“Nesta ilha (Boa Vista) a Câmara Municipal não respeita nenhuma lei do Estado”
Entrevista

“Nesta ilha (Boa Vista) a Câmara Municipal não respeita nenhuma lei do Estado”

Palavras de Sergio Corra’, candidato independente à Câmara Municipal da Boa Vista nas próximas eleições autárquicas, neste exclusivo ao Santiago Magazine, onde, entre propostas e informações, afirma que o sistema autárquico não funciona, que o presidente da Câmara Municipal da Boa Vista faz o que bem entender e que é preciso entrar lá dentro para entender o que se passa e mudar o sistema, uma vez que “a ilha está a passar por uma forte corrupção, a nível ativo e passivo”.

Santiago Magazine - Quem é o Sergio Corra’?

Sergio Corra’ - Sou formado em Contabilidade. Comecei a trabalhar com banco de negócios, primeiro foi um banco americano, depois um banco inglês, outra vez um americano e depois um francês. Por quase 20 anos. Depois recebi uma proposta para o cargo de diretor administrativo do Hotel Marine Club que estava em construção na Boavista, e cansado de viver numa cidade poluída como era Milão, em Itália, decide demitir-me do banco e viajar para esta aventura. Sabia onde estava Cabo Verde porque uma vez meu pai passou aqui de retorno de África, mas era um destino difícil de visitar porque na altura havia apenas um voo direto da Rússia. Quando cheguei aqui a TACV que estava a fazer a ligação de Bergamo para Sal. Em março de 1997 cheguei aqui com este encargo.

O que mais lhe interessou quando aqui chegou?

A primeira coisa que me impressionou bem foi o clima e as pessoas. Gente tranquila e educada, da mesma religião, o facto de não ter doenças. O nosso desafio era tentar desenvolver uma atividade económica sustentável.

Um homem de negócios, portanto! No entanto, temos notado que o Senhor é uma grande ativista social. O que o move quando pensa em desenvolver essas investidas sociais aqui na Boavista?

Acho que uma empresa comercial deve dedicar uma parte do lucro para questões sociais. Por exemplo, naquela altura, por aqui, ninguém fazia o carnaval. Nós fomos os primeiros, com o Marine Club, a organizar o carnaval com carro alegórico, um grupo; praticamente não havia aparelhagem de som, importei uma aparelhagem de qualidade, abri um bar-esplanada que estava fechado; fazíamos cinco atividades sociais por semana, fazíamos cinema. Havia vontade de fazer porque havia pouco, e com as poucas pessoas empresárias, quase todas italianas, havia vontade de participar no desenvolvimento da ilha.

Veio cá para trabalhar com o Marine Club mas depois deixou…

Sim, fiquei lá 2 anos, foi um trabalho complicado. Os conflitos entre os sócios da sociedade foram muitos. Pensava-se que seria um negócio muito rentável com o turismo e iniciaram um conflito entre os sócios a ver quem ficaria com o controlo total do negócio. Aguentei por 2 anos, com muitas dificuldades a gerir o negócio, entre as brigas dos sócios, e depois decidi pedir demissão e iniciar a fazer outra coisa por conta própria.

Porque não regressou a Itália, no caso?

Quando cheguei aqui o meu contrato era de um ano. Com os conflitos, fiquei porque era necessário estar aqui a aguentar a situação. Mas, comecei a falar para mim que este é um clima particular e acho que é difícil encontrar esta condição em outra parte do mundo. Fiquei aqui até hoje com a minha família.

Quando começou com a sua empresa?

Quando saí da Marine Club, comecei uma sociedade que se chama “Cabogesat Lda” que era uma sociedade de serviço. Quando estava no hotel uma das dificuldades era comprar alimentos e bebidas porque aqui havia pouco comércio, iniciei com esta sociedade a prestar um serviço de venda de alimentos e bebidas a credito reservado para actividade económica com alvará municipal.

Mas depois entrou na política?...

A política me interessa sempre desde muito jovem. Porque é na política de se decide tudo o que tem haver com a vida social, económica, tudo de um país. Principalmente porque sempre fui contra os abusos que se costumam registrar em qualquer parte do mundo. E o único sistema para mudar qualquer coisa é entrar no sistema político num país democrático pois funciona assim.

