CPI do Caso Amadeu Oliveira. Ex-bastonária contradiz MP e diz ser "legítimo e necessário" que o Parlamento investigue seus próprios actos
Política

CPI do Caso Amadeu Oliveira. Ex-bastonária contradiz MP e diz ser "legítimo e necessário" que o Parlamento investigue seus próprios actos

A decisão da Assembleia Nacional de avançar com uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para analisar o processo que levou à prisão do deputado Amadeu Oliveira continua a fazer correr tinta: agora, é a jurista, ex-Primeira Dama e ex-bastonária da Ordem dos Advogados, Lígia Fonseca, a publicar um texto onde considera ser “legítimo e necessário” que o Parlamento investigue se os seus próprios procedimentos. 

A autora questiona como foi possível decretar prisão preventiva ao deputado sem autorização expressa da Assembleia Nacional, conforme exige o artigo 170.º, n.º 2 da Constituição, que salvaguarda imunidades parlamentares exceto em flagrante delito — o que, no caso, não ocorreu.

Ligia Fonseca recorda que a Resolução n.º 3/X/2021 da Comissão Permanente apenas autorizou a detenção do parlamentar para ser ouvido em primeiro interrogatório, não para aplicar uma medida de coação mais gravosa. “Escapou-me alguma outra resolução?”, questiona, sugerindo que a prisão preventiva poderá ter violado garantias constitucionais fundamentais.

O debate intensificou-se com a reação do Procurador-Geral da República, que recorreu ao Tribunal Constitucional para travar a constituição da CPI, alegando que o Parlamento não pode reavaliar decisões já tomadas pelo poder judicial, sob pena de violação da separação de poderes. Uma posição que não convence a jurista: “O poder político pode sempre fazer uma avaliação política dos factos, sem que isso interfira na decisão judicial já definitiva”, afirma.

Entre as várias reações ao texto, o comentário do ex-vice-primeiro-ministro Gualberto do Rosário tem sido um dos mais destacados. Para o político, o caso revela uma “grave violação do Estatuto dos Deputados”, alegando que Amadeu Oliveira “nunca poderia ter sido preso” nas circunstâncias em que ocorreu.

Do Rosário vai mais longe ao comparar o episódio à detenção de Eugénio Inocêncio na Primeira República, que considera ter sido motivada politicamente — embora sublinhe que, no caso atual, os vícios de procedimento são semelhantes, mas com responsabilidades mais difusas.

Segundo o antigo governante, ao contrário do que sucedeu no caso de Inocêncio, quando o então presidente da ANP, Abílio Duarte, enfrentou o plenário e defendeu a imunidade parlamentar, no processo de Amadeu Oliveira “houve um conluio de todos os sujeitos parlamentares envolvidos na violação da Constituição”.

O resultado, sustenta, foi uma “amputação da liberdade de ação dos deputados” e um precedente que fragiliza o Parlamento enquanto órgão de soberania.

"Foi uma pancada violenta no Estatuto dos Deputos", exclamou Gualberto do Rosário.

Quem também entrou no debate foi o antigo ministro da Justiça, Simão Monteiro, concordando comas posições de Ligia Fonseca e Gualberto do Rosário.

"Concordo consigo (GR), por isso disse que devemos focar no momento da autorização pela Assembleia: não deve autorizar a audição para primeiro interrogatório porque a partir daí perde o controlo do processo e não poderá mais proteger mais o deputado".

No centro da polémica está, assim, uma questão estrutural: pode o Parlamento avaliar politicamente os seus próprios atos e decisões, mesmo quando estes já foram objeto de apreciação judicial? Ou estará a CPI a ultrapassar limites constitucionais, colocando em causa a independência dos tribunais?

Enquanto o Tribunal Constitucional não decide, a controvérsia alimenta um debate mais amplo sobre a maturidade institucional do país. Para alguns, a CPI é uma necessidade democrática para clarificar responsabilidades e corrigir eventuais vícios do processo legislativo.
Para outros, trata-se de um movimento que ameaça a separação de poderes e reabre um caso já decidido pelos tribunais.

O que parece certo é que o processo de Amadeu Oliveira continua a expor tensões entre poderes do Estado e a levantar perguntas incómodas sobre o equilíbrio institucional em Cabo Verde — questões que a própria CPI, caso avance, dificilmente deixará de enfrentar.

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SOBRE O AUTOR

Hermínio Silves

Jornalista, repórter, diretor de Santiago Magazine

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