A arte de ouvir um país
Colunista

A arte de ouvir um país

Se reaprendermos a conversar com vagar, talvez também reaprendamos a escolher com critério. A olhar para além do palco. A distinguir charme de carácter. A reconhecer quem tem o país dentro das palavras e quem tem apenas palavras dentro do país. No fundo, a profundidade não desapareceu.
Somos nós que deixámos de a exigir às pessoas, às conversas e aos líderes que pedem o nosso voto. E, enquanto continuarmos a viver na superfície, não devemos surpreender-nos se for a superfície a continuar a governar-nos.

Há dias em que percebo que falamos muito, mas conversamos pouco. Mensagens disparadas, áudios que parecem recibos, aliadas a respostas que servem apenas para não parecer mal. Estamos todos presentes, mas ninguém está verdadeiramente disponível. Falamos, mas não abrimos espaço. Ouvimos, mas não acolhemos. E, no meio desta pressa, perdemos o hábito mais humano de todos: o de nos demorarmos no outro.

A arte perdida de ouvir devagar

As conversas verdadeiras (as que pedem tempo, silêncio e atenção), ficaram esquecidas. Hoje preferimos aquilo que não exige profundidade: afirmações rápidas, opiniões instantâneas e diálogos apressados que deixam tudo pela metade. A superfície tornou-se o nosso território habitual, e confundimos leveza com segurança, quando na verdade é o lugar onde nada cria raízes.

Vivemos rodeados de palavras, mas cada vez mais distantes daquilo que realmente significam.

O país que avaliamos pela espuma

É talvez por isso que, quando chega o momento de observarmos quem se propõe a liderar o país, usamos exactamente o mesmo filtro superficial. Atentamos ao tom da voz, ao gesto ensaiado, à frase que circula bem e à “cartilha” mais conveniente. Julgamos fragmentos e não visões.

Aceitamos a repetição como se fosse clareza, e a pose como se fosse competência; confundimos a constância do discurso com a consistência das ideias. E ignoramos, quase sempre, algo essencial: que há quem prefira impressionar e há quem prefira pensar. Os dois cabem no palco político, mas só um constrói o futuro.

Como se o país não existisse para lá da propaganda.

O que revelam as conversas que não temos

As melhores conversas da minha vida nunca foram as mais perfeitas; no entanto foram as mais sinceras. Aquelas em que alguém admitiu não saber tudo e onde o silêncio serviu para reflectir, não para fugir. Aquelas em que a verdade se impôs não pela forma, mas pela intenção…a intenção de compreender antes de responder ou de ponderar antes de anunciar.

É curioso como na política, há diferenças pequenas que dizem muito: a serenidade versus a pressa, a substância versus o espectáculo, e a visão versus o hábito de manter tudo como está.

A profundidade como acto cívico

Se reaprendermos a conversar com vagar, talvez também reaprendamos a escolher com critério. A olhar para além do palco. A distinguir charme de carácter. A reconhecer quem tem o país dentro das palavras e quem tem apenas palavras dentro do país.

No fundo, a profundidade não desapareceu.
Somos nós que deixámos de a exigir às pessoas, às conversas e aos líderes que pedem o nosso voto.

E, enquanto continuarmos a viver na superfície, não devemos surpreender-nos se for a superfície a continuar a governar-nos.

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