Hoje o Senhor é eleito municipal. Como avalia o desempenho da autarquia local?

O sistema autárquico, praticamente, não funciona. A lei diz que o executivo camarário deve ser fiscalizado pela Assembleia Municipal. Neste momento é ainda pior porque a maioria que apoia o executivo camarário trabalha para a Câmara Municipal. A bancada do MpD é de facto do mesmo partido, esta equipa não é um grupo independente, é só de fachada. Depois temos 2 eleitos do PAICV e praticamente não tem nenhum peso. O sistema como está estruturado a nível da lei é boa, mas depois não é respeitado. A fiscalização falta totalmente e o executivo camarário pode fazer o que quiser.

Então quer dizer que os órgãos municipais não respeitam a lei?

Nenhuma. Nas outras ilhas não sei, mas nesta ilha não. Nesta ilha a Câmara Municipal não respeita nenhuma lei do Estado.

O Senhor declarou que vai candidatar à Câmara Municipal como candidato independente. O que o move neste combate?

O facto de não acreditar que o único partido que pode fazer a oposição, que é o PAICV, irá conseguir fazer qualquer coisa nesta ilha. Principalmente porque o sistema da Câmara Municipal é um sistema corrupto e não se quer colocar em discussão o sistema, e para colocá-lo em discussão, precisamos entrar lá dentro e ver o que acontece, para onde vai todo o dinheiro dos nossos impostos, porque, no dia a dia e neste território, não se consegue perceber, e, após tomar pulso da situação, mudar o sistema.

No caso, qual o seu programa? O que pretende alterar lá dentro?

Neste momento, a câmara municipal tem entre trezentos a quatrocentos milhões de escudos de dívida com os bancos e os fornecedores

Havendo alguma hipótese de ganhar a câmara, a primeira fórmula para mudar qualquer coisa é ver se o sistema é sustentável, é eliminar a dívida. Neste momento, a câmara municipal tem entre trezentos a quatrocentos milhões de escudos de dívida com os bancos e os fornecedores; diminuir o custo elevado de funcionamento, que nos últimos 10 anos aumentou de forma descontrolada, e trabalhar para que qualquer serviço prestado pela câmara seja rentável, não podemos fazer nada que possa criar outra dívida.

Sendo um concelho pequeno, dividido entre o MpD e o PAICV, não acha que será difícil preparar esta candidatura?

Já tínhamos apresentado um grupo independente em 2012, as “Forças Vivas”. Naquela altura, era ainda mais complicada porque o ex-presidente da Câmara Municipal, Djô Pinto, tinha um controlo muito forte sobre a população, devido a venda dos terrenos, e depois havia o PAICV. Mas mesmo assim foi possível recolher as assinaturas, que são mais ou menos 400, depois criar uma lista de 36 candidatos. Com dificuldades foi criada nessa ocasião, e penso que este será mais fácil.

Em que fase já está esta preparação? Já tem as assinaturas?

Já recolhemos mais de uma centena de assinaturas e entregues ao recenseamento para ter as certidões originais a apresentar pela candidatura. A recolha da assinatura não é um problema. É mais complicada a preparação de uma lista de pessoas sérias, honestas e que querem entrar numa luta entre 2 partidos nacionais.

Há pouco tinha falado da corrupção instalada aqui. Que tipo de corrupção está a referir? O que se passa nesta ilha?

Pelo que sabemos, todos os terrenos precisam ser vendidos em concurso público. Mas é uso comum que o presidente da Câmara possa atribuir os terrenos municipais que quiser. Esta é uma forma de corrupção ativa muito forte

Nós entendemos que a câmara municipal é um sistema corrupto e que consegue corromper qualquer pessoa que entra lá dentro. É por isso que é preciso colocar este sistema em discussão, pois estou convencido que mesmo uma pessoa honesta pode ter problemas a gerir um sistema desta forma. A corrupção que passa nesta ilha, a nível ativo, é o das vendas dos terrenos, porque a lei não está a dar este poder ao presidente da Câmara. Pelo que sabemos, todos os terrenos precisam ser vendidos em concurso público. Mas é uso comum que o presidente da Câmara possa atribuir os terrenos municipais que quiser. Esta é uma forma de corrupção ativa muito forte. Depois temos uma corrupção passiva, que é a administração pública gastar dinheiro à vontade, principalmente com empresas amigas, onde qualquer coisa que é feita custa sempre duas ou três vezes mais do que se fosse um particular. É um tipo de corrupção que há na administração pública.

