Presidente da Associação Voz di Santiago explica as razões por detrás da criação da VdS. E fala sobre a regionalização. “Não somos nem a favor, nem contra. Apenas estamos atentos para salvaguardar os interesses de Santiago e de Cabo Verde”, garante.
Santiago Magazine - Acaba de ser empossado no cargo de presidente do Conselho Directivo da Associação Voz di Santiago. Voz di Santiago porquê?
Silvino Fernandes - Surgiu da discussão e busca de um nome aparente, uma representação física, uma denominação a atribuir a uma ideia. A ideia de Santiago-Cabo Verde, Cabo Verde-Santiago, pois, não existe Santiago sem Cabo Verde e não existe Cabo Verde sem Santiago. E é nesta dinâmica de pertença e autorevelação que a Associação Voz di Santiago assume-se como uma entre as muitas vozes, que já falam de Santiago e Cabo Verde, com a voz dos filhos e amigos de Santiago residentes e na diáspora, com a sua identidade e função própria no projecto de desenvolvimento sustentável de Santiago e Cabo Verde.
«As pessoas das outras ilhas sentem-se bem em Santiago»
A vossa associação afirma-se como parceiro dos poderes públicos na concepção de tomada de decisão sobre assuntos importantes do processo de desenvolvimento de Santiago e de Cabo Verde. Como é que pensa fazer isso? Que tipo parceria é esta?
Como uma organização da sociedade civil, onde as decisões e omissões, e até mesmo a indiferença dos poderes públicas se fazem sentir, a Voz di Santiago pensa através do diálogo com os poderes públicos fazer chegar até eles, o diagnóstico das necessidades e ajudar-lhes a ajustar as suas agendas de actuação pública aos reais interesses e necessidades da ilha de Santiago e das suas populações.
Muitas vezes, as necessidades existem, mas não são conhecidas; outras vezes, não são apresentadas como convém; outras ainda, entre os poderes públicos e as populações em cujo interesse devem agir, e, agem, levantam-se barreiras invisíveis, porém, eficazmente operantes, que os tornam desconhecidos uns dos outros, em que acções ostensivamente visíveis produzem efeitos acanhados ou quase nulos nas esferas dos interesses dos respectivos destinatários.
O estatuto da VdS já prevê no seu artigo 7.º n.º 3, os passos a dar, entre outros, a saber: Criação de Núcleos de discussão e análise dos diversos temas que afectam ou que são passíveis de afectar os interesses da ilha de Santiago e da sua comunidade; Tomar posição e participar em quaisquer discussões em matéria de descentralização e desconcentração do país, designadamente as atinentes à regionalização, independentemente da origem, formato ou propósito, com vista à defesa dos interesses da ilha de Santiago e de Cabo Verde junto das mais variadas instituições; Acompanhar o desenvolvimento interno da ilha, o municipalismo, o poder local e seu exercício em prol dos efectivos interesses dos munícipes dos diversos concelhos da ilha; Avaliar os investimentos já realizados e seus respectivos impactos social e económico, cultural, familiar e comunitária; Promover a cultura empreendedora nas áreas do ensino, da agricultura, do turismo, da cultura, da ciência e inovação, do agro-negócios, da economia marítima e do sector das tecnologias de informação; Engajar na transformação das potencialidades naturais, turísticas, culturais e económicos em factores ou competências concretas do desenvolvimento da ilha e da sua comunidade; Engajar nas discussões em matéria de família, da educação, do ensino médio, superior e profissionalizante; Estabelecer parcerias com as respectivas escolas e diagnósticos sobre os aproveitamentos, os níveis de desistências, abandonos e respectivas causas; Servir de elo de ligação e comunicação entre as diversas escolas da ilha e as instituições congéneres estrangeiras com vista à melhoria das prestações dos professores, alunos da comunidade educativa e das famílias da ilha de Santiago; Constituir núcleo de defesa e protecção dos consumidores de produtos e serviços financeiros, de acordo com a Lei de Bases do Sistema Financeiro, aprovado pela Lei nº 61/VIII/2014, de 23 de Abril.
