se baseado em pareceres desfavoráveis de duas médicas (Dra. Luiza Santiago e Dra Iolanda landim) que não são cardiologistas, em detrimento da posição favorável de três especialistas de doenças do coração, cujo parecer foi inclusive encaminhado para a Junta.
"No dia 24 de Dezembro de 2018, por ter sentido um ligeiro desconforto e que desconfiei ser de origem cardíaca, dirigi-me a uma clínica para ser observado por um cardiologista. Logo que examinado, o mesmo pediu-me para fazer umas análises e exames com caráter de urgência. Ordem dada, ordem cumprida, no mesmo dia. Lendo o resultado, aquele cardiologista sugeriu que se repetisse a análise, dado o valor de um parâmetro que se revelou muito anormal, conforme suas palavras. Na sequência do resultado desta segunda análise, o médico sugeriu que eu fizesse outros exames - pediu um ecocardiograma e uma prova de esforço, em contraponto às análises anteriores. Nos dois exames foram constatadas alterações anormais, denotando irregularidades no trabalho do coração. Perante essas constatações, o referido cardiologista achou por bem encaminhar-me a outros dois colegas para darem a sua opinião quanto ao que ele pensa ser a causa das alterações verificadas e confirmadas em todos os exames efectuados. Também queria que esses colegas opinassem sobre a necessidade de eu ser enviado à “junta de homicídio lento” (que se convencionou chamar de “Junta de Saúde”), para posterior evacuação para Portugal, a fim de ser submetido a uma inspeção do coração, dada a impossibilidade de em Cabo Verde se proceder a uma coronariografia para inspeccionar e corrigir eventual entupimento parcial (antes de um entupimento total, que leva à morte súbita) de um ou mais vasos do coração. Essa inspecção consiste na introdução de um catéter num dos vasos no pulso ou na virilha que vai até ao coração, sempre controlado através de um monitor, permitindo que uma eventual anomalia detectada seja corrigida de imediato", contara Varela nesse artigo.
O mesmo fizera saber ainda que "três cardiologistas (Dr. Ivan Miranda, Dr. Luís Dias , Dr. Fernando Tavares) observaram-me e informaram-me o que achavam que estava a acontecer com o meu coração, bem como o que pensavam fazer, isto é, me enviarem, de imediato, à “Junta da morte lenta” para efeitos de evacuação. Assim, aos exames e análises feitos, juntaram duas notas, sendo uma o conteúdo da acta, que produziram aquando da observação a que fui submetido, e a outra o pedido endereçado à “Junta” para confirmar a minha evacuação".
Dias, indicou Olimpio Varela, "foi um dos três médicos da Junta que rejeitaram o pedido de evacuação, quando antes, havia assinado, juntamente com os drs. Ivan Miranda e Fernando Tavares um documento a confirmar a urgência da evacuação.
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