CXXVII CENA
Os Doutores Joaquim e Mónica estão sentados à mesa. Conversam-se enquanto esperam que lhes servem o pequeno-almoço.
DRA. MÓNICA – Também eu.
DRA. MÓNICA – Tu nem imaginas como também sofri! Por várias vezes pensei ir bater-te à porta, mas a coragem me faltou, o medo aconselhou-me a não o fazer.
ALCINDA (dirige-se a eles) – Bom dia senhor Doutor e senhora Doutora.
ALCINDA – Posso passar o pano à vossa mesa para vos servir o pequeno-almoço?
PEDRINHO – Estou a limpar-lhe os sapatos. Vi o senhor, gostei de si e estou a limpar-lhe os sapatos. Não precisa de me pagar.
DRA. MÓNICA – Eh! Ele simpatizou contigo. Eh, rapazinho; tu sabes engraxar?
PEDRINHO – Sei sim, senhora.
DRA. MÓNICA – Tu és ainda uma criança… por que é que andas a engraxar, em vez de ires à escola?
PEDRINHO – A minha mãe não tem possibilidades de me pôr na escola. Assim, como estou a engraxar, ganho algum tostão que nos dá para comprar coisas para comer.
PEDRINHO – Eu chamo-me Pedrinho. A minha mãe é esta senhora que anda aqui neste restaurante a servir de criada. Mas não lhe pagam nada. Só lhe dão bocado de comida quando sobra da mesa, ela leva para casa e nós comemos.
DRA. MÓNICA – E o teu pai? Ele não trabalha?
PEDRINHO – Eu não conheço o meu pai. Ele está na cadeia. Quando eu nasci ele já estava preso, lá é longe, a minha mãe não tem dinheiro para pagarmos o barco ou avião para irmos visitá-lo.
Os Doutores entreolham-se.
PEDRINHO – Ainda não. Só quando toda a gente terminar de comer é que a minha mãe junta os que sobram, chama-me na cozinha e vamos comer. Mas só depois de termos a certeza de que toda a gente já acabou de comer.
PEDRINHO (enquanto come olha para o pescoço do Doutor) – Lá em casa a mamã tem uma fotografia igual àquela.
DRA. MÓNICA – Igual a qual?
PEDRINHO (para o pescoço da Doutora) – Igual a da senhora também.
ALCINDA (para o Pedrinho, comprometida) – Ah, meu filho, tu… louvado seja Deus. Tu dás assim com toda a gente?!
ALCINDA – Não tenho como. Eu sou pobre, sem nenhum recurso. O pai dele está preso há muito tempo. Eu sozinha, não posso dar-lhe escola.
DRA. MÓNICA – A senhora não tem mais ninguém que lhe possa ajudar?
ALCINDA – Só Deus no Céu. E graças a Ele, todos os dias pegamos bóka stangu.
DRA. MÓNICA – Você não tem nenhum familiar embarcado que lhe possa mandar algum sustento?
ALCINDA – Eu… minha filha! Sou txaskan eu mais este menino. O pai dele já foi para a Cadeia 2 vezes. Da primeira vez ele deixou-me com dois filhos; um rapaz e uma menina. O rapaz era mais velho, hoje vive em casa dele com a sua mulher, com muita dificuldade também como eu. A menina, que era mais nova, uma senhora que era emigrante a levou para Portugal, nunca mais voltou, não escreveu, não mandou recados nem mantenha, quanto mais para mandar alguma coisa. Não sei se ela está viva ou se está morta. Se ela não está morta já deve estar uma mulher. (Limpa as lágrimas) Apenas um dia depois do pai dos meus filhos sair da Cadeia, depois de cumprir 10 anos que lhe tinham dado, foi novamente preso em casa dele, ele e o seu filho mais velho, por suspeita de terem matado uma mulher. Deus quis e o destino cumpriu-se, no único encontro que tivemos depois de 10 anos, fiquei grávida deste rapazinho, que também já tem 10 anos.