A VdS constitui-se como foco de sintoma e sinal de alarme junto dos interessados (populações, munícipes) para o verdadeiro diagnóstico das causas e conformação das acções eficazes à cura efectiva.
Há vozes que consideram esta associação um grupo de pressão juntos das autoridades centrais contra as outras ilhas. Como avalia estas acusações?
Com muita pena dos sujeitos que as proferem. Porque não sabem que ao fazê-las estão a tolher ou perturbar o exercício legítimo de um direito constitucionalmente garantido, qual seja, a liberdade de associação prevista no artigo 52º da CRCV. É claro que a associação VdS não é, nem pretende ser, um grupo de pressão às autoridades centrais, nem no seu interesse próprio, e muito menos contra as outras ilhas, que seria o mesmo que dizer, contra si própria e contra Cabo Verde. A VdS reconhece as potencialidades e constrangimento do país e da ilha.
Ademais, não é a sua visão dividir o país, mais sim promover a unidade nacional conforme prevê a constituição da República. Espera contar com o apoio de outras associações da ilha de santiago e de outras ilhas, para juntos, promoverem e defenderem os interesses de Cabo Verde. Creio que ainda é cedo fazer tal juízo de valor.
Acho normal tal acusação, especialmente, quando é feita no desconhecimento de que o associativismo é livre e constitucionalmente garantido. Tudo o que é novo desperta nas pessoas inquietações, dúvidas e interrogações, todavia no tempo certo tais pessoas vão apresentar uma avaliação diferente.
«A VdS reconhece as potencialidades e constrangimentos do país e da ilha»
Há bairrismo em Cabo Verde?
Não.
Porquê?
Creio que há uma convivência sadia entre os cabo-verdianos de todas as ilhas com excepção de um grupo reduzido de pessoas que manifestam uma certa tendência. Acho que não temos dados suficientes para dizermos que há bairrismo. Tem havido, aqui e acolá, opiniões isoladas, algumas vezes com sequazes, mas não chegam para dizer que há bairrismo em Cabo Verde.
Acho que as pessoas da ilha de Santiago não são bairristas. É simples apresentar justificação: as pessoas das outras ilhas sentem-se bem nesta ilha. Em todas as instituições públicas e privadas encontramos pessoas das outras ilhas bem-adaptadas.
Como avalia o processo de regionalização em Cabo Verde? É a favor ou contra?
É um processo com muito barulho na forma, mas que se mostra surdo no seu conteúdo. Ainda só houve discussões no seio político. A sociedade civil ainda não foi envolvida nesse debate, o que não deixa de ser preocupante. Note-se que estamos a falar de uma matéria que, na verdade, se for avante, significará uma verdadeira reforma do Estado, cujo modelo formal e funcional, bem como os custos-benefícios. Não somos nem a favor, nem contra. Só estaremos atentos para salvaguardar os interesses da ilha de Santiago e de Cabo Verde. Se se chegar à conclusão de que a regionalização é benéfica para Cabo Verde temos, necessariamente, que ser a favor.
Caso contrário, se se chegar a conclusão que todo esse processo só serve para absorver mais os recursos do Estado (dos cidadãos), para separar as ilhas, seremos, categoricamente, contra. Contudo, pensamos que ainda as vantagens e as desvantagens da regionalização não foram explicadas aos cidadãos para que possam tomar uma posição. Em conclusão, nós somos a favor de tudo que é benéfico para ilha de Santiago e para Cabo Verde e contra tudo que seja prejudicial.
Para si, os cabo-verdianos conseguem neste momento entender o que pretende o governo com este dossier?
Pela importância da matéria e pelo seu impacto, a estas horas, os Cabo-Verdianos, e sociedade civil, aquela que irá suportar todo o custo do processo já devia estar totalmente informada da regionalização, o seu custo e seu beneficio; mas, temo que a forma e o modelo escolhido para tratar da matéria não permite alcançar a sua bondade ou desvirtudes. Até aqui, nada está esclarecido. Quais são as vantagens? Custos? Qual impacto sobre as estruturas de despesas pública, o que até agora se consegue perceber é de que é uma matéria que só interessa aos partidos.
