LVIII CENA
Avelino traz vestido um casaco grande e, à cabeça, um chapéu de palha de aba larga. Sentado em cima de um banco, tece fios de sisal enquanto o filho Vito manuseia uma toral para fazer corda. Em cima da janela e atrás do Avelino, um rádio grande emite relato de um jogo de futebol. Nhu Seis vem a passar, tira um rádio pequeno do bolso, sintoniza-o no mesmo canal, sobe o volume ao máximo, deixa-o em cima da janela e leva o grande. Facto consumado, Vito levanta a cara e vê um rádio pequenino no lugar onde estaria o grande.
VITO – Pai, o nosso rádio já virou pequenino!
AVELINO (Admirado) – O quê? (Olha para a janela) Quem trocou o meu rádio?
VITO – Eu não vi ninguém passar por aí.
AVELINO – Achas que o rádio ia ficar pequenino sozinho?!
VITO – Pode ter sido por magia, pai.
AVELINO (pensa um pouco) – Já sei. Está na moda roubar rádios aqui e irem vendê-los nas outras ilhas. Vou já ao Aeroporto. (Para o Vito) Vai dizer a tua mãe para vir ajudar-te a arrumar as coisas. Vou mudar de roupa e vou ao aeroporto.
Nervoso, entra em casa.
LIX CENA
Nhu Seis está sentado na sala de embarque do Aeroporto, com o rádio à sua frente. Ele não reconhece o Avelino que chega com traje diferente e senta-se ao lado dele.
AVELINO – Boa noite, rapaz-novo.
NHU SEIS – Boa noite.
AVELINO (para um pouco, olha para o rádio) – Este rádio é muito bom.
NHU SEIS – Pois, é. Já o tenho há algum tempo, não tenho razões de queixa.
AVELINO – Também tenho um igual a este. Pena é que o meu queimou o transformador há dias.
NHU SEIS – Isto às vezes acontece. Mas é um bom rádio, não é?
AVELINO – Então não é?! Tanto que se eu encontrar um igual não me hesitaria em comprá-lo.
NHU SEIS – Se o senhor quiser eu vendo-lhe este. Tenho um outro que o meu pai mandou-me há dias do estrangeiro.
AVELINO – Estás a falar a sério, rapaz?
NHU SEIS – Nunca falei tão a sério como estou a falar agora.
AVELINO – Quanto é que estás a pedir?
NHU SEIS – Seis mil escudos.
AVELINO – Não aceitas cinco?
NHU SEIS – Cinco contos?! Nem pensar!
Avelino fica um pouco nervoso. Passa por perto um polícia.
AVELINO – Sr. Guarda, faz favor. (O Polícia olha para ele) Este rádio aqui, que este rapaz tem é meu. Ele roubou-mo há bocado, em cima da minha janela.
NHU SEIS – Como é que o rádio é seu? Você quer brincar comigo ou quê?
AVELINO – É meu, senhor Guarda. Ele mo roubou há bocado.
NHU SEIS – Como é que você prova que é seu? A fábrica que o fez só fez este?
POLÍCIA – Ele tem razão, senhor. Como é que você pode ter a certeza de que o seu rádio é este?
AVELINO – Tenho a certeza, senhor Guarda. Tenho certeza absoluta.
NHU SEIS – Eu também tenho a certeza absoluta que é meu.
POLÍCIA – Senhor…
AVELINO – Senhor Avelino.
POLÍCIA – Sr. Avelino, neste caso não sei como fazer. É a palavra dele contra a sua.
AVELINO – Senhor Guarda, dentro do meu rádio tenho 17 contos guardados.
POLÍCIA (apanha o rádio) – Vamos abri-lo?
AVELINO – Vamos!
NHU SEIS – O meu rádio não vai ser aberto!
POLÍCIA – E se os 17 contos não estiverem dentro do rádio?
AVELINO – Dou-lhe, a ele, mais 17 contos. (Tira um maço de notas, conta 17 contos e entrega ao polícia) Aqui estão. Se não encontrar 17 contos lá dentro, dá-lhe este dinheiro e fecha-me na Cadeia.
NHU SEIS – Eu não preciso dos seus 17 contos. Quero o que é meu… o meu rádio.
POLICIA – Diz-se que quem não deve não teme. Se tu sabes que o rádio é teu e que lá dentro não estão os 17 contos… porque recusas que o abramos?
NHU SEIS – Eu não quero. O rádio é meu e tchau!