DRA. MÓNICA – Então, é só este e aquele que vive em casa própria que são os filhos com os quais vocês ficaram?
ALCINDA – Quer dizer… eu sim. Mas ele no seu tempo era muito mulherengo. Tanto que aquela minha filha que foi para Portugal com aquela senhora para nunca mais, tinha mais 2 irmãos que nasceram no mesmo ano que ela. Um, que era filho da mulher com que ele vivia na mesma casa, que se chamava Punoi, rapazinho bonito, meteu-se nas bebedeiras, mais tarde nas drogas, morreu com essa doença que está agora a dar, que dizem que não tem cura. Um outro, também um rapaz, foi para Angola no mesmo ano e na mesma situação que a minha.
ALCINDA – Sim, senhor. Aquela que era a sua própria esposa, a Bia, sempre se suspeitava que o enganava. Depois de Paulito ter ido à Cadeia da segunda vez, ela lançou-se na vida às claras, deram-lhe caço-bode, violaram-na, apanhou SIDA e morreu séku-rusu. Dizem que antes ela havia apanhado doença-mundo, engravidou-se depois, ferveu moedas enferrujadas para beber água e ver se abortava, apanhou uma hemorragia e passou à beira da morte.
DRA. MÓNICA – E a outra mãe do filho dele?
ALCINDA – A outra?! A Beba? Ela também é uma outra coitada. É a mãe daquele que eu vos disse que foi para Angola.
ALCINDA – Pedrinho, vai chamar a Beba para vir responder. Se não lhe encontrares em casa vai procurá-la em Rubon Baleia. Talvez esteja a ajudar a puxar as redes, ou a arrastar as lanchas para ver se lhe dão um rabo de peixe para enganar o estômago.
Pedrinho sai e volta com a Beba que parece estar muito assustada.
BEBA (tremendo de medo) – Oh, meus filhos; para que é que vocês precisam de mim?
Ela senta-se, um bocado desconfortável.
BEBA – Paulito? Que está preso em São Vicente?
DRA. MÓNICA – Ele está na Praia. Já chegou de São Vicente, para vir ser julgado. Há uma semana que está na Cadeia Civil da Praia, à espera para amanhã ser julgado, ele e o seu filho.
BEBA (para Alcinda, desafiante) – A sério, Alcinda? Tu não me disseste que Paulito e Denílson já voltaram de São Vicente e estão na Praia?
ALCINDA (surpreendida) – Beba, eu também estou a saber disso agora. Tu sabes que eles não nos escrevem, que ninguém nos dá notícias deles.
ALCINDA E BEBA – Nunca, meu filho.
DRA. MÓNICA – Então vocês não têm notícias um do outro?
ALCINDA – Desde que lhes mandaram para São Vicente há mais de 7 anos.
DRA. MÓNICA – Quem lhes mandou para São Vicente? Não vos disseram?
ALCINDA – Soubemos quando fomos para os visitar, que nos disseram que tinham sido transferidos.
BEBA – Outros presos é que nos contaram que, um Guarda chamado Rui, pediu ao Paulito 500$00 e Paulito disse-lhe que não tinha, o Rui se embirrou com ele e, um certo dia, só porque o Denílson disse que a canja no almoço estava com muita água, sem sabor porque não tinha peixe nem carne, o Rui foi arranjar-lhe trinta e um com o Diretor e, este mandou os seus Guardas e Polícias baterem nos dois. Dizem que ao Paulito furaram um olho, partiram um braço e duas costelas. E que depois os mandaram para São Vicente como castigo.
ALCINDA – Foi um nosso vizinho que estava aí preso nessa altura. Ele contou-nos que o Diretor-Geral tinha o Denílson na mira, havia já algum tempo.
