O Ministério Público no Estado de Direito Democrático
Ponto de Vista

O Ministério Público no Estado de Direito Democrático

A Constituição da República não impede, em momento algum, o Parlamento de examinar casos decididos pelos tribunais, caso assim deseje. Contudo, é vedado, tanto ao Parlamento quanto a qualquer outro órgão estatal, descumprir, reverter ou anular decisões judiciais, o que não se aplica à presente Resolução do Parlamento. A invocação pelo Ministério Público de violação dos princípios da separação de poderes e independência dos tribunais é, no mínimo, falaciosa.

“O Ministério Público é uma parte diferente de todas as demais partes em um processo. Isso porque este guardião da ordem constitucional não tem interesse em condenar uma pessoa, mas sim em garantir a melhor aplicação da lei. E não há órgão mais interessado em saber a versão do réu, a veracidade das provas, a suficiência dos indícios, zelar pela regularidade das investigações do que o órgão que busca expandir a incidência dos valores constitucionais”

Anderson Lodetti de Oliveira [1]

Professor de Direito Penal e Processual Penal


Não encontraria melhor forma de começar este artigo, se não fizesse referência ao riquíssimo trecho do Professor de Direito Penal Anderson Oliveira, que usando de uma sapiência superior, descreve com invulgar clareza o valor e o papel do Ministério Público em uma Democracia Constitucional.

O enorme poder e responsabilidade atribuído ao Ministério Público faz recair sobre esse órgão a missão de defender os direitos dos cidadãos, a legalidade democrática, o interesse público, de forma autónoma e sem tutela de qualquer espécie.

A Constituição da República de Cabo Verde, movida desse mesmo espírito, atribui ao Ministério Público um relevante papel no sistema judicial cabo-verdiano, credenciando-o como uma das instâncias mais importantes de defesa dos direitos dos cidadãos e do interesse público, bem como o seu papel decisivo na realização da Justiça.

O presente artigo incide sobre o papel do Ministério Público em um Estado de Direito Democrático, e tem como principal motivação a recente iniciativa dessa entidade judiciária ao solicitar ao Tribunal Constitucional a fiscalização abstrata sucessiva da constitucionalidade da Resolução nº 188/X/2025 da Assembleia Nacional, que, no âmbito das suas competências constitucionais, instituiu uma Comissão Parlamentar de Inquérito para apurar possíveis irregularidades cometidas pelo ex-Deputado Amadeu Fortes Oliveira, no exercício de funções.

Segundo o Ministério Público, o pedido de fiscalização da constitucionalidade baseia-se no facto, segundo o qual, a Resolução nº 188/X/2025 viola o artigo 211º, nº 7 da Constituição, norma que estabelece que as decisões dos tribunais são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas, prevalecendo sobre outras autoridades.

O Ministério Público entende, ainda, que a Resolução que criou a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) é inconstitucional, porque viola os princípios da separação de poderes e independência dos tribunais.

O equívoco do Ministério Público

Ao analisar a Resolução nº 188/X/2025, em especial o seu objeto, observa-se que ela incide sobre os seguintes aspetos: (i) avaliar se o Deputado Amadeu Oliveira excedeu seus direitos, poderes e funções ao ajudar um constituinte a sair do país, violando deveres funcionais (ii) examinar a gravidade dessas possíveis violações e se houve quebra do compromisso previsto no artigo 89.º do Regimento da Assembleia Nacional (iii) verificar de que forma e com qual impacto essas eventuais violações afetaram o funcionamento dos órgãos do Estado ou da Administração Pública.

Do mesmo modo, ao debruçar-se sobre o âmbito da CPI verifica-se que ela pretende investigar todos os atos, omissões e condutas do Deputado Amadeu Fortes Oliveira entre maio e julho de 2021, especialmente no contexto da saída do seu constituinte do país em 27 de junho de 2021, procurando saber (i) se o Deputado agiu como parlamentar ou advogado (ii) se houve abuso de direitos, estatuto, competências ou violação de deveres funcionais (iii) a gravidade de eventuais abusos ou violações (iv) o impacto dessas ações no funcionamento de órgãos estatais, administrativos ou privados.

