
Ana Celina Pereira, gerente da empresa Hotel Porto São Miguel, Lda, denuncia “invasão” de um terreno que foi concessionado à pelo Instituto Marítimo Portuário (IMP), apontando o dedo à Câmara Municipal de São Miguel, que acusa de cumplicidade. Uma acusação contestada pelo presidente da autarquia, Herménio Fernandes.
A referida “invasão” do terreno denunciado por Ana Celina Pereira, sito em Achada Batalha, município de São Miguel, aconteceu (segundo as suas palavras) junto à antiga esquadra da Polícia Nacional. E, embora a empresária reconheça que o edifício não lhe pertence, o mesmo não acontece com o terreno circundante que integra a concessão do IMP.
A acusação de cumplicidade dirigida à autarquia, prende-se com o facto de, segundo Ana Celina, esta ter autorizado intervenções no terreno a um irmão do atual presidente que, no dia 12 de outubro deste ano, iniciou obras de escavação, de movimentação de terras e de construção no referido terreno.
A concessão do IMP, que remonta a 2015, tem um período de vigência de 50 anos e contempla a implantação no terreno de uma unidade hoteleira com 22 quartos, restaurante, esplanada, áreas de lazer e desportos náuticos, entre outras. O projeto encontra-se em avançada fase de implantação, com o espaço físico já edificado, faltando apenas alguns acabamentos, equipamentos e arranjos envolventes.
A Hotel Porto São Miguel, Lda é uma empresa familiar, cujos proprietários são Ana Celina Pereira e o marido, emigrante em Portugal. Para realizar o capital que lhes permitisse avançar com as obras tiveram de correr ao crédito bancário, num montante bastante elevado para uma empresa dessa dimensão.
Ana Celina tem todas as qualificações necessários para levar de vencida um empreendimento desta natureza. “Fiz gestão de empresas na Universidade de Santiago e formação na Escola de Hotelaria e Turismo”, diz a gerente. Terão sido as suas competências que “convenceram” o IMP a avançar com a concessão, mas também o que motivou a credibilidade do projeto junto da instituição bancária.
Caso está nas mãos da justiça
A “invasão” a que Ana Celina se refere suscitou já a entrada, no Tribunal Judicial da Comarca de São Miguel, de uma providência cautelar de embargo de obra contra António Celso Fernandes, o irmão do presidente da Câmara, que, como já referimos, iniciou em 12 de outubro último, obras de escavação, movimentação de terras dentro da área de terreno que é reivindicada pelos proprietários do projeto de implantação da unidade hoteleira.
Os fundamentos da providência cautelar fazem o registo histórico da concessão e dos percalços que se lhe seguiram, em particular a partir do momento em que o Ministério do Mar resolveu “meter a mão” em parte do terreno de 1.466 m² (metros quadrados), na zona do porto de pesca, em Achada Batalha, na cidade de Calheta, disponibilizados por um período de meio século à empresa Hotel Porto São Miguel, Lda.
O referido terreno está identificado no plano detalhado urbanístico da zona e, inclusive, sendo atestado pela planta de localização emitida pela Câmara Municipal de São Miguel.
A área de terreno, inicialmente concedida à empresa, foi mais tarde ampliada em 800 m², conforme decorre do um despacho, publicado no Boletim Oficial, com o n.º 50/2019 e data de 19 de junho, indicando expressamente que a ampliação integra a área concessionada.
Acontece que, recentemente, o Gabinete das Concessões do Ministério do Mar efetuou um levantamento topográfico, sem a presença da representante da concessionária, procurando reduzir a área concedida. E é este levantamento topográfico que está na origem dos factos verificado em 12 de outubro, com a “invasão” do terreno, segundo Ana Celina, “ilegalmente”.
O argumento da empresária parece ter substância legal, já que o levantamento se encontra em fase de reclamação e de recurso hierárquico, interposto pela empresa concessionária, e pendente de decisão competente.
Desde que iniciou, a partir de 2015, a concessão atribuída, a empresa de Ana Celinia Pereira não violou nenhuma das suas obrigações contratuais, pelo que continua a ser legítima detentora do direito de uso de propriedade.
Isto é, conforme refere a providência cautelar de embargo, a concessionária do terreno “tem exercido atos materiais e jurídicos próprios do titular do direito de uso e fruição, designadamente a limpeza e manutenção do terreno, a colocação de marcos delimitadores e sinalética identificativa da concessão, a realização de estudos técnicos e levantamentos topográficos, a promoção de obras preparatórias e de proteção da orla marítima, bem como a instalação de estruturas e a afetação da área às finalidades previstas no Contrato de Concessão, sem qualquer oposição de terceiros nem interrupção”. Isto é, segundo a concessionária, nenhuma razão justificaria o “fatiamento” do terreno e a sua entrega a terceiros.