Nas suas críticas, disse que há uma empresa de um vereador que presta serviços, que faz contratos com a Câmara. Tem como provar essas críticas?

Fiz parte, em 2018, com o PAICV, de uma comissão de inquérito que foi constituída para averiguar o que estava passando com uma permuta de 2 grandes lotes de terreno da melhor área da praia de Estoril. Esta empresa, que é a construções Oásis, pertence 50% ao vereador de Urbanismo que é o Aristides Brito, e estes terrenos foram entregues a ele. Esta empresa fez vários trabalhos pela equipa camarária anterior, e por esta aqui. Anteriormente, um dos sócios não era vereador, mas logo que entrou na câmara foram fazer várias obras com ajuste direto e sem concurso público.

O Senhor sempre critica a nível do planeamento urbanístico. Diz sempre que não respeitam os planos e que não existem planos. Se o Senhor for Presidente da Câmara quais seriam as primeiras medidas que iria tomar?

Nesta ilha gasta-se muito dinheiro para fazer planos Diretor, PDU, loteamento, etc. pelo que sabemos e o que pedimos na Comissão de Inquérito de todos estes materiais e estes estudos não existe mais nada. Achamos que foi queimado pela equipa camarária anterior quando perderam as eleições. Foram queimados em setembro de 2016. Agora aplicar este sistema de planeamento é muito complicado, porque o que sabemos é que não existe mais nada. É preciso rever exatamente qual é a situação.

Vai ser necessário fazer novos planos?

Acho que não. Todos estes planos foram feitos por empresas importantes a nível nacional e internacional que seguramente possuem uma cópia. E, certamente, nos vão fornecer uma cópia desse material que custou muitíssimo.

O lixo que é recolhido em Sal Rei deve ser tratado e reutilizado em Sal Rei. E não utilizar os camiões, a andar de um lado para o outro da ilha. Neste momento, o lixo não é absolutamente nem tratado nem reciclado. A nível da rede de esgotos, foi feito qualquer coisa no ano passado. Uma pequena parte, gastando muitíssimo dinheiro, acho que cem milhões de escudos, e não foi ligada a nenhuma casa, o sistema não entrou em funcionamento, praticamente já está abandonada

Temos notado que a situação do saneamento básico aqui é muito crítico e não há um sistema de recolha e tratamento do lixo eficaz. O que tem a dizer sobre isso?

A nível da recolha do lixo, a Câmara Municipal se limita a recolher em Sal Rei e numa outra povoação e descarregar, sem nenhum tipo de tratamento, na lixeira municipal, ultimamente foi vedada de blocos, colocaram um guarda e gastaram ali muito dinheiro para guardar o lixo. Nós achamos que o lixo deve ser tratado ao quilometro 0. O lixo que é recolhido em Sal Rei deve ser tratado e reutilizado em Sal Rei. E não utilizar os camiões, a andar de um lado para o outro da ilha. Neste momento, o lixo não é absolutamente nem tratado nem reciclado. A nível da rede de esgotos, foi feito qualquer coisa no ano passado. Uma pequena parte, gastando muitíssimo dinheiro, acho que cem milhões de escudos, e não foi ligada a nenhuma casa, o sistema não entrou em funcionamento, praticamente já está abandonada. O que nós iremos fazer é uma coisa muito simples - aqui não há muita concentração de casas, os hotéis têm a obrigação de ter um sistema de tratamento da água de esgoto e reciclagem. Portanto, há que se apostar na fito-depuração que consiste num sistema que se tem em frente de cada casa plantas sempre verdes que possam servir para ornamentar e embelezar a ilha e a cidade, e esta planta vai absorver a água do poço perdente.

Isto vai consumir muito dinheiro?

