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PAULITO (continuação – 10ª parte)
Cultura

PAULITO (continuação – 10ª parte)

LII CENA

Numa das ruas do concelho de Ribeira Grande em Santo Antão, Nhu Seis conversa com Osvaldina, uma jovem estudante do Liceu. Apresenta-se como Alex, filho de cabo-verdianos, nascido nos EUA.

NHU SEIS – Bom dia, senhorita. Véri gudi?

OSVALDINA – Bom dia. Você está bom?

NHU SEIS – Você me vai desculpar, ? Ai sou americano, meu pai endi minha mãe é cabo-verdiano, mas Ai nasce na América. Ai nunca conhecia Cabo Verde. Como Ai vem de rolidei… de férias, Ai quero um lugar para me hospedar por um mês, Ai pago sábi. A senhorita está a perceber-me?

OSVALDINA – Mais ou menos.

NHU SEIS – Então… tu relpi-mi?… Ajudas-me?

OSVALDINA – Posso levá-lo à casa de meus pais, você fala com eles, pode ser que lhe arranjem onde ficar e lhe dêem comida, você paga no fim do mês.

NHU SEIS – ! Camoni então.

OSVALDINA – Como é o nome do senhor?

NHU SEIS – Me chama Alex. Endi você, chama uoti?

OSVALDINA – O meu nome é Osvaldina, mas chamam-me Valdina.

NHU SEIS – Aqui é muito náici. Ai laiki muito daqui.

OSVALDINA – Mais bonito do que América?

NHU SEIS – América é maior e muito mais rico. Mas aqui é mais náici… mais biutiful. Me desculpa porque misturo inglês ku crioulo. É que me costuma ta spikita falar só inglês.

OSVALDINA – Não faz mal. Estou a entender-lhe. Você sabe: estou a estudar quinto ano do liceu.

NHU SEIS – Ok. estuda fáivemo ano?

OSVALDINA – Ies. (Comprometida, faz um sorriso) Você está a gostar de Cabo Verde?

NHU SEIS – . Gosto véri matchi. Ai gau, end Ai cami egen. Compreende? Ai vai e vem outra vez.

OSVALDINA – Ies, Ai anderstendi véri uél.

NHU SEIS – Você spiki inglês muito véri uél. Você uonti spikar uidi mi só na inglês?

OSVALDINA – Não quero. Eu não sei falar como o senhor. Você pode continuar a falar como está a falar, eu entendo.

NHU SEIS – Os cabo-verdianos dominam muito uél o inglês.

OSVALDINA – Mas eu não.

NHU SEIS – Viste como é que o vosso Farsti… o vosso Primeiro-ministro fala inglês? Donaldu Trampi zangou com ele no início, mas quando o titxer… o professor Piter Aleksander, de 60 anos de idade, deu aquelas aulas da linguística ao puto Sem Miolo Morrerá, o Trampi mudou di ideia e ficou a gostar novamente dos cabo-verdianos.

OSVALDINA – Mas eu ainda não sei falar muito bem o inglês.

NHU SEIS – Ok. Então vou fazer esforço para falar mais em crioulo para poderes ficar mais à vontade.

LIII CENA

Osvaldina e Nhu Seis encontram Nhu Miguel sozinho.

OSVALDINA – Dê-me bênção, pai.

NHU MIGUEL – Deus te acompanha e livre-te de todos os perigos deste mundo, minha filha.

NHU SEIS – Gudi mórningi. O míster está gudi?

Nhu Miguel fica pasmado a ver, hora para Osvaldina, hora para Nhu Seis sem responder.

OSVALDINA – Pai, ele cumprimentou você e perguntou se está tudo bem.

NHU MIGUEL – Desculpa-me meu filho. Não estava a perceber. Estou bom graças ao Nosso Senhor Deus. Fazem o favor de entrar. Valdina, manda-o entrar e sentar-se. Eu não estou a entender a língua dele!

Entram e Osvaldina manda Nhu Seis sentar-se.

OSVALDINA – Pai, onde é que a mamã foi?

NHU MIGUEL – Mariana foi ao milheiral buscar um pouco de feijão para vir cozinhar para o almoço. Precisavas dela?

OSVALDINA (para Nhu Seis) – Sente-se por favor. (Para Nhu Miguel) Pai, este senhor veio de América, mas ele não conhece ninguém por aqui. Ele veio passar férias e está a precisar de um lugar onde ele possa pagar e ficar.