ALCINDA – Denílson gostava muito de treinar. De fazer sua ginástica. Era forte e tinha um peito bem musculado. Dizem que o Diretor-Geral lhe proibiu de treinar e…
DRA. MÓNICA – Lhe proibiu de treinar porquê?
ALCINDA – Porque ele ia ficar forte e podia agredir os Guardas. Dizem que só porque Denílson ficou arrufado, o Diretor-Geral deu-lhe um soco na boca e partiu-lhe 2 dentes. E que depois mandou os Guardas baterem nele até ficar desmaiado.
DRA. MÓNICA – Desumanos!!! Sem piedades!
BEBA – Sim senhor, conforme estava a dizer-lhe, eu e Paulito temos dois filhos, mas um, é como se não tivéssemos.
BEBA – Chamava-se Joaquim. Ele embarcou para Angola com uma senhora que se chamava Rosa, quando tinha ainda dois anos e tal. Até agora, se ainda ele é vivo, está com 24 anos. Mas, desde que ele foi, não ouvi notícias dele. O seu pai ainda está preso desde aquela altura, o que não nos deixou ter mais filhos.
DRA. MÓNICA (levanta-se um pouco nervosa) – Com licença! (Pega o Doutor por uma mão) Anda cá. (Afastam-se um pouco) Oh, Joaquim; não posso suportar mais. Vamos pôr tudo em pratos limpos.
ALCINDA – Não nos digam?!
BEBA – Ainda vão ficar presos por mais tempo?
DRA. MÓNICA – Não se preocupem. Amanhã vocês vão saber. Eu sou a advogada deles… Doutor é o Juiz. Nós vamos estudar convenientemente o caso.
ALCINDA – Meu Deus! Eu não tenho nenhum tostão para pagar carro!
NHA BEBA – Nem eu, Alcinda.
Limpam as lágrimas com ponta do pano que têm amarrado à cintura.
DRA. MÓNICA (faz o mesmo com as senhoras. Só não dá os 5 contos ao Pedrinho) – Encontramo-nos na cidade da Praia amanhã. Se tiverem algum problema, pedem para falar com a Advogada.
As velhas saem contentíssimas e os Doutores ficam visivelmente abalados.
CXXVIII CENA
Na tribuna de uma sala de audiência composta por um Juiz, um Procurador, uma Advogada, um Escrivão e um Oficial de Diligências. Paulito e Denílson entram algemados, sujos e esfarrapados, conduzidos por dois Guardas, vão ocupar o banco dos Réus.
JUIZ (para os Guardas) – Tirem as algemas aos Réus (Os Guardas acatam) Está aberta a audiência.
OFICIAL – Por ordem do meritíssimo Juiz, declaro aberta a audiência.
JUIZ (para o Escrivão) – Identifique os Réus.
ESCRIVÃO (para Paulito, depois para Denílson) – Nome, idade e profissão…
Ouve-se muito barulho e confusão lá fora à porta do Tribunal. Os Magistrados vão ver o que se passa.
DICARIÃO (empurra a Alcinda pelo peito) – Aonde é que vais, sua nanprésta?
ALCINDA – Vou assistir ao julgamento.
DICARIÃO – Assistir o quê?! Tu pensas que isto é coisa da Joana? Vai mais é lavar os pés e calçar os sapatos.
BEBA – Senhor agente, não podemos ir assistir?
GIRINO – Fecha a fossa, língua preta!
A Beba treme de medo.
DJUCRUCO – Senhores Agentes, não é assim que se deve tratar uma senhora que vos pode parir com canhoto na boca.
DICARIÃO (dá ao Djucruco umas bastonadas) – E é o quê contigo? Seu atrevido, filho da mãe. Estás armado em quê? Delinquente!
Djucruco segura no cassetete, Girino dá-lhe um tiro numa perna e alguns para o ar. Dicarião liberta-se do Djucruco, dá-lhe ainda umas quantas bastonadas, um pontapé na bunda da Alcinda e bofetadas à Beba. Os magistrados assistem a tudo e voltam para os seus lugares.