POLICIA – Preciso de uma chave de fenda.
AVELINO (tira uma do bolso) – Tenho aqui uma.
NHU SEIS (tenta retirar o rádio ao Polícia) – Ninguém vai abrir o meu rádio.
POLÍCIA (zangado, dá-lhe palmada na mão, abre o rádio e lá dentro estão 17 contos) – Como é que o senhor se chama?
NHU SEIS – JOSÉ.
POLÍCIA – E agora, Sr. José Rádio? Aqui estão os 17 contos.
NHU SEIS (irritado) – Eu não me chamo José Rádio. O meu nome é José.
POLÍCIA – Ok, José Rádio, o senhor está preso.
Polícia algema-o e leva-o para a Esquadra.
LX CENA
No pátio de recreio de um estabelecimento prisional. Nhu Seis cumprimenta a rapaziada e as suas visitas. Pousa o seu banquinho e senta-se.
DJUCRUCO – O que aconteceu? Que macaco é que morreu por cair da rocha?
NHU SEIS – Porquê?
DJUCRUCO – Tu nunca vens preso!
PAULITO – É verdade, Nhu Seis. Só pode ser grande azar para vires parar aqui.
FORÇUDO – Deve ser que o Djabakozo que lhe fazia guarda já morreu.
PAULITO – Quando é que chegaste?
NHU SEIS – Há uma semana.
FORÇUDO – Então estavas onde?
NHU SEIS – Levaram-me diretamente para o Segredo.
PAULITO – Porque?
NHU SEIS – Mandei um Guarda para ir levar naquela parte…
DUCO – E quanto é que apanhaste?
NHU SEIS – Vim ainda preventivo.
DJUCRUCO – E o que é que fizeste?
NHU SEIS (gagueja-se) – Estava numa paródia, saí para ir fazer xixi, com a bebedeira que estava pousei o meu rádio ao lado de um outro e levei trocado.
BEBA – Levaste o rádio trocado por engano?
NHU SEIS – Sim. Foi por engano. Tinha cabeça de bebedeira, nem reparei que rádio eu tinha apanhado.
BEBA – Não te vão dar muita cadeia. O Juiz há-de perceber que apanhaste o rádio por engano.
DUCO – Aquele juiz?!!! Eu não fiz nada, ele juiz deu-me 10 anos! (Para Duco) E tu sabes que eu não fiz nada. Estavas lá.
BEBA – Ainda falta-te muito?
DUCO – Faltam dois anos e tal.
BEBA – Já estás quase a sair.
RABOLINA – Dois anos e tal ainda, Beba?!
BEBA – Ao Paulito faltam ainda quase 8 anos, Rabolina. Deram-lhe 15!
NHU SEIS – Não podem sair ao meio da pena?
DUCO – Eu já meti os papéis há dois anos e tal mas ainda não me chamaram.
NHU SEIS – Quanto é que te deram?
DJUCRUCO – Só o Paulito é que apanhou 15 anos. A nós deram-nos 10 anos.
PATRIK – É verdade, Nhu Seis; com que nome vieste? (Nhu Seis faz um sorriso malandro) Temos que saber para não te tramarmos. Aqui dentro o teu nome tem que ser esse.
NHU SEIS (continua a sorrir) – José.
Ato contínuo, o Guarda Rui vem passar por perto.
GUARDA RUI – Olá, José Rádio?
NHU SEIS – Eu não me chamo José Rádio.
Todos se riem e o Rui vai-se embora.
DJUCRUCO – Acho melhor assumires esse nome, de que venham a descobrir que o teu verdadeiro nome é Arlindo Mendes Correia.
GUARDA RUI (volta de novo) – José Rádio, o Sr. Diretor quer falar contigo.
Nhu Seis levanta e acompanha o Guarda Rui. O sino toca para o término da visita.
LXI CENA
Beluca é uma jovem de 23 anos de idade e que veio repatriada dos Estados Unidos da América. Punoi, filho mais novo da Bia e do Paulito, tem agora 14 anos. Envereda-se pela marginalidade e é altamente violento e perigoso. São namorados, ele e a Beluca. Os dois constituem um perigo terrífico para a sociedade, uma ameaça à paz e à tranquilidade. Entram num bar e sentam-se a uma mesa, pedem dois Whiskeys com gelo e vão fumando cigarros. Pirex e Verguinhas entram e encostam-se ao balcão. Verguinhas traz fato e gravata, Pirex enverga uma balalaica.
