
O debate em torno da criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para analisar as implicações políticas do caso Amadeu Oliveira voltou a subir de tom, depois das críticas públicas da Procuradoria-Geral da República (PGR) e do presidente do Conselho Superior da Magistratura Judicial (CSMJ), Bernardino Delgado, dirigidas ao Parlamento. Para o deputado do MpD, Alcides de Pina, estas posições foram “extemporâneas” e sustentadas numa leitura errada do propósito da iniciativa parlamentar.
Em declarações ao Santiago Magazine, Alcides de Pina, que assinou o pedido para a constituição da CPI, afirma que não há qualquer tentativa de confrontação com o poder judicial. O deputado rejeita a ideia de que os eleitos nacionais estejam a conspirar contra a justiça ou a colocar em causa decisões judiciais.
“Eu, enquanto deputado, assinei o pedido para a constituição dessa CPI porque Amadeu Oliveira é um colega deputado e eu tenho que ajudar meus colegas na busca pelos seus direitos”, explicou Pina. Sublinha ainda que aceitou o convite da UCID “em liberdade de consciência” e sem comunicar previamente a sua bancada parlamentar, sublinhando a natureza pessoal e individual da sua decisão.
O que está em causa
A criação desta CPI, proposta inicialmente pela UCID, surge no seguimento do caso que levou à prisão e posterior condenação do então deputado Amadeu Oliveira, acusado de facilitar a fuga de um cidadão que alegava ser vítima de erro judiciário. Em causa está não apenas a conduta do ex-deputado, mas sobretudo a leitura política dos efeitos que o processo teve dentro do Parlamento, nomeadamente a forma como foram geridos os pedidos judiciais de levantamento de imunidade, os procedimentos administrativos internos e o eventual impacto sobre a separação de poderes.
A PGR, entendendo que a CPI poderia interferir na autonomia do poder judicial, pediu ao Tribunal Constitucional que esclarecesse os limites da iniciativa parlamentar. No seu comunicado, a Procuradoria apontou para potenciais riscos de ingerência indevida numa matéria que resultou de decisões judiciais transitadas em julgado. O presidente do CSMJ, ainda que de forma indireta, alinhou com estas preocupações, advertindo para a defesa da independência dos tribunais.
Essas intervenções, contudo, não foram bem recebidas por alguns setores do Parlamento, que entendem tratar-se de uma leitura “alarmista” do papel fiscalizador da Assembleia Nacional — um papel que, segundo esses deputados, se exerce sobre responsabilidades políticas e não sobre verdades judiciais.
“O propósito é político, não judicial”
Para Alcides de Pina, as declarações da PGR e do CSMJ partem de um equívoco sobre a natureza da CPI. “O Parlamento não está a fazer nenhuma confrontação ao judiciário”, afirma. “O propósito da CPI é outro, meramente político. O PGR e o presidente do CSMJ acenaram com confrontação ao poder judicial, que não existe.”
O deputado reforça que não vê problema no facto de a Procuradoria recorrer ao Tribunal Constitucional para clarificar dúvidas institucionais, mas considera que a comunicação pública das duas instituições judiciais induziu a opinião pública a acreditar numa crise institucional que, do seu ponto de vista, não está em curso.
Agora, caberá ao Tribunal Constitucional dirimir a questão e definir os contornos legais da atuação parlamentar neste caso sensível. Até lá, as tensões entre justiça e política prometem continuar a alimentar o debate público sobre os limites e os equilíbrios da separação de poderes em Cabo Verde.
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