ADVOGADA (muito nervosa) – Meritíssimo Dr. Juiz, na qualidade de Defesa, apraz-me requerer a imediata suspensão da audiência, por considerar-me despida de todas as condições morais ou anímicas para o prosseguimento da sessão. Requeiro a sua suspensão e o seu adiamento para qualquer dia que não seja hoje. Requeiro ainda que os meus constituintes sejam conduzidos à uma Unidade Clínica desta cidade, a fim de se efetuarem exames necessários, tais como: Robustez física, Psicotécnica, HIV, Sífilis, Hepatites, Tuberculose e alguns mais que o médico considerar pertinente o rasteio.
JUIZ – Meus senhores, o processo que este Tribunal vai julgar, é de extrema delicadeza e complexidade. Por isso é necessário que decorra num clima de tranquilidade, serenidade, dignidade e, mormente, da equidade. Posto isto, estou disposto a tomar as mais severas medidas, as mais firmes das posições para garantir a ordem, a segurança e a dignidade deste julgamento. O começo desta audiência agoirou um mau prenúncio, marcado por algumas paixões. Parafraseio-me, no entanto, um ilustríssimo Juiz do Processo de Pétain, em França, em 23 de Julho de 1945: Devo dizer que só conhecemos uma única paixão sob um triplo aspecto: a paixão da verdade, a paixão da justiça e a paixão do nosso país. E disse mais: …Peço ao público que se lembre que julgamos aqui um acusado… No nosso caso, dois acusados. …e que a história julgará, um dia, os próprios Juízes. É preciso que ela diga que a justiça foi serena… Dito isto, articulo o seguinte despacho: Defiro o requerimento apresentado pela Defesa, determino a suspensão da audiência que será retomado depois de amanhã pelas 9h00. Determino ainda que os Réus sejam conduzidos a uma Unidade Clínica do Hospital na cidade da Praia, a fim de serem observados clinicamente, conforme as solicitações da Defesa, constante do requerimento. Dispensa-se de vigilância policial ou da presença de Guarda Prisional, por questão meramente processual. A Defesa tem cinco dias úteis para apresentar o atestado médico que justifique este seu requerimento. Registe-se.
PROCURADOR – Protesto.
JUIZ – Qual o argumento?
PROCURADOR – O argumento consiste nos princípios da legalidade, da justiça e do direito. Absurdo se torna, nas primeiras horas de audiências, soltar dois criminosos de enormes e afiadas garras. Criminosos que, além de força, vontade e habilidade para cometer delitos, conseguem realizar efeitos colaterais e fazer com que outros se delinqúem. O caso flagrante, é o incidente de há pouco, em que duas velhas tentaram agredir as autoridades, com a ajuda de um outro delinquente que foi baleado pela Policia, o que evitou uma tragédia.
JUIZ – A Advogada, quer apresentar contra-argumentos?
ADVOGADA – O caso de há pouco será a seu tempo decidido na barra deste Tribunal e à luz do direito e das premissas consagradas na magna e universal Lei dos Direitos Humanos. Pois, trata-se duma sublevação que culminou com a detenção e condução de um ferido ao Hospital, o que pressupõe-se, obviamente, a realização de um julgamento no âmbito de um processo sumário e, só depois, estaremos autorizados a pronunciar-nos da culpabilidade ou da inocência dos sujeitos envolvidos. Portanto, mantenho de forma intacta, inalterável e irreversível o meu requerimento.
JUIZ – Despacho: Mantenho a decisão anterior. O Oficial de Diligências levará os dois Réus ao Hospital, onde vão permanecer, sem vigilância de qualquer agente de autoridade, tendo, apenas, o dever de comunicar ao Médico assistente das suas ausências. Serão submetidos aos exames descritos no requerimento apresentado pela Defesa. Depois de amanhã, um Oficial de Diligências irá buscá-los para a prossecução do julgamento. Podem receber as visitas sem restrições, devendo, apenas, acatar as normas hospitalares instituídas e vigentes. Está conforme.