O Artigo 147.º da Constituição confere à Assembleia Nacional competência para criar Comissões Eventuais e de Inquérito com poderes para analisar atos do Governo, Administração Pública ou para outros fins especificamente determinados. As Comissões de Inquérito podem solicitar informações completas da parte de qualquer órgão ou serviço do Estado, exceto quando se trata de matérias em segredo de Estado ou de justiça.

O Artigo 287.º do Regimento da Assembleia Nacional retoma as restrições constitucionais quando proíbe inquéritos parlamentares sobre pessoas, organizações privadas e factos que constituam matéria de processo pendente em juízo ou relacionados à segurança do Estado.

O artigo 6º do Regime Jurídico dos Inquéritos Parlamentares, Lei nº 110/V/99, regula a tramitação do processo de criação da CPI e estabelece que (i) o Presidente da Assembleia Nacional comunicará ao Procurador-Geral da República a decisão ou requerimento para abertura de inquérito; (ii) o Procurador-Geral informará se há processo criminal sobre os factos investigados e em que fase se encontra; (iii) caso exista processo criminal com despacho de pronúncia, o projeto não poderá ser votado e, havendo inquérito parlamentar, suas funções ficam suspensas até decisão judicial final.

Chegado a este ponto, algumas questões já podem ser colocadas:

A Resolução nº 188/X/2025 viola o artigo 211º, nº 7, da Constituição, que estabelece que as decisões dos tribunais são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas?

Ou, a resolução que cria a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) pode ser considerada inconstitucional por desrespeitar os princípios de separação de poderes e independência dos tribunais?

A resposta é taxativamente não, quer em um e em outro caso.

A Constituição da República, como se pode depreender do seu Artigo 147.º, apenas restringe a intervenção de uma CPI em duas situações concretas: a de matérias que constituem segredo de Estado e as concernentes aos processos em segredo de justiça.

O Artigo 287º do Regimento da Assembleia Nacional amplia as restrições, abrangendo também pessoas e organizações privadas. Fora essas limitações devidamente descritas, não existem outras restrições à realização de inquéritos parlamentares no ordenamento jurídico cabo-verdiano.

Para salvaguardar situações em tramitação judicial ou em segredo de Justiça, a lei exige consulta prévia à Procuradoria-Geral da República, com o objetivo de obter informações sobre se o assunto do inquérito parlamentar está sob investigação judicial ou protegido por segredo de Justiça.

A Constituição da República não impede, em momento algum, o Parlamento de examinar casos decididos pelos tribunais, caso assim deseje. Contudo, é vedado tanto ao Parlamento quanto a qualquer outro órgão estatal descumprir, reverter ou anular decisões judiciais, o que não se aplica à presente Resolução.

Invocação do Ministério Público é, no mínimo, falaciosa

A invocação pelo Ministério Público de violação dos princípios da separação de poderes e independência dos tribunais é, no mínimo, falaciosa. Essa afirmação só seria verdadeira, se a CPI tivesse como objetivo suspender, reverter ou anular a decisão judicial no âmbito de inquérito, o que, manifestamente, não é o caso.

A Resolução nº 188/X/2025, conforme se depreende do teor do seu objeto e âmbito, não tem como escopo a análise de processos judiciais ou os processos em segredo de Justiça, nem tão-pouco procura interferir nas decisões judiciais transitadas em julgado, e, muito menos, visa a reversão de qualquer decisão das instâncias judiciais.

Embora o Ministério Público tenha legitimidade para requerer a fiscalização abstrata sucessiva da constitucionalidade de um diploma que suscite dúvidas de constitucionalidade, no caso presente, parece ter havido alguma precipitação no desencadear do processo, tendo em conta que conteúdo material da Resolução em causa, nada tem a ver com os fundamentos apresentados no requerimento do pedido de fiscalização da constitucionalidade que parece mais preocupado com “pretensas intenções não declaradas da CPI” do que com a realidade factual do conteúdo da resolução.  

A questão de fundo que o Ministério Público não considerou devidamente, é que ainda que a CPI viesse a chegar à conclusão de que o ex-deputado agiu como advogado e não como deputado, ou que não identificou práticas que consubstanciassem abuso de direitos, de estatuto, de competências ou de violação de deveres funcionais, ainda que a CPI chegasse a tais conclusões, elas não implicariam ou não determinariam a reversão da decisão judicial, porque isso, a acontecer, aí sim, seria a violação do sagrado princípio de separação dos poderes.

