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Ministério da Cultura perde litígio contra CMP. STJ dá luz verde à Khym Negoce para construção no edifício Lusa-Africana
Sociedade

Ministério da Cultura perde litígio contra CMP. STJ dá luz verde à Khym Negoce para construção no edifício Lusa-Africana

O Supremo Tribunal de Justiça indeferiu o recurso do Instituto do Património Cultural que pedia a suspensão da licença emitida pela Câmara Municipal da Praia a autorizar a demolição do ex-edifício da Lusa-Africana, no centro histórico da cidade, e também a uma cautelar contra a dona da obra, Khym Negoce, a exigir a paralisação dos trabalhos. Segundo o Acórdão, a que Santiago Magazine teve acesso, o Instituto do Património Cultural, ao invocar “bases legais plurais” para sustentar o seu recurso, revelou “dificuldades em encontrar uma base segura para fundamentar a sua legitimidade para o presente recurso contencioso”.

A polémica à volta das obras da empresa Khym Negoce no antigo edifício da Lusa-Africana no Plateau chegou ao fim com o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça desta segunda-feira, 15, a declarar improcedente o recurso interposto pelo Instituto do Património Cultural, organismo do Ministério da Cultura, que inclusive mandou parar a demolição em curso enquanto avançava com um pedido de embargo.

Em causa estava um desentendimento entre o IPC e a Câmara Municipal da Praia, que, na interpretação daquele instituto, emitiu uma licença (nº 212851/10-11-22) que aprovou e atribuiu alvará à empresa Khym Negoce para demolição e construção de um edifício de terceiro andar no antigo prédio da Lusa-Africana, “sem parecer prévio do Ministério da Cultura”.

Isto porque, alegou o IPC, esse edifício está situado no centro histórico da cidade (Plateau), que pertence à lista indicativa da UNESCO por possuir requisitos para futuramente ser declarado Património Mundial. Para além disso, o IPC justificou que o imóvel em si “tem valor histórico e patrimonial relevante, protegido pelo artigo 18º, nº1 do Regime Jurídico de Valorização e Proteção do Património Cultural”.

“Estamos perante interesses difusos, o direito de acção popular para a defesa de interesse difuso está consagrado nos nºs 1 e 3 da Constituição da República de Cabo Verde de 1992 e no artigo 11º do Estatuto dos Municípios, aprovado pela Lei nº 134/IV/95, de 3 de Julho. Esse direito fundamental tem garantia constitucional e legal”, argumentou o IPC, acrescentando que a “garantia legal expressa ao direito de acção popular é conferida pelo Código de Processo Civil, incluindo também o direito à acção destinada a efectivá-lo e o direito às medidas cautelares adequadas para acautelar o efeito útil da acção, que no caso é a suspensão do acto, consequentemente do alvará e da obra em construção”.

O Instituto do Património Cultural também queixou-se perante o STJ em como a referida obra estar a “destruir, danificar ou a lesar um bem cultural, que é o Centro Histórico da Praia, de utilização colectiva, pondo em causa o direito fundamental de todos à sua fruição”, visto que o edifício em causa “está sendo descaracterizado pela edificação vertical, que altera radicalmente a sua arquitectura tradicional, sua volumetria e altimetria original de dois pisos”.

“A acção popular de que se lança mão para, através do presente contencioso de anulação, requerer a suspensão do acto para evitar ou impedir a destruição ou lesão do bem cultural classificado, tem natureza urgente”, avisava o IPC.

Sem prejuízo irreparável

O Supremo Tribunal de Justiça, no seu Acórdão 32/2023, de 15 de Maio, não entendeu assim. Segundo o juiz-conselheiro Arlindo Medina, relator, com aprovação de Benfeito Mosso Ramos e Anildo Martins, “a invocação de bases legais plurais, no fundo, espelha dificuldades experimentadas pelo recorrente em encontrar uma base segura para fundamentar a sua legitimidade para o presente recurso contencioso”.

“Buscando recolocar o problema em bases mais firmes, há que, desde logo, descartar o invocado artigo 26º do Código do Processo Civil, cujo campo de acção é restrito às acções civis”, introduz Medina.

“Em segundo lugar, há que dizer que o artigo 15º, nº1, alínea a) do DL nº14-A/83 é a expressão legal da titularidade do direto de acção administrativa ‘particular’ para a ‘tutela jurisdicional’ de direito e interesses legalmente protegidos prevista no artigo 245º da CRCV, da mesma forma que o artigo 11º do Estatuto dos Municípios é a expressão legal da titularidade da ‘acão popular’. De modo que, a invocação cumulativa de normas constitucionais e das normas legais não acarreta uma vantagem visível”, lê-se no Acórdão, notando que “o acervo normativo invocado pode assim ser reduzido aos artigos 15º, nº1, a) do DL nº 14-A/83 e 11º, nº 1 b) do EM. Mais: olhando ao normativo restante, logo se constata que a aplicabilidade desta última norma – 11º do Estatuto dos Municípios – deve também ser liminarmente afastada”.

Trocando por miúdos, o Supremo afirma aqui que quem tem legitimidade para recorrer “das deliberações ou decisões tomadas por órgãos dos municípios” é o “cidadão comum recenseado e residente no município”, e que esse direito não pode ser “extensível a pessoas colectivas de direito público”, que é o caso do IPC, cuja legitimidade, entretanto, foi admitida ao abrigo do artigo 2º do Dececreto-Lei 14-A/83 que utiliza "relações jurídicas administrativas" para definir a competência da justiça administrativa.

Sobre o pedido em si de anulação da licença e paralisação das obras, e dos argumentos de danificação e prejuízos de difícil reparação, o STj considera que “é fácil de ver, consumada a demolição do edifício, a hipótese de restabelecimento da situação de facto que existiria se o acto administrativo alegadamente ilegal não tivesse tido lugar deixou de existir como possibilidade real (isto é, como ocorrência que pudesse ser cautelarmente evitada). Assim, a reintegração da legalidade (sob a perspectiva defendida pelo recorrente, como é evidente) que resta possível é aquela que será alcançada pela reconstrução do imóvel com a arquitectura, volumetria e altimetria originais. E essa possibilidade manter-se-á sempre factualmente viável, independentemente do tempo que demorar a hipotética decisão do provimento do recurso”.

Para o Supremo “na presente situação, de pós-demolição, não há risco de infrutuosidade da decisão final. Portanto, não há situação de prejuízo irreparável”.

“Nem se perspectiva, até porque não alegado, a existência de prejuízos que se produziriam ao longo do tempo e que a reintegração da legalidade – nos moldes acima mencionados – já não seria capaz de reparar ou de reparar integralmente. Portanto, também não se perspectiva uma situação de prejuízo de difícil reparação. Pelo que improcede o pedido de suspensão da executoriedade do acto recorrido”, sentencia Arlindo Medina.

E continua: "Do mesmo modo que improcede o pedido de intimação da contrainteressada (Khym Negoce) para se abster de ‘executar por si ou por alguém a seu mando, quaisquer obras no referido imóvel – Centro Histórico da Praia – que não sejam as vertidas e determinadas no parecer técnico do IPC, até decisão final’, que estaria na dependência do pedido de suspensão da executoriedade do acto recorrido. Nestes termos, decide-se pelo indeferimento das providências cautelares pedidas”, declara o STJ.

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SOBRE O AUTOR

Hermínio Silves

Jornalista, repórter, diretor de Santiago Magazine