CXXIX CENA
O Chefe está sentado a jogar Oril com um outro Polícia. Girino e Dicarião entram com a Beba e a Alcinda. Arrastam o Djucruco que está a sangrar numa perna.
CHEFE – O que se passa aqui?
GIRINO – Trouxemos uns insurretos… entre os quais está um ferido.
CHEFE – Um ferido?! Que tipo de ferimento?
DICARIÃO – Numa perna. Ele agrediu o agente Girino… o agente defendeu-se.
CHEFE – Passa-lhe uma guia de tratamento e traz-me para assinar. Depois, leva o bicho para o Hospital e fica lá com ele. Quando tiver alta trá-lo de novo para cá. E quem são os outros?
DICARIÃO – São duas velhas que foram fazer distúrbios à porta do Tribunal, quando decorria o julgamento daqueles dois conhecidos mata e furta… pai e filho.
CHEFE – Ah, sim? Sabes, elas estão habituadas a viver nas rochas no meio dos macacos, pensam que em qualquer sítio há macacos seus colegas. Leva-as para o calabouço e fecha-as na frigideira. Quando eu acabar de jogar vou tomar conta da ocorrência.
DICARIÃO – Também há um rapazinho no grupo. Fecho-o no calabouço ou ponho-o na rua?
CHEFE – Que idade é que ele tem? Aliás, o que é que ele fez?
DICARIÃO – Ele estava com elas. Penso que é filho de uma delas. (Para o rapazinho) Quantos anos tu tens, rapazinho?
Pedrinho olha para Alcinda, a chorar.
ALCINDA – Ele tem 10 anos.
CHEFE – Fecha as velhas e deixa o puto no quintal. Lá por volta das dez horas na noite põe-lhe na rua.
ALCINDA (chorando) – Mas o menino não conhece Praia, não tem aqui ninguém, não pode dormir sozinho na rua.
DICARIÃO – Cala a boca. Aqui a senhora só se ouve. Fala quando é autorizada.
CHEFE (dá uma gargalhada) – Dormir na rua sozinho?! Isto tem graça. Se há lugar onde nunca alguém está sozinho é na rua. Tantos bandidos que há por aí! Se há casa que ninguém assalta, é a dos bandidos. Eles estão sempre lá!
DICARIÃO (empurra as senhoras com violência e dá uma tapona ao Pedrinho) – Mexe-te, pelintra. Não ouviste o que é que o Chefe te disse?
CXXX CENA
Djucruco está com uma perna ligada, encostado à parede aguentado em duas muletas. Dicarião passa por ele, pega-lhe nos órgãos genitais e suspende-o do chão. Girino ri-se enquanto as senhoras choram. São-lhe entregue os espólios.
BEBA (verifica a carteira) – Eu tinha 20 contos na carteira e não estão cá.
ALCINDA (verifica a dela) – Também tinha 25 contos, a carteira está vazia.
DICARIÃO – Está a ouvir, Chefe? Isto é calúnia e difamação à Polícia.
CHEFE – As senhoras estão a mentir, para difamar a instituição que eu dirijo?!
DICARIÃO – Chefe, isto não pode ficar assim. Isto é piratice por parte delas. Onde é que essas velhas têm 25 contos para pôr na carteira.
CHEFE – Há coisa que nem dá para acreditar quanto mais para investigar.
BEBA – Mas Chef…
GIRINO (ameaçador) – Bicoaite! Não viste que o Chefe está a falar?
Beba cala-se, e todas ficam visivelmente com medo. O Chefe acaba de escrever à máquina, tira uma folha de papel e entrega ao Girino.
