
O povo não está cego. Observa, comenta, sofre e aguarda. Sente que o país caminha sem direção, e que a liderança política se tornou prisioneira do próprio discurso. O governo já não governa: apenas espera. Espera pelo calendário eleitoral, espera pelo desfecho inevitável, espera pelo colapso que se anuncia com o peso da própria evidência. A queda pode não ter data marcada, mas é certa. E quando acontecer, não será silenciosa. Será estrondosa, como costumam ser as quedas de quem acreditou que podia enganar todos o tempo todo. Cabo Verde vive o crepúsculo de um poder que perdeu a alma, a coragem e o contacto com o país real.
Há sinais que, mesmo quando disfarçados por discursos ensaiados e gestos de encenação, não conseguem ser ocultados por muito tempo. O atual governo de Cabo Verde vive esse momento de exposição. O que até há pouco tempo se apresentava como um projeto sólido de estabilidade e competência administrativa hoje revela fissuras profundas, sintomas inequívocos de esgotamento e perda de direção. A retórica do controlo e da serenidade já não convence; a realidade do país, nas ilhas e nas ruas, contradiz o discurso do primeiro-ministro Ulisses Correia e Silva e expõe o estado de agonia de um governo que sobrevive por inércia e medo.
Nos bastidores do poder reina o desassossego. Ministros desmotivados, quadros a ponderar a saída antes do colapso e um primeiro-ministro que tenta em vão conter a desagregação interna. Há quem diga que o maior esforço de Ulisses Correia neste momento é o de manter a ilusão de normalidade, uma tarefa cada vez mais impossível diante da realidade que se impõe. O MPD, que outrora simbolizava a esperança de uma gestão moderna e reformista, transformou-se numa estrutura defensiva, dividida e incapaz de se reinventar.
A tentativa de reforçar o elenco governativo através do recrutamento de novos quadros tem sido recebida com recusas sucessivas. A recusa não é apenas pessoal, é simbólica. Ela traduz o sentimento generalizado de que o projeto político em vigor já não oferece horizonte. Muitos reconhecem que o barco está a afundar e que subir a bordo neste momento seria um suicídio político. É o reconhecimento tácito de que o ciclo de Ulisses Correia se aproxima do fim.
O episódio da ligação inter-ilhas, remendado com o aluguer de aviões de forma improvisada, tornou-se o retrato fiel da governação atual: uma sucessão de medidas paliativas que escondem a incapacidade estrutural de planear e executar políticas duradouras. O problema logístico transformou-se numa metáfora nacional. Uma ilha não comunica com a outra, como um governo que já não comunica com o seu povo.
A crise social que atinge São Vicente é o grito mais audível desse divórcio entre o poder e a realidade. A miséria saiu do anonimato e expôs-se nas praças públicas. Famílias sem apoio, jovens sem futuro e trabalhadores sem esperança são o retrato de uma sociedade que não acredita mais nas promessas. Enquanto isso, o governo prefere continuar a desfilar entre conferências, hotéis e estatísticas, fabricando uma narrativa de sucesso para consumo de organismos internacionais que pouco conhecem a dor do quotidiano cabo-verdiano.
A situação do sistema de saúde é uma ferida aberta. A falta de médicos, de materiais hospitalares e de condições mínimas obriga doentes a serem transferidos para o Senegal, num cenário de humilhação institucional. O Estado demitiu-se das suas responsabilidades, delegando nos emigrantes o papel de mecenas da sobrevivência nacional. A vinda apressada de médicos cubanos, é mais uma tentativa de encobrir a falência de políticas públicas que há muito deixaram de responder às necessidades básicas do cidadão.
A justiça, outrora vista como pilar da credibilidade democrática, tornou-se outro terreno de descrença. As vozes críticas são perseguidas, os jornalistas intimidados e os processos envolvendo figuras do poder acabam invariavelmente arquivados. O Ministério Público já não inspira confiança, e o cidadão comum percebe que a balança da justiça pende conforme a conveniência política. Essa corrosão moral mina o próprio alicerce da República e anuncia o esgotamento ético de quem governa.
A recente remodelação governamental, apresentada como ato de coragem e renovação, não passou de um expediente cosmético. Ulisses Correia, temendo o confronto interno, optou por um jogo de equilíbrios frágeis que apenas agravou as divisões dentro do MPD. O regresso de antigos quadros do PCD, agora posicionados em lugares estratégicos, criou ressentimentos e um clima de desconfiança generalizada. O partido, outrora coeso, é hoje um arquipélago de interesses e ambições em conflito permanente.
Nas autarquias, o ambiente é igualmente sufocante. As câmaras municipais que não pertencem ao partido do governo são isoladas e estranguladas administrativamente, revelando um exercício de poder mesquinho e centralizador que contradiz a narrativa de descentralização democrática. É o uso do Estado como instrumento partidário, um vício político que o tempo e a história não perdoarão.
O mais grave, porém, é o sentimento coletivo de desconfiança e resignação. O povo não está cego. Observa, comenta, sofre e aguarda. Sente que o país caminha sem direção, e que a liderança política se tornou prisioneira do próprio discurso. O governo já não governa: apenas espera. Espera pelo calendário eleitoral, espera pelo desfecho inevitável, espera pelo colapso que se anuncia com o peso da própria evidência.
A queda pode não ter data marcada, mas é certa. E quando acontecer, não será silenciosa. Será estrondosa, como costumam ser as quedas de quem acreditou que podia enganar todos o tempo todo. Cabo Verde vive o crepúsculo de um poder que perdeu a alma, a coragem e o contacto com o país real.
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Comentários
Casimiro Centeio, 28 de Out de 2025
Pois, sim, " o governo não governa.. está á espera.." Visto que, para morrer, o cadáver não precisa do visto no passaporte . Está morto antes do visto! Que Deus cuide dos vivos, desgovernados por esse desgoverno !!!!!!!!
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