Durante décadas, Cabo Verde tentou enfrentar o problema da habitação precária. Promessas foram feitas, projetos foram lançados, mas o tambor é o som da negligência estatal que continua a ecoar nos bairros periféricos.
É compreensível que muitos cabo-verdianos recebam com ceticismo a promessa de erradicar as casas de tambor — afinal, o passado está repleto de projetos mal-executados, diagnósticos ignorados e soluções que não chegaram ao povo. Mas é preciso afirmar com coragem: é possível, sim, desde que se aprenda com os erros e se avance com estratégia integral.
Cabo Verde não precisa repetir os erros — precisa reconhecê-los e superá-los com ética, técnica e coragem social!
Se o Estado agir com ética, envolver os cidadãos como cocriadores da solução, mobilizar cooperativas locais em vez de empreiteiros estrangeiros, e estruturar uma engenharia financeira que respeite a realidade das famílias — com crédito bonificado, garantias públicas e transparência radical — então essa ambição deixa de ser promessa e passa a ser pacto. O crédito habitacional não é favor: é direito estruturado com justiça fiscal, inclusão produtiva e respeito institucional. E, a dignidade habitacional não é utopia: é construção coletiva, e ela começa quando o povo acredita que merece mais do que lata.
Segundo dados recentes, cerca de 80% das habitações no país foram autoconstruídas pelas próprias famílias, muitas vezes sem qualquer apoio técnico. O resultado são casas com infiltrações, insegurança estrutural e acesso precário a serviços básicos. A ausência de fiscalização urbanística criou um ambiente de informalidade até mesmo em zonas formais.
O país não sofre de falta de diagnóstico. O Perfil do Setor de Habitação da ONU-Habitat já mapeou os desafios e propôs caminhos. O que falta é transformar esse conhecimento em ação concreta. Persistem modelos que priorizam grandes empreiteiros, ignoram os empreendedores locais e excluem as famílias mais vulneráveis dos mecanismos de financiamento.
Habitação não é favor — é direito constitucional. A ética exige que o Estado trate cada cidadão como sujeito de dignidade, não como número em planilhas. Transparência nos recursos públicos e participação comunitária real são pilares de qualquer política habitacional séria. O povo não quer ser apenas consultado: quer ser cocriador das soluções. Não se trata de ouvir por protocolo, mas de cocriar soluções com quem vive o problema. A ética exige escuta ativa e poder compartilhado.
Do ponto de vista técnico, é urgente pensar em urbanismo com alma. Construir casas não basta — é preciso criar bairros vivos, com acesso a transporte, saúde, educação e cultura. A autoconstrução, longe de ser criminalizada, deve ser apoiada com assistência técnica pública e materiais sustentáveis.
Engenharia financeira de alto nível será um aliado precioso na captação de recursos internacionais. A narrativa do project finance deve ser sofisticado o bastante para conectar habitação à dignidade, ao clima, à juventude e à inclusão. Linhas de crédito adaptadas à realidade cabo-verdiana, com garantias públicas e modelos cooperativos, podem romper o ciclo da precariedade. O leasing habitacional é imprescindível para garantir o ciclo de financiamentos e gerar o sentimento de cocriador nos cidadãos (ao invés do sentimento de “beneficiário coitado”).
Mas nada disso será possível sem coragem institucional. Coragem para demolir esquemas e interesses que lucram com a precariedade. Coragem para fiscalizar com rigor e para abrir os dados à cidadania ativa. Coragem para romper com a inércia e reinventar a política habitacional como instrumento de justiça social. Coragem do setor financeiro do país para engajar em projetos sociais, com mais inclusão, mais criatividade, menos timidez e menos conservadorismo.
Se o Estado não escuta o tambor, escutará o eco da indignação cidadã. Cabo Verde não precisa repetir os erros — precisa transformá-los em alicerces de uma nova era habitacional, onde cada casa construída seja símbolo de respeito, dignidade, inteligência e compromisso com o povo.
O tambor não será erradicado por decreto, mas por políticas que reconhecem quem o habita como sujeito histórico, cocriador do futuro e construtor da própria dignidade.
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A equipa do Santiago Magazine