O sistema de reciclagem de lixo e a fito-depuração vai custar um centavo comparado com o que pensam fazer com o sistema de tratamento da água do esgoto ou o que estão a fazer agora com a lixeira. Este é um sistema de baixo impacto ambiental, praticamente nada, e vai custar muito pouco porque no caso do lixo nós pensamos trazer aqui as máquinas industriais, que não são tão custosas, e que vão triturar qualquer tipo de entulho, tudo o que é material que não é perigoso e poluente pode ser utilizado para encher os troços de estradas que precisamos calcetar. Agora se utiliza areia das dunas. Vamos utilizar o material que vai sair da reciclagem para enchimento de estradas, com os vidros pode-se fazer enchimentos de blocos, se pode fazer muita coisa que serve a nível urbanístico.

Temos notado nas conversas pela cidade que não há uma relação saudável entre os investidores, os comerciantes e a própria câmara. Sente esta situação?

Todos nós sentimos que a Câmara Municipal é um a entidade que cria problemas, cria injustiças, favorece alguns em detrimento de outros e tem uma postura de conflitos. Por exemplo, com as senhoras que vendem hortaliças na rua, nós precisamos melhorar este sistema de comércio, mas não com esta violência que foi aplicada nos últimos tempos.

Uma das suas grandes críticas é a câmara ter destruído um espaço – o polivalente Manuel Jesus da Cruz. O que acha que está por detrás dessa medida?

É mais uma corrupção dos órgãos da Câmara Municipal anterior. Porque decidiram demolir uma estrutura moderna, construída em 2002, com 30 lojas, um centro de informação turística e uma placa desportiva iluminada que servia a comunidade, enfim, uma boa obra e que estava a dar um rendimento porque cada loja pagava à volta de 6 mil escudos por mês de renda, e fazer uma barbaridade como aquela ali. Ela foi demolida em 2015, mediante a promessa de que iriam ser construídos ali 2 hotéis de 7 pisos, no final não foi construído nada. Perdemos uma infraestrutura importante, as pessoas que ganhavam a sua vida ali foram alojadas em barracas, por um período de 6 meses e estão lá há 4 anos. Um presidente de Câmara não toma uma decisão assim para se alimentar a nível económico, político e social, é claro que há por detrás um interesse obscuro.

Este polivalente, no coração de Sal Rei, foi destruído em 2015, sem a deliberação da Assembleia Municipal. O espaço foi vendido. Os vendedores foram colocados em barracas

A Assembleia Municipal deliberou a favor daquela destruição?

Este assunto não foi levado para Assembleia.

Mas os negócios dos imóveis devem sempre ser deliberados pela Assembleia?

Sim, pela lei devem ser. É propriedade municipal.

A Câmara conseguiu vender aquele espaço?

Primeiro foi demolido e depois vendeu a um investidor italiano. Foram feitos 2 concursos, não muitos transparentes, foi vendido por 47 mil contos. Dois mil metros quadrados de lote de terreno.

Uma outra critica que faz é a de que a Câmara não respeita os planos, no caso o PDU. Como consegue explicar isso para as pessoas entenderem com factos concretos o que tem acontecido?

Em 2008, a Câmara anterior, para criar mais lotes de terrenos e vender, transformou a estrada em lotes, construindo em cima dos tubos de água, uma rede de água de custou 220 milhões de escudos ficou destruída e foi preciso modificar a iluminação

O facto concreto mais visível, por exemplo, é uma estrada muito grande que foi prevista num plano de 30 anos atrás. Há 10 anos foi feita a rede de energia elétrica e água. Essa estrada, com uma largura de 30 metros, iluminada, com tubos de água no subsolo e tudo, financiado pelo Kuwait, foi eliminada para loteamento. Em 2008, a Câmara anterior, para criar mais lotes de terrenos e vender, transformou a estrada em lotes, construindo em cima dos tubos de água, uma rede de água de custou 220 milhões de escudos ficou destruída e foi preciso modificar a iluminação, algumas lâmpadas estavam na casa das pessoas que construíram. E a coisa mais grave é que perdemos a estrada, que é a única ligação que foi projetada para ligar o cais a outra parte da ilha. Neste momento, praticamente só temos uma estrada provisória que foi construída de terra na construção do cais porque não havia um lugar para passar. Esta estrada é provisória. Este é um caso, depois veio o Alameda e os terrenos que foram passados por esta Câmara ao Aristides Brito, que é vereador e que eram uma zona de lazer, a única zona de lazer que foi deixada pela Câmara anterior, porque eram dois, uma foi vendida anteriormente e a outra foi vendida por esta câmara. Os planos são bonitos, são feitos para pessoas que estudaram sobre urbanismo, e depois o presidente da Câmara não respeita.