CHEFE – Girino, toma aqui o Auto de Notícias e vai com os detidos apresentá-los ao Tribunal. Já está aqui tudo o que se passou ontem, mais a calúnia que elas insurgiram contra vocês, quer dizer, contra o Estado.
Saem na rua aos empurrões e choros.
CXXXI CENA
Os arguidos estão sentados num banco. O Juiz tem três dossiês a frente. Distribui um para o Procurador, fica com um para si e um na mão sem dono.
JUIZ – Senhor Oficial, onde está o Advogado da Defesa?
PROCURADOR – Não precisam de Advogados…
JUIZ – Não precisam de Advogados, porquê?
PROCURADOR – Trata-se de um processo sumário… de natureza correcional… não é obrigatório a presença de Advogado.
JUIZ – Não é obrigatório, mas também não é proibido. Pois, não?
PROCURADOR – Proibido não é… mas não faz parte do nosso hábito.
JUIZ – À luz do Direito, tudo o que não é proibido pode ser autorizado. Quando não existe Lei, não pode haver crime. E de acordo com a nossa Lei-Mãe, ou seja, a Constituição da República de Cabo Verde, corroborada com as subscritas nas Convenções Internacionais que salvaguardam os Direitos Humanos, todo o cidadão tem direito a ser representado por um Advogado.
PROCURADOR – Mas nós aqui não funcionamos assim. Só exigimos a presença de Advogados nos processos querelas.
JUIZ (abre a Constituição e lê) – O artigo 34º da Constituição da República diz o seguinte: Ponto nº 2. Todos os arguidos têm direito de escolher livremente o Advogado para o assistir em todos os atos do processo; Ponto nº 3. Aquele cujo dinheiro ou valor não tem para pagar Advogado, deve haver um instituto que o ajude; Ponto nº 5. Não se pode violar o Direito do Arguido num processo-crime, nomeadamente o Direito de ser ouvido e representado por um Advogado.
PROCURADOR – Nós aqui não nos preocupamos com a Constituição da República. Eu nem sabia se isto estava ali escrito. A Constituição aplica-se nas questões políticas. Neste caso presente aplica-se o Código Penal e o Código do Processo Penal.
JUIZ – Lamento, sinceramente, essa sua desfaçatez, senhor Procurador. Estamos a julgar pessoas, ou melhor, a fazer Justiça. E o cumprimento das leis da República é fulcral na aplicação da Justiça. Portanto, nos termos do artigo 34º que acabei de citar, sob pena de inconstitucionalidade material do ato, o julgamento fica suspenso e adiado até que os Arguidos constituam ou, até que aos Arguidos sejam constituídos Advogado para os defender.
DRA. ROSÁRIA (levanta-se da plateia, de onde está sentada ao lado da Dra. Mónica) – Meritíssimo Juiz, se sua excelência me permita, ofereço voluntária e de forma gratuita para defender os Arguidos.
JUIZ – Faça, então, o favor de se aproximar.
DRA. ROSÁRIA – Obrigada.
Ela abre a mala, tira a beca e veste. Vai ocupar o seu lugar na tribuna, depois de cumprimentar o Juiz, o Procurador, o Escrivão e o Oficial de Diligências. O Juiz manda entregar-lhe o dossiê.
JUIZ – Documento de identificação e de acreditação da Dr.ª no I. P. A. J. (Ela dá ao Juiz o B. I. e o Cartão do I. P. A. J. O Juiz entrega ao Oficial e este os entrega ao Escrivão) Registe os dados da Defesa. (Escrivão faz com a cabeça que já está) A Defesa quer introduzir alguma observação?
DRA. ROSÁRIA – Requeiro uma pausa de, pelo menos, duas horas, de forma a permitir-me ler o processo, organizar testemunhas e preparar a defesa.
JUIZ – Requerimento deferido. O Julgamento fica suspenso e será retomado no período da tarde, às 14h30 minutos.
Todos saem.
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