A regionalização exige uma reforma na estrutura da organização do Estado, ou não?
A criação de novas estruturas, células orgânicas, ou alteração das existentes implica sempre reforma orgânica e funcional. E quando se trata de alteração das estruturas administrativas da organização do estado, sem dúvida que significará uma verdadeira reforma do Estado, o que, em face à falta implica que se responda a uma serie de questões, a saber: como vai ser a relação entre as autarquias locais e o Governo, quando passa a existir as Regiões Administrativas? Que poderes vão ser transferidos para as Regiões? Quais são as receitas que as regiões irão cobrar? E que despesas realizarão, e para satisfação de que fins? Vamos continuar com o mesmo número das câmaras municipais? A mesma estrutura governamental? Portanto, tudo isso exige uma reforma profunda no Estado.
«A sociedade civil ainda não foi envolvida nesse debate (Regionalização), o que não deixa de ser preocupante. Estamos a falar de uma matéria que, se for avante, significará uma verdadeira reforma do Estado»
Em Cabo Verde, temos Parlamento, Governo, Poder Local. E poderá num futuro breve ter governos regionais. Não são representações a mais num país com pouco mais de 500 mil pessoas?
Claro que sim. Cabo Verde já é geograficamente dividido. Os esforços de unificação, todos, têm-se revelado ainda insuficientes. Se já é difícil a ligação eficaz entre as ilhas, com os últimos acontecimentos a mostrar claramente o peso de separação, parece paradoxal todo o discurso da racionalização de estruturas e do endividamento do país. Neste momento diz-se que a divida pública está quase no ponto máximo. O bolo orçamental continua o mesmo. Não é conveniente aumentar a despesa de funcionamento, incluindo governo Supra-municipal.
Em que medida esta mudança irá melhorar ou piorar a satisfação das necessidades colectivas, que é a função última do estado?
Com as informações existentes, creio que ninguém sabe. Nada está socializado, muito menos explicado. O que há neste momento são discussões entre os partidos, numa matéria de capital importância para o país, onde não se pode fracassar.
Como avalia a democracia cabo-verdiana?
Já deu passos significativos, ao nível institucional as estruturas democráticas formais e funcionais, já estão instaladas e funcionais. Todavia a democracia em Cabo Verde está em crescimento. Tem apenas cerca 26 anos. O aumento da massa crítica devido a uma procura explosiva das instituições educativas é um sinal visível que a nossa democracia a médio e longo prazo vai ficar cada vez mais consolidada. Por ora, a avaliar pelos comportamentos pré, e pós eleitorais, fica-se com a sensação de que é uma democracia que se satisfaz plena e exclusivamente com a alternância. Não só de sujeito, mas também de propósitos. A sociedade civil só é tida em conta no período eleitoral. Isto são fraquezas que necessitam ser diagnosticadas e tratadas.
Em que medida a bipolarização está a condicionar ou a facilitar o desenvolvimento do país e o desempenho das instituições democráticas?
O período das alternâncias, tanto ao nível central, local, ou até mesmo presidenciais, e o do exercício do poder democrático legitimado, tem demonstrado que a bipolarização está a condicionar o desempenho das instituições democráticas. É só ver que um governo de uma cor diferente entra e bota a baixo tudo que o outro fez, sem estudo, sem nada. Houve, por exemplo, muitos avanços que foram destruídos por questões meramente partidárias. Quem perde é sempre o país.
Quais são os grandes pecados da democracia cabo-verdiana?
A falta de uma visão de continuidade. E as instabilidades e incertezas objectivas e subjectivas, que advém com as alternâncias. Dá ideia de um permanente arrombar e reconstruir.
E as suas grandes virtudes?
A alternância. A permanente ameaça à perpetuidade, que faz lembrar aos vencedores de que a contagem decrescente começou.
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