Apolinário das Neves pode não ser hoje para o MpD o sargento de combate que fora até aqui. Mas, como diz o ditado, o diabo não deve ser tão feio como agora o pintam. Se for, foi o MpD que o viu bonito. E é o MpD que o quer transformar num monstro.
Vejamos esta crise do prisma certo: o factor Manuel de Pina. O presidente da Câmara surge nesta história como uma das vítimas, já que foi coagido pelos deputados do seu partido a ter de escolher entre a manutenção do vereador Apolinário das Neves e o apoio da bancada do MpD para lhe aprovar os instrumentos de gestão.
Ora, isto parece mais um truque do próprio Manuel de Pina para afastar Apolinário por aparentemente razões pessoais. A carta enviada pelos deputados à Câmara Municipal, datada de 17 de Junho, parece encomendada pelo próprio autarca para, tal qual Pôncio Pilatos, se ver livre da trama e, com isso não sair chamuscado politicamente pelos seus munícipes e pela direcção nacional.
Ao partir da bancada municipal a iniciativa de desprofissionalizar o vereador em causa, Manuel de Pina ficaria insuspeito. Isto porque quem tem o poder de gerir a Câmara é o seu presidente que escolhe quem profissionalizar e com quantos quer trabalhar conforme o seu programa eleitoral e plano de actividades. De modo que, à assembleia municipal e seus deputados compete apenas a fiscalização do órgão executivo, aprovando o que está certo e rejeitando o que estiver errado, além de definir as melhores políticas para cada sector. Em momento algum, os deputados devem decidir com quem o presidente da CM deve trabalhar, mas sim como trabalhar para o desenvolvimento do concelho.
Outrossim, sabemos que nos 22 municípios do país, os presidentes de Câmara exercem muita influência sobre os deputados, e não o contrário. São eles, os autarcas, que mandam muitas vezes nas Comissões concelhias e, sempre, sempre, nos deputados municipais da sua cor politica. E Manuel de Pina, eleito duas vezes e ainda é presidente da ANMCV, não será excepção nessa regra, pelo contrário, é a voz suprema do MpD na Cidade Velha e arredores. Quer dizer, ele não terá cedido às pressões dos deputados, mas sim terá pedido para ser pressionado? Assim parece.
De facto, o caso da Cidade Velha assume proporções ainda mais preocupantes, que ferem os princípios da democracia, quando na carta dos deputados aparece que um dos motivos pelo qual Apolinário das Neves deve ser afastado tem a ver com o facto de estar a favorecer munícipes afectos ao PAICV. A CMRGS só trabalha para os munícipes do MpD? A Ribeira Grande de Santiago foi dividida em dois, os que devem merecer o apoio da Câmara (MpD) e os que terão de continuar de boca vazia (PAICV)?
Esta desculpa não colhe, por ser demasiado aberrante e anti-democrática. E há contradição no que o próprio Manuel de Pina e o lider da bancada ventoinha, Nilton Livramento Monteiro, disseram, ou seja, que o vereador teve que ser desprofissionalizado por incompetência e fraco desempenho. Desde quando o desempenho suficiente ou medíocre de um vereador merece este tipo de tratamento? Se fosse por incompetência, Manuel de Pina deveria ser o primeiro a ser demitido. O presidente da CMRGS gere o municipio mais rico do país, o único que tem verba da Unesco – além do Fundo de Financiamento Municipal – para manter a cidade Património Histórico da Humanidade inviolada e inclusive pode submeter projectos para financiamento sem um tecto definido.
Isto que aconteceu na Ribeira Grande de Santiago é brincar com política e desprezar os cidadãos que, civicamente, exercem o seu poder democrático a cada ciclo eleitoral. Mas o tiro pode sair pela culatra.
E a coisa poderia ser bem diferente. Para já, Manuel de Pina, que recebeu a tal carta dos deputados desde 17 de Junho, poderia perfeitamente, se quisesse, proporcionar um encontro entre as partes – Apolinário vs. deputados municipais do MpD – a fim de chegarem a um consenso e não prejudicarem a imagem do município. Isso nunca aconteceu. Porquê? Porque Manuel de Pina não quererá ver mais por perto aquele que durante quase uma década foi seu conselheiro, assessor, director de gabinete, vereador e seu braço direito. Pina não defendeu Apolinário, obviamente, porque se incompatibilizaram. E Apolinário tem podres que podem fazer tombar o MpD na Ribeira Grande, respingando na liderança de Ulisses Correia e Silva, que, enquanto presidente do partido, tem obrigação de saber o que se passa nas concelhias e tentar reconciliar os amigos desavindos.
Enfim, na ânsia de defender o seu partido, Manuel de Pina terá entregado de bandeja a Câmara ao PAICV, pelo simples facto de, com a justificação para afastar um vereador, mostrar que, afinal, está lá apenas para servir o MpD, os outros que não alinham pelo lado ventoinha que se desenrasquem. Que triste! Que pobreza intelectual e política! Que nojo! Se calhar é esta a definição perfeita do slogan ‘sem djobi pa ladu’: a CM tem olhos só para os seus eleitores directos, os outros do lado que fiquem de lado.
Pois bem, dificilmente esta crise no MpD na Cidade Velha morrerá por aqui. Outros episódios poderão vir nos revelar o que tem estado a passar na Câmara da Ribeira Grande de Santiago. E se o PAICV for esperto, esta Câmara já é sua. Basta saber.
David Veiga
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