PARA QUE SERVE UMA MANIF?
Ponto de Vista

PARA QUE SERVE UMA MANIF?

São Vicente deu, como sempre, o primeiro passo. Algumas ilhas seguiram-lhe o exemplo. Quem não seguiu desta vez irá na próxima e assim sucessivamente. É o despertar de um país que continuava sob estado de "coma político profundo". No final teremos um país inteiro nas ruas a manifestar-se e cada uma das ilhas a exigir uma fatia do bolo à Santiago. Até aqui nada de anormal, e parafraseando os políticos quando questionados sobre o assunto, responderam: "a democracia significa liberdade e o direito de se expressar livremente". Creio que não é bem assim, oh senhores políticos. O povo não saiu à rua para demonstrar que tem esse direito, até porque a liberdade de se manifestar já é um direito adquirido e irreversível, há muito conquistado. O povo saiu à rua para demonstrar descontentamento e desencanto por terem confiado nas vossas promessas, compromissos, ou seja lá o que for, e de tanto esperar acabou por esgotar a paciência. Esta revolta, segundo os organizadores, é contra o centralismo do poder na capital levado a cabo por todos os governos desde a independência até agora.

Confesso que fiquei surpreendido com o número de pessoas que saíram às ruas do Mindelo, respondendo desta forma ao apelo lançado pelos organizadores desta iniciativa. Os meus amigos da Ilha do Monte Cara estão de parabéns! Os mindelenses são conhecidos pela sua característica singular na forma como se relacionam com as pessoas e só não os coloco à frente dos maienses por razões óbvias. Quando sentem os seus interesses ameaçados agem como uma leoa parida em defesa dos seus filhotes em perigo: atira-se a matar contra tudo e todos para proteger as suas crias da ameaça.

Mas afinal, o que trouxe à rua milhares de mindelenses? Até nas vésperas da manifestação pensei que o motivo tinha a ver com a construção do tal Campus Universitário da Universidade de Cabo Verde na Cidade da Praia quando há muito que esta infra-estrutura era também reivindicada pelos mindelenses, sob pretexto de que "Cabo Verde é ka só Praia" ou que "São Vicente também é Cabo Verde". Enganei-me redondamente. No final da manifestação foi apresentado um rosário de exigências e propostas com vista a tirar Soncente do "marasmo e abandono que há muito foi votado" pelos sucessivos governos desta República. Nisto, pensei para os meus botões: uma ilha com tantas infra-estruturas e serviços já criados, principalmente nestes últimos anos, sai à rua para exigir ainda mais tem lá as suas razões. Então o que dizer da minha querida ilha do Maio?

Fico a imaginar algo idêntico no meu Djarmai, mas logo vem-me à mente que os meus patrícios nunca seriam capazes de tal proeza. Até ao momento que escrevo estas linhas acreditava que sim. Os maienses são um povo pacífico que demonstra uma tranquilidade incrível em quase tudo. Não reivindica por nada e pode até não gostar muito de quem reivindica por eles em determinadas circunstâncias. Perante as vicissitudes da vida não pede apoio, enfrenta-as. Não reivindica (volto a repetir!), prefere sofrer e remeter-se ao silêncio absoluto de que protestar para ter o que lhe faz falta. Citando um primo meu: "korda Djarmai".

Hoje somos um povo livre, tão livre ao ponto de um alto dirigente sindical se dar ao luxo de convocar a imprensa para dizer tantas barbaridades e obscenidades como esta de que o primeiro-ministro do seu país é o homem mais mentiroso que conhece, seguindo-se-lhe uns tantos outros mentirosos como um dirigente de um outro sindicato e PCA de uma respeitada instituição da República. Tudo reproduzido na imprensa e sem um mínimo de respeito pelos dirigentes políticos deste país por parte desse (ir) responsável sindicalista e sob capa de uma imprensa livre. É o preço que se paga quando se vive num país dito democrático e livre. Na ganância de insultar alguém não escolhemos termos adequados nem os destinatários certos. É "intxi boka baza"!

Termino como comecei com uma vénia especial à população de São Vicente pela demonstração corajosa de repúdio ao centralismo do poder na capital. É São Vicente a reivindicar, e com uma boa carga de razão, uma fatia de bolo à Santiago. Prometem não cruzar os braços e voltar quando entenderem que o devem fazer. Nem o seu Presidente da Câmara escapou às investidas da população em fúria e lá recebeu o aviso dessa indignação: "já bo fazê Câmara bo caza más de lá bo tem que saí. Já tá bom"!

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