Um ativo para a economia local
Numa altura em que tanto se fala da geração de emprego e de crescimento da economia, não é de somenos referir quais os impactos reais da abertura desta unidade hoteleira. Segundo a previsão de Ana Celina Pereira, o Hotel Porto São Miguel (que tem o mesmo nome da empresa concessionária) irá gerar “aproximadamente, 20 empregos diretos”, a que se juntam empregos indiretos ainda não contabilizáveis, como sejam os “decorrentes de fornecedores” que se preveem “maioritariamente” locais e nacionais. “Vamos recorrer a agricultores locais”, diz a empresária, avançando ainda o recurso à atividade piscatória local.
Ana Celina Pereira não tem nada de pessoal contra António Celso Fernandes e, inicialmente, nem sabia que ele é irmão do presidente da Câmara de São Miguel, no entanto, diz “não abrir mão” do que é seu por direito.
“É bom ver um jovem a investir no nosso concelho. Nós sabíamos que o edifício da esquadra da polícia não era nosso, não estamos a questionar a esquadra de polícia”, diz a empresária, acrescentando: “o que reivindicamos como nossa é a área envolvente do edifício”.
Ana Celina chegou a abordar António Fernandes, que lhe mostrou o projeto que tinha no telemóvel. “Disse-lhe que o projeto era lindo e ele disse-me que era um projeto feito pela Câmara Municipal”, diz a empresária que lhe terá referido: “o espaço, para além do edifício da esquadra da polícia, é a nossa área concessionária”. Mas, ainda segundo a empresária, Fernandes “disse que não, porque ele foi aprovar na Câmara Municipal”.
Arménio Fernandes nega qualquer ilegalidade
Convidado a pronunciar-se sobre a denúncia de Ana Celina Pereira, o presidente da Câmara Municipal de São Miguel, nega tudo, alegando que não há qualquer ilegalidade na conduta da autarquia.
“Antes de mais, cumpre-me informar que a matéria encontra-se encerrada, mediante despacho final do Ministério do Mar, entidade competente para tutelar as concessões e interpretar os limites de terreno do Domínio Público Marítimo. O despacho (…) confirma integralmente a posição da Câmara Municipal de São Miguel e refuta todas as alegações apresentadas pela Concessionária Hotel Porto São Miguel”, escreve o autarca aludindo à intervenção do ministério, contestada por Ana Celina Pereia e que aguarda decisão judicial.
Reportando-se às acusações da empresária, o autarca sustenta o seguinte: “As afirmações difundidas pela cidadã Ana Celina Pereira são completamente falsas, caluniosas e injuriosas, revelando uma clara motivação política e partidária, sem qualquer compromisso com a verdade ou com a responsabilidade pública. Trata-se de uma tentativa deliberada de perseguir politicamente a minha pessoa, linchar o meu bom nome e colocar em causa a credibilidade da Câmara Municipal de São Miguel, instituição que represento com integridade”, refere Herménio Fernandes.
Quanto à acusação de “invasão” de propriedade, reiterada pela empresária diz que o seu irmão é o legítimo proprietário dessa fração de terreno, decorrente da compra efetuada pelo próprio a um terceiro.
“Em julho de 2024, o cidadão António Celso Fernandes — meu irmão — adquiriu legalmente o imóvel ao seu legítimo proprietário, o Sr. Álvaro Rodrigues. A Câmara Municipal não interveio, direta ou indiretamente, nessa nem em qualquer transação entre privados”, escreve Herménio Fernandes, alegando ser “falsa” a alegação de invasão da área concessionada ao Hotel Porto São Miguel.
“Conforme prova documental e técnica — incluindo o levantamento topográfico oficial feito pelo Ministério do Mar — a área adquirida pelo Sr. António Celso Fernandes, não integra, não colide, não se aproxima sequer, da área concessionada ao Hotel Porto São Miguel. O novo empreendimento situa-se a mais de 200 metros lineares da área concessionada à empresa da Sra. Ana Celina Pereira”, escreve Herménio Fernandes, destacando que “a Câmara Municipal de São Miguel não vendeu, não venderá e jamais venderia qualquer metro quadrado pertencente ao Estado, ao Hotel Porto São Miguel ou a qualquer terceiro”,
Trata-se de versões diferentes: de um lado, a empresa Hotel Porto São Miguel, Lda; do outro, a Câmara Municipal. Uma divergência que, agora, terá de ser avaliada pelo tribunal e decidida a favor de uma das partes.
Santiago Magazine tentou, infrutiferamente, contactar com António Celso Fernandes, um dos visados na denúncia de Ana Celina Pereira. De todo o modo, estamos disponíveis para acolher a sua versão sobre os factos denunciados.
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