O Crioulo Berdianu e a Incapacidade Político-Administrativa em Cabo Verde
Ponto de Vista

O Crioulo Berdianu e a Incapacidade Político-Administrativa em Cabo Verde

Dominika Swolkien foi quem mais contribuiu para a atualização científica do país em matéria da sua própria língua, e José Luís Tavares é um dos maiores defensores da valorização do crioulo berdianu. Ambos poderiam estar do mesmo lado, mas as autoridades falharam em aproveitar essa riqueza intelectual, emprateleirando as pessoas, gerando conflitos e permitindo que Cabo Verde passe por um país que, de tanto medo do racismo e supremacismo branco, nórdico, rejeita colaboradores novos por pura incapacidade de integrar forças internas e externas no fortalecimento da sua cultura e língua. É evidente que o Ministério da Educação só afasta e divide aqueles que podem ajudar. No fim, aparecem pronunciamentos do Ministro protelando medidas a favor da língua para daqui, no mínimo, dez anos. Com esse tipo de gestão, as coisas não avançam nem daqui a 50 anos.

O crioulo berdianu (língua cabo-verdiana) enfrenta desafios graves devido à falta de capacidade político-administrativa — ou até à falta de honestidade — dos gestores do país. A ausência de competência técnica na condução da reforma educativa e na abordagem dos desafios linguísticos, aliada à falta de ética e assertividade, tem gerado divisões dentro da noosfera linguística do país.

Na didatização, noosfera refere-se à equipa multidisciplinar que transforma um conteúdo académico e erudito em disciplina escolar para crianças e adolescentes. Em Cabo Verde, essa equipa deveria integrar especialistas das línguas portuguesa e crioula, escritores, jornalistas, ensaístas, estudiosos amadores e demais práticos conscientes da realidade bilíngue da “Nason-República berdianu”. No entanto, essa comunidade está claramente dividida — como ilustra o confronto entre a Doutora Dominika Swolkien e o poeta José Luís Tavares (link).

O Início da Confusão

Diante dos recentes acontecimentos em torno da língua cabo-verdiana, sinto-me compelido a reagir, tanto por uma questão de justiça como para contribuir para o esclarecimento do rumo dos acontecimentos, que deveriam servir apenas ao desenvolvimento linguístico do país.

Refiro-me ao lançamento, pelo Ministério da Educação, de um manual de Língua e Cultura Cabo-Verdiana (L&CCV) para o 10º ano, no qual surge uma denominada escrita pandialetal. Esta escrita, na verdade, é uma proposta de variedade-padrão para lidar com a diversidade dialetal do berdianu. No entanto, essa diversidade não deve ser vista como um problema a ser combatido ou ocultado — conforme orienta a filosofia nacional da educação, de certa forma, abordada neste artigo (https://santiagomagazine.cv/ponto-de-vista/o-berdianu-nao-esta-em-processo-de-padronizacao-e-sim-de-didatizacao ).

A Reação da Sociedade

A publicação do manual gerou diversas reações, incluindo as do poeta e ensaísta José Luís Hopffer Almada, membro do grupo de padronização do alfabeto da língua cabo-verdiana (ALUPEC), e do poeta José Luís Tavares, um dos escritores mais premiados do país e crítico ferrenho da falta de valorização do crioulo berdianu pelas autoridades. Ambos manifestaram desaprovação quanto à proposta da escrita pandialetal, sendo que Tavares apontou diretamente para o possível protagonismo da linguista Dominika Swolkien, polaca naturalizada cabo-verdiana nos desvios registados.

Num artigo sobre o tema, já esclarecemos que a língua cabo-verdiana está num processo de didatização voltado para a preservação e fortalecimento da diversidade linguístico-cultural. Dessa forma, não há espaço para iniciativas de uniformização prematura, como uma padronização forçada.

O professor Manuel Brito Semedo, antropólogo, escritor e ensaísta, também reagiu à questão, alertando para o risco de fragmentação do ensino do crioulo sem um devido “enquadramento normativo”, o que poderia levar a um ensino inconsistente e superficial (link). Da mesma forma, a escritora Any Delgado chamou atenção para o fator do bairrismo recorrente nesse processo (link).

Quem Dividiu Para Reinar Está a Ganhar

Falo com conhecimento de causa. Em 2023, como quadro definitivo do Ministério da Educação, coautor do programa da L&CCV para o 10º ano e membro da equipa que didatiza o berdianu na UNICV, enviei uma carta ao Ministro da Educação, Amadeu Cruz, manifestando meu interesse em colaborar na reforma em curso, especialmente na introdução da L&CCV. Ele não apenas ignorou a carta, como proibiu minha participação na elaboração do manual e em outras ações do processo.

É essencial que os verdadeiros defensores da reconfiguração educativa do país — poetas e linguistas — não se deixem dividir. No fim das contas, quem sai ganhando é um ministro que, com uma gestão divisionista e medíocre, usurpou as competências do Ministério da Cultura e colheu os louros do lançamento do primeiro manual de L&CCV, deixando o país em guerra e a responsabilidade dos erros do processo nas costas de uma cientista competente.

Dominika Swolkien foi quem mais contribuiu para a atualização científica do país em matéria da sua própria língua, e José Luís Tavares é um dos maiores defensores da valorização do crioulo berdianu. Ambos poderiam estar do mesmo lado, mas as autoridades falharam em aproveitar essa riqueza intelectual, emprateleirando as pessoas, gerando conflitos e permitindo que Cabo Verde passe por um país que, de tanto medo do racismo e supremacismo branco, nórdico, rejeita colaboradores novos por pura incapacidade de integrar forças internas e externas no fortalecimento da sua cultura e língua. É evidente que o Ministério da Educação só afasta e divide aqueles que podem ajudar. No fim, aparecem pronunciamentos do Ministro protelando medidas a favor da língua para daqui, no mínimo, dez anos. Com esse tipo de gestão, as coisas não avançam nem daqui a 50 anos.

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Comentários

  • Bisco, 15 de Mar de 2025

    Ponham a lingua de S.Nicolau como oficial, please!

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  • Bacam di Iáia, 14 de Mar de 2025

    Manuel Brito Semedo é professor do quê? Manuel Brito é escritor do quê? Manuel Brito Semedo é ensaista do quê? Teatro, Poesia, prosa ou anidota? Deixem de nos tratar por idiotas?

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  • Wilason Garcia, 14 de Mar de 2025

    Não Partilho da mesma ideia, que houve incapacidade governativa, tendo 9ilhas habitadas, deve haver coesão e muito diálogo sobre a linguística, a diversidade fonética tem sido a questão,por isso, não se deve usar lingua materna como pretexto de atacar a governação e sim entender que sem o diálogo e coesão perante esta diversidade estamos gerando divisão desnecessária na nação!

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