A Câmara vendeu os terrenos da Alameda a quem?

Foi feita uma “permuta”. De facto, foi uma venda sem concurso público para pagar uma dívida de trabalho feito pela empresa Construções Oásis, do vereador Aristides Brito. Eram um total de 8 mil contos de dívida e resolveram entregar estes dois terrenos, transformaram-no em dois lotes, um de 3 mil metros quadrados e o outro de sete mil e qualquer coisa, e entregaram este terreno quando em hasta pública era possível vendê-lo por dez vezes mais.

Notamos que a Boavista está com bairros degradados, sobretudo o Bairro de Boa Esperança, que tem lá cerca de oito mil pessoas. Se for eleito presidente da Câmara que programas terá para esse bairro?

A urbanização foi feita pelo governo no ano passado com o Fundo do Turismo, a Câmara não conseguiu fazer nada, é uma área municipal e foi obrigada a chamar o governo a tomar conta. Foi urbanizada na parte da construção civil e ficou toda a parte mais antiga que são as barracas, ficaram todas no meio da terra, sempre com problemas que depois das chuvas pode criar uma epidemia e é preciso pensar que lá dentro há mais de 800 atividades económicas (bares, restaurantes, discotecas, há de tudo)

O bairro de Boa Esperança é um problema social complicado. Grande parte das casas são construídas como em Sal Rei, a única coisa que faltava era a urbanização. A urbanização foi feita pelo governo no ano passado com o Fundo do Turismo, a Câmara não conseguiu fazer nada, é uma área municipal e foi obrigada a chamar o governo a tomar conta. Foi urbanizada na parte da construção civil e ficou toda a parte mais antiga que são as barracas, ficaram todas no meio da terra, sempre com problemas que depois das chuvas pode criar uma epidemia e é preciso pensar que lá dentro há mais de 800 atividades económicas (bares, restaurantes, discotecas, há de tudo). É uma economia que se sustenta sozinha, não há fiscalização de nenhum tipo, não pagam impostos e esta ideia agora de demolir a parte mais antiga e transferir as pessoas para a Casa para Todos que são prédios e as pessoas não conseguirão mais ter um rendimento próprio. Isto é qualquer coisa que o governo, junto com a Câmara, precisa dar uma atenção particular. A nossa ideia é que cada um deve ter um lote de terreno de no mínimo 100 metros e como comunidade pode-se ajudar a construir neste lote um quarto, um cozinha e uma casa de banho de modo a transferir as pessoas da barraca para este sistema que é independente e onde possam continuar a ter um rendimento como estão habituados. Com o tempo esta família poderá aos pouco construir e aumentar o espaço da sua casa. Coisa que foi feita por todos nós. Ninguém construiu um palácio de raiz. Todos os cabo-verdianos construíram uma pequena casa e depois a parte de cima. Penso que assim pode-se encontrar um equilíbrio tranquilo entre a necessidade de morar numa casa digna e manter um tipo de negócio.

Traduzindo, talvez o Senhor optaria pela reabilitação do bairro em vez de tirar as pessoas de lá?

Exatamente. Não podem tirar as pessoas de lá.

Boavista é uma ilha turística. Se for eleito presidente de Câmara que condições criaria aqui para melhorar a situação turística e ser uma ilha mais acolhedora? Qual seria o seu programa neste setor?

Quando cheguei aqui em 1997, como disse, não havia nada. Havia uma situação muito diferente de hoje, por exemplo, a internet, o sistema booking não existia. E a nossa preocupação quando abrimos o hotel era de ter um tour operator forte, para trazer os turistas. Portanto, quase toda a economia e mesmo o governo apostou neste grande hotel porque tinha um tour operator que pode assegurar os voos, e também não havia o aeroporto internacional. Toda a preocupação era para termos infraestruturas melhores e agora temos infraestruturas melhores. Um aeroporto internacional e com a possibilidade de trabalhar sem um tour operator. Nós hoje podemos desenvolver um tipo de turismo que é mais sustentável e que pode ser controlado pela população local, por exemplo ter uma casa, um apartamento, e muita gente está a fazer. Qualquer pessoa, mesmo os nacionais, estão facilmente a fazer um contrato com o e-booking ou com um outro sistema e tramitará até o aeroporto internacional para chegar aqui e ter clientes. Os clientes chegam aqui porque há os grandes investimentos. Nós precisamos apostar nos grandes investimentos, os médios e os pequenos investimentos. Hoje em dia, se pode desenvolver qualquer setor porque, obviamente, há uma situação nova que vem dos últimos 5/6 anos.