VERGUINHAS (para Empregada) – Uma cerveja para mim e um grogue para o Pirex.
Verguinhas está distraído a olhar para o rabo da Empregada, Pirex apanha a cerveja e bebe.
PIREX – Está mesmo geladinha.
VERGUINHAS (estranhando-se) – Mas a cerveja era minha…
PIREX – Então para quem era o grogue?
VERGUINHAS – Para ti.
PIREX – Para mim?! Quem te disse que eu queria grogue?
VERGUINHAS – Pensei que ias beber grogue…
PIREX – E pensaste assim porquê?
VERGUINHAS (para Empregada) – Oh minha senhora…
EMPREGADA (sentindo-se ofendida) – Peço desculpa, mas eu não sou sua senhora.
PIREX (em tom de reprimenda) – Estás a ver?
VERGUINHAS – Desculpe-me.
EMPREGADA – Sou uma menina. Uma menina decente, ainda virgem e honrada.
PIREX – Não sabes ficar quieto!
VERGUINHAS – Desculpe-me, menina.
EMPREGADA – Está desculpado. O que é que deseja?
VERGUINHAS – Traga mais uma cervejinha fresca. (Para Pirex) Como só tens 150 contos no banco…
PIREX – Porque não sou ladrão.
VERGUINHAS – Não sei se é por não seres ladrão ou por descuido. Ou por te ter apanhado nsodado.
PIREX – Olha que me estás a ofender.
VERGUINHAS – Peço desculpa. Não sabia que te podia ofender dizendo a verdade. Desculpa-me.
PIREX – Pródigo… oportunista.
VERGUINHAS – Porque dizes isso?
PIREX – Eras o meu braço direito… confiava tanto em ti!
VERGUINHAS – E fui sempre fiel contigo.
PIREX – Foste sempre um fel, sim.
VERGUINHAS – Explica lá isso melhor, que não estou entendendo.
PIREX – Não estás a entender porque és aquilo que sempre foste. Traiçoeiro e disfarçado.
VERGUINHAS – Eu?! Tens provas disso?
PIREX – Provas são aquelas eleições. Por que é que me foste desafiar?
VERGUINHAS – Não foste tu que deste abertura? Eu simplesmente concorri na qualidade de um cidadão da boa categoria.
PIREX – Cidadão da boa categoria!!! Sem vergonha! E fica sabendo que eu não dei abertura nenhuma.
VERGUINHAS – Não deste abertura?! Então deste, foi o quê?
PIREX – Fingi para tentar acalmar a Comunidade Internacional que não parava de falar da minha vida. E entretanto, surgiste logo a chamar-me um monte de nomes.
VERGUINHAS – É a vida, Pirex! Ou melhor: é a política!
PIREX – Então é por isso que fizeste uma data de leis, paguei-te balúrdios, depois vieste acusar-me de ditador e carrasco por tê-las executadas?
VERGUINHAS – Estás a falar de que leis?
PIREX – Primeiro, do artigo 4º da Constituição que dizia: O Partido é a força política, dirigente do Estado e da Sociedade.
VERGUINHAS – E achas que o culpado fui eu?
PIREX – Não fizeste parte da comissão que elaborou o texto?
VERGUINHAS – Fiz parte. Não era eu sozinho.
PIREX – E por que não questionaste que esse artigo era perigoso?
VERGUINHAS – Tive medo se mandasses correr comigo da comissão. Eu estava lá para ganhar o meu guito. O meu dinheirinho.
PIREX – Materialista! Sem escrúpulo!
VERGUINHAS – Materialista não. Prudente.
PIREX – Depois, eu é que sou ladrão. E ficaram a desenhar a minha figura em todas as paredes, cagando dinheiro.
VERGUINHAS – Aquilo era só uma brincadeira para entreter a maltarada. Não viste como é que foi divertido? Foram os momentos únicos na nossa história.
PIREX – Questionaste e criticaste-me forte e feio sobre o funcionamento dos Tribunais e das Milícias Populares, entretanto, esqueceste de que foste o Porcariador-Geral da República.
VERGUINHAS – Porcariador, não senhor. Não admito. Fui Procurador. Mas quem criou os Tribunais e as Malícias Populares, à moda Comunista, foi o teu ministro de Justiça.
PIREX – E por que não disseste que a doutrina Comunista não era bem vista?