NHU MIGUEL – Como é que vocês se conheceram?

OSVALDINA – Eu vinha da escola, em Varginha, quando o vi em pé ai perto. Ele tinha vindo da Ribeira Grande. Passei por ele, ele chamou-me e falou comigo. Então, o trouxe a Fajã de Barreira para vir falar com vocês.

NHU MIGUEL – Da minha parte não há problema. Mas diz-lhe para esperar que a Mariana chegue para sabermos a opinião dela.

OSVALDINA – Senhor Alex, o meu pai disse para esperar um bocadinho, até que a minha mãe chegue.

NHU SEIS – . Não tem problema. Ai ueitiAi espero. (Dá a Osvaldina uma pasta para Nhu Miguel guardar) Não te importes que teu fóder(Nhu Miguel faz uma cara como se acabara de ouvir palavrões) teu papi me guarda esta pasta?

OSVALDINA – Não há problema. O que é que você tem na pasta?

NHU SEIS – Muito dinheiro! Eu não conheço esta terra… não sei se por ai tem muitos Thugs… se dão caço-bode ou não!

OSVALDINA – Cabo Vede?!… Thugs estão por todos os lados. Quanto é que você tem aí?

NHU SEIS – Duzentos e tal contos. Mas a gente vai contar.

Espalha o dinheiro sobre a mesa e contam.

OSVALDINA – Pai, toma este dinheiro e vai guardá-lo. (Para Nhu Seis) Alex, você ficou com dinheiro para as suas necessidades?

NHU SEIS – Ai tenho mais dinheiro. Guarda isto.

NHU MIGUEL – Ainda bem que ele deu-me dinheiro para guardar. Podem dar-lhe caço bode… ele nem crioulo sabe falar direito para pedir socorro. (Com a pasta debaixo do braço) Valdina, o rapaz deve estar cheio de fome. Espera que eu vá ordenhar a cabra e trago leite, tu dás-lhe com farinha de prentém, para ele matar jejum.

OSVALDINA – Oh pai… você sabe se o senhor gosta de farinha de prentém com leite?

NHU MIGUEL – É verdade, Valdina. O rapaz é estrangeiro. Mas, mesmo assim, pergunta-lhe primeiro.

OSVALDINA – Alex, o pai mandou-me perguntar-lhe se quer comer um pouco de farinha de prentém com leite.

NHU SEIS – Farinha de prendam? Uoti isto?

OSVALDINA – Prentém é milho torrado. Se o moermos podemos comê-lo com leite.

NHU SEIS – Ah… isto é camoca!

NHU MIGUEL – É verdade, Valdina. Conheço um rapaz da Praia que chama farinha de prentém camoca.

NHU SEIS – Me gosta de camoca… de prendam.

OSVALDINA – Não é prendam que se diz, Alex. É prentémtém.

NHU SEIS (ri) – Também gosto de tenterém. De tenterém com leite dormido!

OSVALDINA – Tente… quê?!…

NHU SEIS – Rém. Ten-te-rém. Papa feita de camoca.

Dão uma risada, Nhu Miguel apanha boné e uma botija e sai. Nha Mariana chega, encontra Osvaldina a arrumar a casa, Nhu Seis na sala a fingir ler um livro inglês.

NHA MARIANA – Bom dia, minha filha. (Para Nhu Seis) Bom dia, senhor. (Osvaldina e Nhu Seis respondem ao mesmo tempo) Valdina, este senhor é teu novo professor que veio da Praia?

OSVALDINA – Não, mamã. Ele é americano. Chegou hoje. Ele encontrou-se comigo quando eu vinha da escola, perguntou-me se conhecia algum lugar onde ele pudesse ficar um mês e pagar. E como vocês costumam receber pessoas aqui em casa, eu trouxe-lhe.

NHA MARIANA – Já falaram com Miguel? Aonde ele foi?

OSVALDINA – Ele foi ordenhar cabra para Alex vir comer farinha de prentém com leite.

NHA MARIANA (faz um sorriso) – Americano a comer farinha de prentém de Cabo Verde?

NHU SEIS – Uoti ela disse?

OSVALDINA – Ela estranhou você a comer farinha de prentém de Cabo Verde.

