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Os ‘donos’ disto tudo
Colunista

Os ‘donos’ disto tudo

Amadeu Oliveira está por estes dias diante de um pelotão de fuzilamento judicial apenas porque disse umas verdades e ter mostrado que a justiça não funciona em Cabo Verde. Resolveram então encarcerá-lo para o silenciar e cometerem esta barbárie em nome da lei, acaudilhada pelos suspeitos do costume: os juizes (os que são, claro) que Amadeu lhes diz na cara a sua estirpe; o Parlamento e os partidos do arco do poder (PAICV e MpD), que o desprezam porque terão também rabos de palha em matéria de Justiça e a sua necessária reforma; e o governo, sempre cínico e hipócrita quando se vê confrontado com casos de abusos de poder, laivos de tirania, resquícios coloniais, como parece estar a suceder com o advogado santantonense, que já acusa problemas de saúde.

Já dizia Max Webber que “o Estado é a entidade que detém o monopólio no uso legitimo da força”. Ora, O Estado nasce da premissa de trazer ordem e justiça para a sociedade, tema que Hobbes até explica de outro jeito: “O estado de natureza antecede o Estado”. Isto para demonstrar que mais do que as leis humanas existe a lei natural, isto é, a ética e a moral, enfim, ser justo ainda que não plasmado em papel.

Amadeu Oliveira terá cometido exageros, e admite-o, sem qualquer temor, porque seguro da sua verdade. Creio crer que Oliveira está a ser vítima de uso ilegítimo da força, um cristalino revanchismo porque despiu-lhes a veste hipócrita da justiça e deu flanco para ser castigado, humilhado, vilipendiado e atafulhado atrás de barras metálicas.

O Sistema, digo-o de viva voz, franze a testa, range os dentes para intimidar. Sei-o, vivo-o. E tem-no feito, para nosso desagrado e desconforto. Deixar de acreditar na justiça é deixar de acreditar no Estado de Direito. Neste país é fácil, porque, amiúde, o Direito não acompanha o Estado, ou melhor, o Estado não acompanha o Direito.

Amadeu Oliveira publicita o seu processo como se fosse o melhor dos homens. Se calhar é, mas não creio que ele pensa desse jeito. Seja o que for, a verdade manda dizer que o sistema judicial cabo-verdiano está caduco, enferrujado, desactualizado e desarticulado.

O argumento da juíza Circe Neves, que até eram próximos, me parece vingativo, como de resto se me afigura todo este processo kafkiano para silenciar Amadeu Oliveira, aumentando abusivamente sua prisão preventiva para mais quatro meses, como se fosssem os 'donos disto tudo'. Não ponho a minha mão no fogo a favor de Amadeu, entro com todo o corpo em prol de uma justiça efectivamente justa.

Amadeu não usou a sua condição de deputado para 'furtar' alguém. Não se esquivou da justiça, pelo contrário, entregou-se a ela (funcionando ou não) por dignidade pessoal, acredito, e respeito pelas leis da República. Amadeu está forçado a ser valente, bravo já o é, precisa sim de valentia para sair incólume da patifaria a que foi metida. Nós devemos isso a nós mesmos. Clamo à sociedade cabo-verdiana essa epifania.

O país parece viver sonolento, de cabeça baixa, enjaulado mentalmente e alimentado com água e farelo dos suspeitos do costume. Ora, é preciso picar esse porco que dorme, como escrevera Fernando Pessoa. Levanta, Cabo Verde!

 

 

 

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SOBRE O AUTOR

Hermínio Silves

Jornalista, repórter, diretor de Santiago Magazine