Socorrendo-se de meias verdades, PCA da RTC procura justificar o injustificável
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Socorrendo-se de meias verdades, PCA da RTC procura justificar o injustificável

Em declarações reproduzidas por um órgão de comunicação social no início desta semana, Karine Miranda tenta tirar proveito de uma decisão judicial que, ao contrário do que diz, não dá razão ao conselho de administração sobre o mérito do processo disciplinar contra a jornalista Dina Ferreira, que, aliás, ainda não foi julgado. A PCA não percebeu a diferença entre providência cautelar e processo principal, tendo-se socorrido de meias verdades para justificar um processo disciplinar que é injustificável à luz da razão e da própria lei. A este propósito, ouvimos um advogado e professor universitário.

Por ignorância, má-fé ou por ter sido mal aconselhada, a presidente do Conselho de Administração (CA) da Radiotelevisão Cabo-verdiana (RTC) prestou um desserviço à verdade em declarações reproduzidas pela Inforpress, na última segunda-feira, 01.

Karine Miranda comentava uma decisão do 2º Juízo do Trabalho do Tribunal Judicial da Comarca da Praia que julgou improcedente uma providência cautelar interposta pela diretora da Televisão de Cabo Verde (TCV), Bernardina (Dina) Ferreira, para que o tribunal suspendesse imediatamente a eficácia da sanção disciplinar de 45 dias e impondo manter o pagamento integral da remuneração que lhe havia sido, por arrasto, suspensa por igual período.

Ora, como é bom de se ver, a providência cautelar não foi interposta para contestar o mérito da sanção, antes para solicitar a suspensão da decisão por a requerente (Dina Ferreira) alegar estar em situação iminente de privação de sustento familiar.

A contestação da ação disciplinar é matéria para o processo principal que, aliás, deu entrada no tribunal na passada semana, sendo que o Conselho de Administração será agora (se é que já não foi) notificado para, no prazo de oito dias, poder contestar.

Decisão judicial não apreciou interferências do CA na esfera editorial da TCV

Nas declarações reproduzidas pela agência cabo-verdiana de notícias, onde se refere que Karine Miranda “rejeitou a ideia de que o caso esteja relacionado com alegadas tentativas de limitar a liberdade de imprensa, enfatizando que a decisão do juiz ao indeferir a providência cautelar solicitada pela diretora da TCV reforça essa leitura”, e, mais adiante sublinhar que “houve ‘muita desinformação à volta do assunto’ e que a decisão do tribunal vem provar que ‘não houve ilegalidade no processo’ e que nada tem a ver com as decisões da Agência Reguladora da Comunicação Social (ARC)”, a PCA da RTC está ela própria a promover a “desinformação” que alega.

Conforme se escreveu mais acima, a providência cautelar não foi interposta para contestar o mérito da sanção disciplinar, tão-pouco se esta limita a liberdade imprensa, por uma razão muito simples e clara: isso será apreciado na ação principal que ainda não foi julgada.

Recapitulando, para que não subsistam dúvidas: a providência cautelar apreciada pelo 2º Juízo do Trabalho do Tribunal Judicial da Comarca da Praia nada tem a ver com as interferências do CA na esfera editorial da TCV, aliás, já corretamente reprovadas pela ARC. O mérito da questão, vertido no processo principal ainda não foi julgado. Portanto, como sói dizer-se, “a procissão ainda vai no adro”, não sendo previsível que o caso seja julgado ainda este ano.

Os equívocos de Karine Miranda

Segundo o advogado e professor universitário João Silvestre Alvarenga, no caso em apreço, a PCA da RTC parece não ter percebido a diferença entre providência cautelar e processo principal, que são duas coisas completamente diferentes.

“A providência cautelar é um instrumento jurídico que serve para ‘acautelar um direito’, um direito que, eventualmente, possa estar ameaçado. E o tribunal, como é que decide em relação à providência cautelar? O tribunal, ao receber a providência cautelar, verifica alguns requisitos”, explica o jurista, acrescentando: “se a providência, aquele requerimento, apresentou os requisitos que - para o tribunal e, também, para a lei - devem estar presentes, é deferido”, mas, “se faltar algum dos requisitos, o tribunal indefere a providência” segundo a leitura do magistrado. “Eu não vi a petição inicial, mas o tribunal está dizendo que não foi demonstrado claramente o prejuízo neste caso”, sublinha o advogado.

A providência cautelar e a ação principal, ainda segundo João Silvestre Alvarenga, são coisas diferentes, porquanto, “na providência cautelar você não leva o processo disciplinar, a alegação da requerente é que foi prejudicada pela sanção disciplinar, mais concretamente, pela suspensão do pagamento de salário”.

Já na ação principal, “você começa questionando o processo disciplinar, dizendo que não poderia acontecer, porque aquilo que a requerente fez foi dentro do exercício dos seus direitos”, diz ainda o professor universitário.

Explicada a diferença entre providência cautelar e processo principal, parece evidente que Karine Miranda se socorreu de meias verdades para justificar um processo disciplinar que é injustificável à luz da razão e da lei.

Conselho de Administração estimula mal-estar na RTC

A propósito da notícia da Inforpress com as declarações de Karine Miranda, gerou-se um novo foco de mal-estar na RTC. É que os trabalhadores foram apanhados de surpresa com a partilha da notícia, na página oficial da radiotelevisão pública no Facebook, cuja responsabilidade é imputada a Vítor Varela, administrador que tutela a área técnica. Um facto inusitado que, segundo as nossas fontes, nunca tinha ocorrido.

“Não é normal um órgão de comunicação social partilhar nas suas páginas oficiais notícias de outros meios, tratem-se de meios de comunicação públicos ou privados”, referem as nossas fontes, apontando, ainda, um aspeto mais grave.

Efetivamente, “a interferência da administração na página oficial, onde se publicam apenas conteúdos editoriais e que, obviamente, deve ser gerida por jornalistas, é mais uma prova cabal que as interferências nos conteúdos editoriais não são aspetos pontuais, antes um traço de conduta deste conselho de administração”.

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