Outras pessoas já nos disseram que muitos visitantes mostram interesse em fazer alguma coisa aqui, mas quando entram na cidade começam a dececionar-se. Portanto, aqui a Câmara tem um papel que seria melhor o ambiente na cidade….

A Câmara deve embelezar Sal Rei, mas até hoje não fez absolutamente nada. Não criou uma área turística onde as pessoas possam chegar e encontrar qualquer coisa interessante. Intervir em Sal Rei não é complicada e nem custosa como eles apresentam. Eles apresentam grandes projetos por vezes insustentável economicamente e de facto até hoje não arrancou nenhum. O primeiro grande projeto foi apresentado em 2014, depois em 2017 e estamos em 2020 e não arrancou nada.

Que projetos são esses?

O primeiro projeto que a equipa camarária anterior apresentou era a requalificação de toda a zona central e a orla marítima até o Hotel Marine Club e não arrancou. Depois foi apresentado um projeto, com esta equipa camarária, de requalificação da zona de praia Cabral e a total demolição da praça principal para criar, como o chamou o arquitecto uma jungla no centro da cidade e este também não arrancou porque – e iríamos perder o último património histórico e cultural da ilha – é um projeto com um orçamento elevadíssimo. O que se pode fazer é iniciar a dar a possibilidade de trabalhar onde passam os turistas como a rua dos pescadores até a Farinaçao. A possibilidade é desenvolver um negócio em frente da própria casa ou da loja que as pessoas têm, que possam ocupar uma parte do espaço, pois são zonas onde não há movimentação de carros e qualquer um pode financiar a parte da frente, calcetar a parte da frente da casa, a Câmara iria indicar o tipo de calcetamento e depois os mesmos recuperam este dinheiro através do imposto para ocupar um espaço público. Desenvolver esta atividade automaticamente sem investir muito dinheiro por parte da Câmara, esta zona iria se transformar numa área turística, depois é requalificar a praça, valorizando o local histórico e não demolir. O turista europeu, neste momento, procura a história de um país onde ele visita. Portanto, é só um trabalho de boa vontade e depois se pode fazer mais coisas aqui. Obviamente é um trabalho pesado por parte da Câmara, pois precisa fazer 12 horas por dia e sem viajar para o exterior. Se alguém está interessado em investir na Boavista, chega aqui e faz.

Um estudo do governo, de 2014, concluiu que a Boavista é a única Câmara auto-sustentável. Sendo auto-sustentável como é que o senhor avalia o desempenho aqui das equipas camarárias da última década?

O imposto patrimonial é aplicado aqui de forma ilegal, mesmo assim a gente paga e entra muitíssimo dinheiro, em torno de 150 milhões por ano, em média, nos últimos dez anos ou mais. De toda esta sustentabilidade, praticamente, nós não conseguimos ver nada porque obras importantes em Sal Rei não foram realizadas

Este estudo foi realizado baseando-se no fundo de financiamento que o Estado transfere todos os anos, mas principalmente do famoso imposto patrimonial, IUP, que nos últimos dez anos foi uma grande dor de cabeça para todo o mundo. O imposto patrimonial é aplicado aqui de forma ilegal, mesmo assim a gente paga e entra muitíssimo dinheiro, em torno de 150 milhões por ano, em média, nos últimos dez anos ou mais. De toda esta sustentabilidade, praticamente, nós não conseguimos ver nada porque obras importantes em Sal Rei não foram realizadas, depois a dívida pública cresceu, para as obras principais como o Centro de Arte e Cultura e o Polivalente coberto foram feitos empréstimos bancários em torno de quatrocentos milhões, desse dinheiro não sei quanto foi exatamente aplicado a cada um do projetos.

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