No entanto, eventuais conclusões da CPI que fossem no sentido de que o ex-deputado agiu como advogado, ou que não identificou práticas que consubstanciassem abuso de direitos, de estatuto, de competências ou de violação de deveres funcionais, poderiam deixar muito mal na fotografia os que arquitetaram, orquestraram e executaram a condenação de uma pessoa, cujo processo contém várias ilegalidades ou, pior ainda, que foi acusada e condenada por um crime sem provas ou com provas que não têm nada a ver com o crime imputado e pelo qual foi condenada.

Respeito escrupuloso pelas garantias constitucionais

Conclusões com estas caraterísticas poderiam levar a CPI a recomendar ao Parlamento a adoção de medidas legislativas adequadas, com soluções que evitariam que situações semelhantes viessem a acontecer no futuro. Afinal, os deputados são titulares de um órgão de soberania, e como tal merecem ser tratados com dignidade, impondo às autoridades competentes o respeito escrupuloso pelas garantias constitucionais e legais que o exercício das suas funções acarreta.  

Ora, esse é um cenário que muito provavelmente poderá vir a resultar da iniciativa dos deputados em criar uma CPI.

Se alguém fizer uma leitura atenta e sem reserva mental do conteúdo relativo ao objeto e âmbito da resolução, esta define claramente o campo da sua intervenção, tornando-se difícil identificar ou vislumbrar qualquer deriva para terrenos que a Constituição não permite à realização de uma CPI.

Deve-se, entretanto, sublinhar que as medidas legislativas, que o Parlamento poderá vir a adotar, terão sempre a aplicação para o futuro e nunca para o passado, e deverão nortear-se por princípios gerais e abstratos e não delimitadas às incidências casuísticas.  

Por isso, mal se entende essa “correria” do Ministério Público em solicitar não só a fiscalização abstrata sucessiva da constitucionalidade da Resolução nº 188/X/2025 da Assembleia Nacional, como ainda em requerer a suspensão da eficácia da Resolução até à decisão sobre o mérito do recurso, quando o Ministério Público sabe que os fundamentos que sustentam o seu pedido, pouco ou nada têm a ver com o conteúdo concreto da referida resolução.

Considerando a postura anterior do Ministério Público no processo Amadeu Oliveira, parece que a sua “preocupação” maior com a realização da CPI não se circunscreve e nem é ditada pela questão da constitucionalidade ou legalidade da Resolução, antes parece que o que desassossega o Ministério o Público tem a ver com a salvaguarda da imagem dos que conduziram este processo, face ao cenário, mais que provável, de que a CPI não vai encontrar nenhuma violação dos deveres formais da função de deputado, facto que constituirá, sem dúvida, uma grande machadada na reputação das entidades que conduziram o processo.

Um desfecho lógico: absolvição do Deputado pelo crime de Atentado contra a Estado de Direito

Se a CPI quiser ter provas de que não houve violação dos deveres formais de deputado, bastará consultar o acórdão do Tribunal da Relação de Barlavento onde essa instância jurisdicional afirma de forma categórica que o deputado não praticou “nenhum ato formalmente típico das suas funções parlamentares” ou que as ações do deputado não se enquadravam em um “ato típico do exercício do mandato de Deputado, que se traduza na prática de poderes formais” (Acórdão do Tribunal da Relação pág. 106).

Esta conclusão do Tribunal da Relação de Barlavento nesse seu acórdão só poderia conduzir a um desfecho lógico: a absolvição do Deputado pelo crime de Atentado contra a Estado de Direito. E, em consequência, numa instância de recurso a esse acórdão, a decisão só poderia necessariamente levar à anulação do acórdão e, obviamente, da sentença, por duas ordens de razões: pela contradição entre a fundamentação e a decisão e por violação do disposto no nº 1 do artigo 123º da Constituição da República que exige, como condição para preencher o tipo criminal, dos chamados “Crimes de responsabilidade”, que os atos e omissões praticados pelos titulares de cargos políticos estejam vinculados ao exercício de funções e por causa delas, o que o Tribunal no seu acórdão “confessou” claramente não ter encontrado nenhuma relação.