VERGUINHAS – Eu?! Para ser preso pelos teus Malicianos, julgado no meio da rua e levar choques nos meus tomatinhos?!
PIREX – Quem fez as leis e me aconselhou a retirar as terras aos seus donos?
VERGUINHAS – Estás a falar das leis daquela Reforma?
PIREX – Estou.
VERGUINHAS – Pagaste-me para as fazer.
PIREX – Falso!
VERGUINHAS – Mas não fui eu que mandei fazer o 31 de Agosto, nem que enviei militares à casa das pessoas altas horas da noite, levantá-las de suas camas sob pontapés e coronhadas de AK-M, G3 e AK-47.
PIREX – Por isso que em todas as campanhas me acusavas de torturar cidadãos…
VERGUINHAS – E era mentira?
PIREX – Claro que era mentira e ainda é.
VERGUINHAS – Então o outro que escreveu o livro A Tortura em Nome de Um Partido Só … também mentiu?
PIREX – Quem? O manculexo, despenteado e barbudo?
VERGUINHAS – Se é manculexo, despenteado ou barbudo não sei. Só sei que um dos torturados contou-lhe que, enquanto preso, deram-lhe água para beber, num balde onde havia feito cocó.
PIREX – Nunca fui Carcereiro e nem Guarda Prisional.
VERGUINHAS – Ainda bem que falaste nisso.
PIREX – Ainda bem porquê?
VERGUINHAS – O Carcereiro não era irmão de um ministro teu?
PIREX – Mas onde é que o camaraaaa… oh, desculpa. Onde é que tu estavas?
VERGUINHAS – Eu não podia fazer nada. Os teus cães farejavam à distância. E eram muitos e implacáveis. Não sabiam perdoar e tinham sempre razão nas suas ações. Não conheciam limites. Regiam pela força das armas e vangloriavam pelo brio do poder.
PIREX – Tu eras um deles. Embora, sabias mais era lamber-me as botas.
VERGUINHAS – Nisto até concordo contigo. Muitos que recusaram lamber-te as botas adormeceram antes do tempo.
PIREX – Dá-me uma única prova.
VERGUINHAS – O homem do funaná.
PIREX – Qual? Codé de Dona ou Caitaninho? De qualquer um deles gosto tanto!
VERGUINHAS – Da pa dodu! E o outro que era do teu governo?
PIREX – Qual? Do meu governo… que tocava gaita?!
VERGUINHAS – Não.
PIREX – Ah! Já sei de quem estás a falar. Sobre esse caso houve um suspeito e não pertencia ao meu Partido.
VERGUINHAS – Pobrezinho do Boxeirinho! Como não lhe era permitido lamber-te as botas… olha o que sofreu. Ficou demente por levar tanta porrada.
PIREX – Todos sabemos que não tenho nada a ver com essa morte.
VERGUINHAS – Não digas essa morte! O correto seria: esse assassinato monstruoso.
PIREX – O tribunal não conseguiu provar.
VERGUINHAS – Claro! Com uma Juíza nomeada por ti para realizar o julgamento!
PIREX – Podem dizer o que quiserem. Eu até gostava muito dele…
VERGUINHAS – Dele… quem?
PIREX – De quem estás a falar.
VERGUINHAS – Reinantinho?
PIREX – Sim.
VERGUINHAS – Vejo que o remorso continua a perturbar-te a consciência.
PIREX – A minha consciência está tranquila.
VERGUINHAS – Esta frase foi inventada por um ditador, sabias? Os ditadores nunca se sentem culpados. E alguns até se consideram heróis… e gabam-se.
PIREX – E o que é que querias dizer sobre a morte do homem do funaná?
VERGUINHAS – Sabes a causa da morte dele?
PIREX – Sei.
VERGUINHAS – Diz lá então honestamente, pelo menos só desta vez na vida.
PIREX – Morreu num acidente com o carro que conduzia.
VERGUINHAS – O carro, conduzia-o ele. Mas o acidente foi conduzido por outrem. Sabes por quê, ou por quem?
PIREX – Gostaria que tu soubesses.
VERGUINHAS – Pois, eu sei.
PIREX – Então ladra.
VERGUINHAS – Não ladro porque não sou cão. Vou é dizer.
PIREX – Desculpa-me se a verdade faz-te mossas.
VERGUINHAS – Ao meio tostão não se dá trocos. Pois, ouve: depois de afronta que o Marrasco passou, da humilhação e enxovalho que levou do teu ex-ministro no Palácio da Assembleia…
PIREX – Que eu saiba, o acidente ocorreu na rampa de Terra Branca, a seguir ao Luar. O que é que tem a ver com o meu ex-ministro… na Assembleia?
