O Estado enganou o próprio Estado? Tudo indica que é isto mesmo que aconteceu. O Ministério da Educação terá pago por um serviço que ao mesmo tempo declarou ter sido um donativo. Temos documentos que mostram uma presumível corrupção no negócio dos manuais escolares.
O Ministério da Educação terá pago o montante de 7 milhões, 205 mil e 268 escudos à empresa Gamin & Zeipel pela composição gráfica e edição dos polémicos manuais escolares. Mas a empresa, em carta dirigida à Direcção-Geral das Alfândegas, no dia 4 de Agosto de 2017, pediu isenção alfandegária desses materiais didácticos, alegando tratar-se de donativos ao Governo de Cabo Verde.
Uma declaração política apresentada esta manhã, 25, pelo deputado do PAICV, José Sanches, sobre os problemas da Educação em Cabo Verde, trouxe novamente à ribalta a celeuma em torno dos manuais escolares, concretamente o mediático manual de matemática, com uma questão nova: os livros foram doados ou não?
Os deputados do PAICV lançaram esta questão ao Governo, e este não respondeu ainda. Entretanto, documentos a que Santiago Magazine teve acesso dão conta que a empresa Gamin & Zeipel terá declarado que doou os manuais de matemática a Cabo Verde.
Esta empresa - com sede em Estocolmo, Suécia, e cuja dona é prima do primeiro-ministro, Ulisses Correia e Silva - fez estas declarações numa carta dirigida à direcção geral das Alfandegas, onde solicita isenção das taxas alfandegárias no despacho dos referidos manuais.
É assim: no dia 4 de Agosto de 2017, a Gamin & Zeipel escreve uma carta ao director geral das Alfândegas, informando que “doa a Cabo Verde, mais especificamente à Fundação Cabo-Verdiana de Acção Social Escolar (FICAS), 42 mil exemplares de manuais de matemática do 1º ao 4º anos de escolaridade”, e aproveita para solicitar “aos serviços alfandegários de Cabo Verde a isenção aduaneira no levantamento dos mesmos”
Na mesma carta, a empresa sueca avisa ao responsável máximo dos serviços alfandegários que os manuais “chegarão a Cabo Verde previsivelmente no dia 21 de Agosto, para que a FICASE possa fazer a distribuição pelas ilhas do país”.
O Ministério da Educação, por sua vez, emite uma declaração de aceitação de doação, assinada pela então directora Nacional da Educação, Adriana Mendonça, cuja cópia também Santiago Magazine teve acesso. Neste documento, necessário para formar o processo de pedido de isenção, o Ministério da Educação “declara, para os devidos efeitos, que recebe a doação de cerca de 40 mil manuais de matemática de 1º a 4º anos de escolaridade, da empresa Gamin & Zeipel, localizada na Suécia”.
Com estes dois documentos – carta da empresa Gamin & Zeipel solicitando isenção de taxas aduaneiras e declaração de aceitação dos donativos emitida pelo Ministério da educação – ficaria montado o dossier para se obter a isenção dos manuais de matemática que tanta tinta já fez correr no país.
Tudo indica, no entanto, que o Ministério da Educação pagou pela edição dos referidos manuais. Conforme a informação/proposta nº 70/DNE/2017, de 11de Julho, o Ministério da Educação pede à direcção geral do Tesouro o pagamento de 7 milhões, 205 mil, 268 escudos à empresa Gamin & Zeipel, “na sequência de contratos efectuados com a empresa para compor graficamente e editar o manual, o caderno de exercício e o guia do professor de 1º, 2º, 3º e 4º ano de escolaridade de matemática”.
Este detalhe foi, aliás, sublinhado pelo deputado Carlos Delgado (Santo Antão) esta manhã no Parlamento, insistindo para que o Governo explicasse por que razão fala em donativo quando foi paga já uma tranche das despesas à empresa sueca. Delgado questionou ainda qual o montante total e quando vão ser pagas as tranches seguintes.
Analisando os documentos, como observa um quadro da Educação, "resulta que a empresa Gamin & Zeipel prestou falsas declarações à direcção geral das Alfândegas, acto este que resulta numa potencial fuga ao fisco". "O Ministério da Educação, por sua vez, ao emitir a declaração de aceitação de donativos, sabendo que não se encontrava perante uma doação, mas sim diante de uma aquisição de serviço, também prestou falsas declarações, acabando por colaborar com uma empresa estrangeira, detida por uma prima do primeiro-ministro, para burlar o Estado de Cabo Verde", analisa a nossa fonte, lembrando que sequer houve concurso público e que a ARAP (entidade que regula as aquisições feitas pelo Estado) negou ter tido conhecimento desse processo.
Outro pormenor: o pagamento a que se refere a nota dirigida à direcção geral do Tesouro, solicitando o pagamento da composição e edição dos manuais à Gamin & Zeipel, “informa que as despesas serão suportadas no âmbito do projecto “Revisão Curricular”, através da rubrica “Assistência Técnica – Não Residente”, do orçamento do Estado em execução.
Os manuais de matemática foram vendidos por todo o país, tendo sido retirados do mercado, a mando do primeiro-ministro, Ulisses Correia e Silva, após violentas críticas da sociedde civil e do próprio Presidente da República, Jorge Carlos Fonseca.
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