NHU SEIS – Diz ela que Ai sou filho de cabo-verdianos. Ai… eu só nascer na América.

NHA MARIANA – Bem, Valdina, como não estou a entender a vossa língua podem ficar aqui a conversar enquanto Miguel chegue. Eu vou arranjar o almoço.

LIV CENA

Na mesa a comer.

NHA MARIANA – Valdina, pergunta-lhe se a comida está gostosa?

NHU SEIS – , muito sabe mesmo. Dona Mariana, a senhora pode falar uidi eu diretamente. Ai fala mariado, mas Ai percebe.

OSVALDINA – Mãe, ele disse que a comida está saborosa. E disse também, para você falar diretamente com ele, em vez de ficar a dizer-me para lhe transmitir.

NHU MIGUEL – Lex, amanhã você quer ir dar um passeio ao Porto Novo?

NHU SEIS – . Não tem problema. É véri far daqui, míster Miguel?

Nhu Miguel olha para Nhu Seis, depois para Osvaldina. Ela também não percebe, olha para Nhu Seis, depois para Nhu Miguel, e para Nhu Seis novamente.

OSVALDINA – Uoti?

NHU SEIS – Eu pergunta se é muito longe daqui.

OSVALDINA – Pai, ele perguntou se Porto Novo fica muito distante daqui?

NHU MIGUEL – Não. Deve ser uma hora de carro.

NHU SEIS – Ok. Una auar ofi di car.

OSVALDINA – Lex, Porto Novo é mesmo bonito. Lá não é como cá na Fajã de Barreira ou Boca de Coruja e Garça que não têm nada pra gente ver.

NHU SEIS – Gudi, míster Miguel. Sankiú véri matxi. É disto mesmo que Ai gosta.

OSVALDINA – Lex, agora conta a gente como é que é América.

NHU SEIS – América é náici… bonita. É véri rica, tem muito móni. Mas, Cabo Verde para passar férias é mais biutiful.

OSVALDINA – Como você vive lá, acha que cá é mais bonito.

NHU MIGUEL – Lex, quando você voltar para América, ajuda-nos a tirar Osvaldina daqui.

NHA MARIANA (repreensiva) – Miguel?!… Casta de conversa é esta?

NHU MIGUEL – Casta de conversa… o quê? Só porque falei com ele?…

NHA MARIANA – Com licença.

Levanta furiosa e os outros riem-se dela.

NHU SEIS – Míster Miguel, Ai… eu falo com o senhor na sério: esta sua filha tem futuro na América. Ela é véri iongi

NHU MIGUEL – Não, senhor Lex. Eu não quero que ela vá ficar com nenhuma Vera Yong. Quero que ela fique com senhor Lex. Ela não conhece japoneses… não sabe falar a língua deles…

OSVALDINA – Pai deixe-o acabar de falar. Yong não é japonês e Very não é Vera, nome de pessoa!

Nhu Miguel fica um pouco constrangido.

NHU SEIS – Míster Miguel, Ai estava a dizer que a sua filha é muito jovem, inteligente e bonita. Ela chega lá, arranja um boifrendi

NHU MIGUEL – O quê, Valdina? Que te vai arranjar um boi para botar-te a frente? Ele está a pensar ir pôr-te num trapiche a andar atrás do boi a pilar cana para fazer grogue? Se é para isso, não vais. Eu tenho boi e aqui há trapiches.

NHU SEIS – Uoti ele está a dizer?

OSVALDINA (comprometida) – Nada… nada. Ele não disse nada. (Para o pai) Pai, boifrendi é amigo, namorado. Não é pôr um boi a frente como aqui fazemos nos trapiches. (Nhu Miguel compromete-se novamente) Continua, senhor Lex.

NHU SEIS – … ela casa por lá e manda buscar você endi D. Mariana. Você endi D. Mariana chegam lá, não precisam trabalhar. O Estado dá vocês tudo.

OSVALDINA – Está a perceber, pai?

NHU MIGUEL – Não… só percebi ele a dizer que a Mariana anda até chegar lá… não deve ser daqui até chegar a América… a pé? A Mariana não aguenta e ela já nem tem sapatos.

OSVALDINA – Ele disse que você e mamã, chegando lá, não precisam de trabalhar porque o Estado dá-vos tudo.

Nhu Miguel arregala os olhos e abre a boca de espanto.