Se realmente o Ministério Público fosse um órgão que primasse sempre por uma postura de defesa intransigente da constituição e do princípio da legalidade, não deixaria passar em branco, no processo que envolve o Deputado Amadeu Oliveira, momentos e situações lamentáveis, nomeadamente quando:

1)   Não convocou o Deputado para o primeiro interrogatório judicial, e decidiu detê-lo para o efeito, quando havia outros meios, menos gravosos, de o fazer, sabendo que a privação da liberdade deve ser sempre o último rácio na atuação coerciva do Estado nas sociedades  democráticas e liberais;

2)   Emitiu o mandado de detenção do Deputado, sem que tivesse havido a publicação da  Resolução 3/x/2021 e sem que ela tivesse entrado em vigor;

3)   Não alertou o juiz no primeiro interrogatório judicial que a Resolução 3/x/2021 não tinha entrado em vigor, como era sua obrigação, enquanto guardião da legalidade, sabendo que o uso daquela resolução no momento da detenção e de apresentação ao juiz não tinha sustentação legal, face ao disposto no artigo 269º da Constituição, por juridicamente ineficaz;

4)   Solicitou a prisão preventiva do Deputado Amadeu Fortes de Oliveira, sabendo que a autorização da Assembleia Nacional para a sua detenção fora de flagrante delito, se limitava à sua apresentação ao juiz para o primeiro interrogatório judicial, e, por conseguinte, a referida autorização não abrangia a prisão preventiva como consta expressamente no artigo único da Resolução nº 3/X/2021;

5)   Não requereu a soltura do Deputado, em nome do respeito pelo princípio da legalidade, quando o juiz deferiu o pedido de prisão preventiva, sabendo que a autorização da Comissão Permanente da Assembleia Nacional para a sua detenção, não estava em vigor e nem abrangia a prisão preventiva, e, tratando-se de um Deputado, essa decisão do juiz violava o disposto no nº 2 do artigo 170º da Constituição da República;

6)   Não interpôs recurso sobre a decisão do juiz da pronúncia que, da sua lavra, acrescentou mais um crime ao Deputado, tendo o juiz, na prática, usurpado o papel do Ministério Público, passando a ser ele o acusador;

7)   Acusou o Deputado de crime de Atentado contra o Estado de Direito, sem ter reunido provas que sustentassem a sua imputação, nomeadamente, se o acusado agiu como Deputado ou como defensor oficioso, deixando, praticamente, nas mãos do Tribunal da Relação a responsabilidade, “indevida”, de sustentar a acusação e de provar, sem “provas”, a suposta culpa do Deputado;

8)   Não requereu a fiscalização concreta da constitucionalidade da Resolução 3/x/2021 por ter sido aprovada por uma entidade incompetente naquele espaço temporal, e nem se pronunciou sobre a decisão do Tribunal Constitucional de instituir costumes constitucionais contra a Constituição, especialmente, em matéria penal.

Ministério Público não pode agir de forma seletiva

O Ministério Público, tendo a relevância que tem na administração da Justiça, não pode agir de forma seletiva e nem funcionar na lógica de simples “advogado”, que defende os interesses do seu constituinte e não quer saber do resto, porquanto, ao Ministério Público cabe a nobre e insubstituível função de defender a legalidade, e, em especial, de promover a Justiça e de procurar fazer prevalecer a verdade material.

Além do mais, estando o Ministério Público focado na defesa da Constituição e da legalidade, essa postura o obrigaria a estar atento às disposições e exigências constitucionais na tramitação e condução do processo em pauta, nomeadamente, sobre a abrangência da autorização da Assembleia Nacional, bem como sobre a falta de publicação da Resolução 3/X/2021, imposição que decorre do disposto na alínea d) do nº 1 do artigo 269º da Constituição da República, assim como o não preenchimento dos requisitos previstos no nº 2 do artigo 170º relativos à imunidade parlamentar, para além de outras disposições legais, em especial as previstas na Lei n.º 87/VII/2011.

Em face a estas circunstâncias, sequer o Ministério Público poderá invocar desconhecimento dos factos e das normas, porque essa alegação seria, de todo, inadmissível. E pior será ainda, se se admitir, hipoteticamente, que essa ausência de intervenção processual teria derivado da simples e deliberada omissão.

O Ministério Público tem o dever de impedir injustiças, ilegalidades e desrespeito pelas garantias processuais, uma vez que recai sobre si a responsabilidade constitucional de defender a legalidade, enquanto representante e rosto do Estado.

