O salário mensal de 310 contos que a Primeira-Dama de Cabo Verde vem auferindo (quase o dobro do PR) pelo exercício do cargo está a causar polémica, sobretudo nas redes sociais. O MpD, através do seu secretário-geral, Luís Carlos Silva, aproveitou logo para instar o Tribunal de Contas a investigar o caso por ser ilegal, na medida em que José Maria Neves está a pagar à própria mulher para ser Primeira-Dama. A Presidência da República também veio a público explicar que, nos termos da lei, Débora Katiza Carvalho mantém o estatuto salarial que tinha no seu quadro de origem e que todo o processo ocorre pelos circuitos regulares do Tesouro Público e da Segurança Social.
Informações postas a circular nas redes sociais desde ontem, terça-feira, 19, davam conta de que Débora Carvalho recebe mensalmente 310.606 escudos, pagos pelos serviços da Presidência como seu salário.
O assunto logo virou tema de debate e repúdio na internet, tanto por causa do valor (quase o dobro do ordenado do próprio presidente da República, que é de 170 contos) quanto pela duvidosa legalidade do processo, uma vez que não existe o cargo público remunerado para a Primeira-Dama.
Tudo começou com um post do advogado, Daniel “Maika” Lobo, que denunciou “o escândalo” publicando inclusive imagens com os dados remuneratórios da esposa do Chefe de Estado cabo-verdiano.
“Afinal, existe o cargo público remunerado de Primeira Dama para o qual ela “se transferiu”? Foi criado por que lei? É possível exercer-se um cargo público inexistente? O que todos nós sabemos é que nenhum Presidente da República do regime democrático deu emprego à sua mulher e muito menos com um salário escandaloso na Função Pública. Nenhum! Enquanto Primeiro-ministro no passado, JMN também se opôs a isso de forma pública e categórica, mas no presente enquanto Presidente da República já acha isso normal, como beber um copo de água. Dois pesos e duas medidas!”, criticou Lobo.
Hoje, o MpD, através do seu secretário-geral, veio dizer que o Presidente da República não tem iniciativa legislativa e não pode substituir os demais poderes.
“O Presidente da República tem, agora, uma opinião relativamente ao estatuto da Primeira-Dama, que no passado não tinha e, ao que parece, implementou essa sua opinião sem um quadro legal que o permita fazer. Acho que é um debate que devemos ter. No passado, esse debate já aconteceu e decidiu-se que a Primeira Dama não devia ter estatuto. E criou-se uma lei para regular a Presidência da República, sem a função da Primeira Dama. E é esta lei que o actual Presidente deve se conformar. O atual Presidente deve conduzir a sua presidência dentro do quadro legal”, alertou Luis Carlos Silva.
O Secretário-Geral do MpD pediu, por isso, transparência à Presidência da República, lembrando que, embora a Presidência goze de autonomia administrativa e financeira, ou seja, os seus pagamentos não dependem da autorização do Ministério das Finanças, “está vinculada à fiscalização das Instituições Superiores de Controlo”.
"A Transparência e o Princípio da Legalidade, particularmente, no uso dos recursos públicos, são fundamentais para a credibilidade e confiança externa. Sem pôr em causa a autonomia administrativa e financeira da Presidência da República, instamos as Instituições Superiores de Controlo, particularmente o Tribunal de Contas, a exercerem o seu papel de fiscalização e controlo para trazer à tona a verdade dos fatos para o cabal esclarecimento da população sobre a legalidade e a apropriada utilização dos recursos públicos nesse contexto", instou.
Também esta quarta-feira, 20, a Presidência da República esclareceu, em comunicado, que a Primeira Dama, encontra-se em licença especial do seu quadro de origem na CV-Móvel, não tendo assinado nenhum contrato específico com a instituição.
Segundo a PR, nos termos da lei, Débora Katiza Carvalho mantém o estatuto salarial que tinha no seu quadro de origem, “o que é considerado o mínimo garantido a qualquer profissional fora do seu quadro de origem e todo o processo de remuneração e benefícios ocorre pelos circuitos regulares do Tesouro Público e da Segurança Social”.
A Presidência esclareceu ainda a remuneração actual da Primeira Dama é significativamente inferior ao que ela tinha anteriormente e ressalta que, em Cabo Verde, “administradores e gestores de institutos públicos, empresas, agências de regulação e Banco de Cabo Verde recebem remunerações que ultrapassam de longe o vencimento mensal do Presidente da República”.
Sem perder tempo, Maika Lobo, que despoletou esta polémica voltou a questionar a legalidade do processo. “Ora, JMN acaba de confirmar tudo o que eu tinha escrito, através da sua nota de ‘escurecimento’. Desta vez escondeu-se atrás da ‘presidência’, faltou-lhe coragem de dar a cara por um ato que cheira a quilómetros a nepotismo e corrupção, sejamos claros. Sim, nepotismo e corrupção que merecem investigação do Ministério Público. (...) Estou a falar do contrato que ele celebrou com a sua mulher/companheira para receber como Primeira-Dama 310 contos por mês. Tem contrato sim, porque contrato é um acordo, verbal ou escrito. Se a sua mulher trabalha com JMN e recebe por esse trabalho com consentimento expresso dele, é mais do que prova que tem contrato. Não está ali à força, mas por vontade do marido! Diz o Presidente da República (PR) que a mulher/companheira trabalhava na Telecom e com um vencimento superior. Mas o que temos a ver com isso? O que ela faz é remunerado pelo dinheiro que ela voluntariamente deixou de receber?”
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