VERGUINHAS – Exatamente. Com pilhas de nervos que carregava, depois de enxovalhado e ter sido negado o direito de se defender; tendo sido já vítima algumas vezes dos teus algozes, preso e esmurraçado…
PIREX – Tens prova do que estás a dizer?
VERGUINHAS – Não o meteram na cadeia injustamente, só porque ele não permitiu que lhe surripiassem a gaita? Não lhe transferiram para Santo Antão, longe da família, por não colaborar com os vossos desmandos? Foi por isso que ele perdeu o controlo e capotou com o carro que conduzia. Em boa verdade, suspeita-se de que terá levado uma paulada na cabeça.
PIREX – Tenho que me acostumar com as tuas provocações infundadas.
VERGUINHAS – Para quem a vergonha não faz parte dos sentimentos, não consta do cardápio ético, ignora-se o que é a culpa. Todas as verdades que os desmascaram são provocações sem fundamentos.
PIREX – Houve sempre julgamentos… tanto no caso do Marrasco, no da Reforma ou no do Reinantinho. E por um tribunal em que eu não era Juiz.
VERGUINHAS – Não eras Juiz sentado na cátedra. Mas as tuas ordens é que ditavam todas as regras.
PIREX – Mesquinha mentira.
VERGUINHAS – Na tua ótica.
PIREX – Mas havia um Supremo que tinha competência para rever as sentenças.
VERGUINHAS – Pois, havia.
PIREX – Não o fez porquê? Concordou, entretanto, com as penas aplicadas. Lembras-te quem era o Presidente do Supremo?
VERGUINHAS – Sei lá! Só sei que não era eu.
PIREX – Que resposta esfarrapada! Mesmo de quem não tem argumentos.
VERGUINHAS – Não sei se o Supremo concordou com as sentenças ou se o seu presidente temeu dormir, tão cedo, um sono eterno.
PIREX – Porque é cobarde. Aliás, sempre o foi. Ele não é traiçoeiro novo e muito menos inocente. Sabias que fugiu da guerra quando lutávamos contra os colonialistas?
VERGUINHAS – Estás cheio de dores de cotovelo, não estás?
PIREX – Claro que estou.
VERGUINHAS – Porquê?
PIREX – Ele foi um dos que ao teu lado me golpeou. São todos oportunistas. Foram tão cruéis que até de casa onde eu morava me expulsaram sem dó nem piedade.
VERGUINHAS – Tiveste sorte não te cobrei a renda dos 15 anos que lá hospedaste. Apenas mandei desinquilinar-te.
PIREX – Cobrar-me renda porquê? A casa era tua?
VERGUINHAS – A casa era do Estado.
PIREX – E o Estado era teu pai? Deus pague o meu irmão que me deu agasalho. Senão dormia debaixo da ponte como um sem-abrigo… um menino de rua.
VERGUINHAS – E achas que uma pessoa que nem casa tem para morar, pode beber outra coisa que não grogue?
PIREX – Por isso é que só lá duraste dez anos. Foste corrido pior do que thug.
VERGUINHAS – Nada a ver. Quando saí fui para a minha casa e não para a do meu irmão. Sou rico e tenho a minha profissão: sou doutorado.
PIREX – Eu também tenho a minha profissão. Sou comandante. Ninguém mo tira.
VERGUINHAS (dá-lhe palmadas no ombro) – Acalma-te. Vou a casa de banho e já venho.
PIREX – Vai para o Inferno se quiseres. (Verguinhas começa a andar) Também já ninguém será despojado de casa. O meu glorioso Partido está a fazer casa para todos.
VERGUINHAS – Para todos os que são camaradas. (Dá gargalhada) Sempre foi assim.
Verguinhas entra na casa de banho.
BELUCA – Vamos gamar-lhes a carteira. Tu tiras a um e eu tiro ao outro. Tiramos o dinheiro e metemos a carteira de um no bolso do outro.
PUNOI – Yá! Vai ser um teatro entre eles. São dois palhaços.
BELUCA – Nas últimas eleições em que Pirex ganhou Verguinhas, o Diretor dos TACV agraciou ao meu irmão com um bilhete de avião e hotel tudo pago, por 30 dias na Boa Vista, por lhe ter dito que votou no Pirex.
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