Segundo Diaulas Costa Ribeiro, Desembargador do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, Brasil, “não é função do Ministério Público (…) sustentar a todo o custo a acusação contra o arguido”, uma vez que, no entender do autor, não recai sobre o Ministério Público “um dever de acusação, mas antes um dever de objetividade” ... e sentencia: O Ministério Público “não é parte, pelo menos no sentido de que possui um interesse necessariamente contraposto ao do arguido” [2].

Este será porventura o modelo de intervenção do Ministério Público em um Estado de Direito Democrático, uma entidade que procura a verdade material com objetividade, e que não constrói acusação, sem bases sólidas, simplesmente porque se acha “obrigado” a acusar.

Apesar de tudo, esta iniciativa do Ministério Público de solicitar ao Tribunal Constitucional a fiscalização abstrata sucessiva da constitucionalidade da Resolução nº 188/X/2025 da Assembleia Nacional poderá ser de grande utilidade, porquanto poderá vir a suscitar um interessante debate sobre a separação dos poderes em Cabo Verde, sobretudo por se tratar de uma das componentes fundamentais de um Estado de Direito.

O Artigo 119º da Constituição da República prescreve no seu nº 2 que “Os órgãos de soberania, nas suas relações recíprocas e no exercício de funções, respeitam a separação e a interdependência de poderes, nos termos da Constituição”. Em Cabo Verde, fala-se muito em separação dos poderes, mas fala-se muito pouco da interdependência dos poderes. 

E por que se entende a separação e a interdependência dos poderes?


De acordo com Gomes Canotilho e Vital Moreira [3], o princípio da separação e interdependência dos órgãos de soberania tem como objetivo impedir abusos que podem surgir da concentração de poderes, incorporando elementos fundamentais do conceito clássico de divisão de poderes.

Para estes Catedráticos, a definição do princípio constitucional da separação e interdependência, com base em critérios orgânicos e funcionais — onde cada função fundamental é atribuída a um órgão ou titular específico — é relevante para o entendimento da teoria do chamado “núcleo essencial”. Segundo essa teoria, nenhum órgão de soberania pode assumir funções que resultem no esvaziamento das atribuições materiais específicas e predominantes de outro órgão. Para estes constitucionalistas, a “separação funcional e orgânica não exclui, antes pressupõe, a interdependência entre os vários órgãos de soberania, o que aponta para a existência de formas e procedimentos de cooperação e de controlo interorgânicos, materiais e pessoais”.

Interdependência dos poderes obriga a poderes compartilhados e formas de controlo cruzadas como:

O Governo (órgão soberania) prestar contas ao Parlamento (órgão de soberania);

O Presidente da República (órgão de soberania) para ser investigado e julgado pelos tribunais (órgão de soberania) tem de haver autorização prévia do Parlamento (órgão soberania);

As entidades judiciárias apresentam relatório ao parlamento que o debate e propõe medidas ao governo;

Nomeação e exoneração dos titulares dos diferentes de soberania são e resultam de poderes compartilhados.

Assim, parece evidente, que a Resolução nº 188/X/2025 da Assembleia Nacional que cria a CPI não vai julgar e nem condenar pessoas e, muito menos, reverter ou anular decisões judiciais, ou seja: as suas eventuais conclusões não atingirão e nem esvaziarão as atribuições materiais específicas dos tribunais.


__________________________

 

Referências:

[1]     OLIVEIRA, A. L. de. Ministério Público e Processo Acusatório: por uma ética constitucionalista no processo penal. Brasil: Revista Sequência, n.º 45, 2002

[2]     RIBEIRO, D. C. Ministério Público: Dimensão Constitucional e Repercussão no Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 2003

[3]     CANOTILHO, J. J. G. e MOREIRA, V. Constituição da República Portuguesa Anotada. Vol. II, Coimbra Editora – 2010

 

Partilhe esta notícia

Comentários

  • Este artigo ainda não tem comentário. Seja o primeiro a comentar!

Comentar

Os comentários publicados são da inteira responsabilidade do utilizador que os escreve. Para garantir um espaço saudável e transparente, é necessário estar identificado.
O Santiago Magazine é de todos, mas cada um deve assumir a responsabilidade pelo que partilha. Dê a sua opinião, mas dê também a cara.
Inicie sessão ou registe-se para comentar.