
Cabo Verde orgulha-se do seu percurso democrático — e com razão. Contudo, a qualidade dessa democracia não depende apenas do funcionamento das instituições, mas também da forma como comunicamos e interpretamos o que é comunicado. A propaganda política não desaparecerá, mas pode e deve ser usada com responsabilidade. A democracia cabo-verdiana merece mais do que slogans bem construídos: merece verdade, clareza e um compromisso real com o desenvolvimento nacional. Aos políticos, cabe a responsabilidade de elevar o nível do debate. Aos cidadãos, cabe a vigilância crítica. E aos meios de comunicação social, cabe o dever de mediar esse diálogo de forma independente e rigorosa. Somente assim a democracia deixará de ser palco de ilusões e voltará a ser o que sempre deveria ser: um espaço de serviço público, participação consciente e respeito pela inteligência coletiva de um povo que, apesar dos desafios, continua profundamente comprometido com o seu futuro…
Numa democracia jovem mas consolidada como Cabo Verde, a propaganda política deveria ser um instrumento de esclarecimento público. Porém, a experiência mostra que, muitas vezes, ela se transforma em mecanismo de manipulação emocional, construção artificial de narrativas e disputa permanente pela perceção pública. Entre slogans, vídeos lapidados e discursos milimetricamente calculados, a política nacional corre o risco de se afastar da sua missão essencial: servir o cidadão. A propaganda não é um fenómeno novo; é parte intrínseca do exercício do poder. Contudo, nos últimos anos, ganhou contornos mais sofisticados e, por vezes, mais perigosos. Entre o marketing digital, a disputa de narrativas nas redes sociais e a crescente personalização da política, criou-se um ambiente onde a forma tem vindo a dominar a substância, e onde a imagem frequentemente suplanta o conteúdo.
A Política da Imagem: O Novo Campo de Batalha
A realidade cabo-verdiana mostra que a política entrou numa fase em que a “imagem” se tornou tão — ou mais — importante do que o trabalho real. A figura pública que não domina as ferramentas de comunicação corre o risco de parecer inoperante, mesmo que a sua ação seja sólida. É a política transformada em espetáculo, onde o impacto visual se sobrepõe à profundidade do debate. As redes sociais são hoje o principal palco dessa transformação. Em poucos segundos, um vídeo editado pode produzir mais efeitos na opinião pública do que um relatório técnico de grande importância. Os políticos tornaram-se performers digitais, estrategicamente posicionados para captar atenção e moldar perceções. Porém, essa presença intensa nem sempre se traduz em esclarecimento; muitas vezes, apenas amplifica o ruído.
Do Debate à Disputa de Narrativas
Em Cabo Verde, a propaganda política raramente se limita a apresentar projetos ou resultados comprováveis. Ao contrário, tende a construir narrativas amplas, que apelam ao emocional e ao identitário, mas fogem do escrutínio factual. Multiplicam-se comparações exageradas, declarações fragmentadas e discursos que privilegiam o efeito imediato em detrimento da consistência. O eleitorado, por sua vez, vê-se frequentemente dividido entre fidelidades partidárias históricas e novas formas de militância digital, alimentadas por conteúdos que nem sempre revelam a complexidade dos temas. O resultado é um debate público que, embora ruidoso, nem sempre é profundo.
A Política como Espetáculo
Ao recorrer intensamente à propaganda, a política corre o risco de se tornar um produto descartável, consumido, partilhado e rapidamente substituído. A superficialidade toma o lugar da responsabilidade, e o foco desloca-se do bem comum para a manutenção da popularidade. Além disso, cria-se uma sensação ilusória de participação: os cidadãos comentam, partilham e reagem, mas permanecem distantes dos processos reais de tomada de decisão. A democracia, assim, torna-se performativa — está presente nas redes, mas ausente nas políticas concretas.
O Papel do Cidadão: Vigilância Crítica
Apesar das distorções, a sociedade cabo-verdiana tem mostrado sinais de maturidade crescente. Há uma nova geração menos disposta a seguir narrativas cegamente e mais sensível à necessidade de transparência. A crítica pública aumentou, e o questionamento tornou-se mais visível, especialmente nos temas ligados à gestão pública, investimentos estatais e prioridades governamentais. É essencial reconhecer que a propaganda só floresce onde o pensamento crítico adormece. E, por isso, a educação cívica continua a ser um pilar indispensável. Uma população informada não é facilmente manipulável; exige, questiona e responsabiliza.
Entre o Direito à Propaganda e o Dever de Honestidade
Cabo Verde orgulha-se do seu percurso democrático — e com razão. Contudo, a qualidade dessa democracia não depende apenas do funcionamento das instituições, mas também da forma como comunicamos e interpretamos o que é comunicado. A propaganda política não desaparecerá, mas pode e deve ser usada com responsabilidade. A democracia cabo-verdiana merece mais do que slogans bem construídos: merece verdade, clareza e um compromisso real com o desenvolvimento nacional. Aos políticos, cabe a responsabilidade de elevar o nível do debate. Aos cidadãos, cabe a vigilância crítica. E aos meios de comunicação social, cabe o dever de mediar esse diálogo de forma independente e rigorosa. Somente assim a democracia deixará de ser palco de ilusões e voltará a ser o que sempre deveria ser: um espaço de serviço público, participação consciente e respeito pela inteligência coletiva de um povo que, apesar dos desafios, continua profundamente comprometido com o seu futuro…
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