NHU SEIS – É verdade míster Miguel: por aqui as pessoas não gostam de embarcar? Não gostam de ir a América?

NHU MIGUEL – Aqui na Fajã de Barreira, desce Boca de Coruja, até Chã de Pedra… mesmo aqui em Santo Antão, todo o mundo tem graça de embarcar. Jeito e possibilidade é que lhes faltam.

NHU SEIS – Então amanhã quando a gente for dar aquele passeio, Ai telefona mai… meu pai, Ai fala uidi ele, se ele quiser, ele manda documentos da Fábrica dele, Ai levo algumas pessoas para trabalhar na Fábrica.

OSVALDINA – Senhor Lex, se você fizer uma coisa desta, povo inteiro lhe irá tratar como um Deus. (Nhu Seis faz um sorriso manhoso) Mas… não se esqueça de mim e levar-me também?

NHU SEIS – Claro que não. A menina é a primeira cabeça a ir, para que míster Miguel endi D. Mariana irem também.

NHU MIGUEL – Lex, se você arranjar maneira de levar Valdina, não me importava de vender um novilho e pagar-lhe a passagem.

NHU SEIS – Se mai fóder… meu pai aceitar, Osvaldina não vai pagar nada para ir. Ai é que pago tudo pra ela.

NHU MIGUEL (sai contente) – Dão-me licença por favor.

LV CENA

NHU SEIS – Míster Miguel, este lugar é muito cul. Tem um mar náici, muito blú.

OSVALDINA – Lex, é melhor você ir telefonar o seu pai daquela cabine ali, antes que você se esqueça.

NHU SEIS – Iá. Lets gau.

Nhu Seis entra numa cabine, finge que está a ligar e a falar com o pai. Osvaldina e Nhu Miguel ficam ansiosos a esperar fora da cabine. Nhu Seis sai contente.

NHU MIGUEL – Como é Lex? O seu pai e a sua mãe estão bons?

NHU SEIS – Estão tudo bons, gostaram da novidade e querem que Ai leva vinte pessoas para trabalhar na Fábrica.

OSVALDINA – Vinte pessoas?!

NHU SEIS – Míster Miguel, Ai não conhece esta terra como o Senhor. Laiki, míster Miguel está encarregado de arranjar pessoas para eu levar.

OSVALDINA – Ah… o pai é bom nestas coisas. Diga-lhe só com é que ele tem que dizer às pessoas. O que é que ele tem que pedir-lhes?

NHU SEIS (para Nhu Miguel) – Fala eles que Ai já falei com o meu papá na América, que ele quer que Ai leva vinte pessoas. Pede eles o passaporte e duas retratos.

NHU MIGUEL – Senhor Lex, assim que chegarmos na Ribeira Grande, arranjo essas pessoas todas.

OSVALDINA – Lex, quanto é que custa a passagem para América? Você sabe… se for muito caro…

NHU SEIS – Ai compreende. Aqui tem muita pobreza. Ai vou falar uidi meu pai, mas… míster Miguel, você pode pedir-lhes só a metade de móni

NHU MIGUEL (faz cruz na testa) – Valdina, metade demónio é o quê? Ele já disse blu… já disse cu… agora voltou a dizer demónio!…

OSVALDINA – Pai, ele disse metade do dinheiro. Você pensou que ele disse: metade de gongon?

NHU MIGUEL – Então não é o que ele disse?

OSVALDINA – Na América o dinheiro chama-se móni. Também não foi cu que ele disse. Foi cul, que quer dizer tranquilo, calmo, quieto, fixe, etc. Também blú, quer dizer azul. Ele disse que o mar daqui é azul.

NHU SEIS – Míster Miguel, Ai queria dizer dinheiro. Que eles pagam só uma metade de dinheiro de passagem e o resto Ai é que ponho. (Para Osvaldina) Faz uma lista com os nomes de todos eles. Põe o teu nome na primeira cabeça, mais vinte. Mas, míster Miguel, Osvaldina não vai pagar nada. Dela é tudo com eu… tudo uidi eu.

OSVALDINA – Pai, como ainda não tenho passaporte, vamos passar pelo Registo e peço uma Certidão de Nascimento.

NHU SEIS – Exatamente. Sem passaporte não podes embarcar. Já agora, a gente vai passar por uma Agência de Viagem e perguntar o preço de bilhete para América.

NHU MIGUEL – Vamos já.

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