"Perder tempo em aprender coisas que não interessam, priva-nos de descobrir coisas interessantes". Carlos Drummond de Andrade
É de se louvar as iniciativas de discriminação positiva a favor das raparigas/mulheres em Cabo Verde. Muitas foram e são as mulheres que, caso não houvesse discriminação positiva, neste momento de certeza, em termos de educação, emprego e empoderamento pessoal estariam bem longe. A nossa sociedade não se encontraria no patamar de desenvolvimento onde está hoje, nomeadamente nos indicadores de Saúde, Educação, Governação, e Crescimento social. Todavia, é preocupante o que se está a passar com os rapazes, em especial no interior de Santiago, o que me leva a pensar se não seja necessário reverter o quadro, dando uma atenção especial a eles, à guisa do que se fez com as raparigas nos anos pós Independência, pois, a tendência é haver um desequilíbrio grande, criando uma sociedade desigualitária, dando azo a problemas sociais nomeadamente VBG (Violência Baseada no Género).
A abordagem machista que caracteriza a nossa educação no interior de Santiago, onde às meninas é exigido desde cedo a assunção das responsabilidades e o envolvimento em tarefas caseiras e do campo, deixa margem para os rapazes se sentirem mais livres e à vontade para passearem e se dedicarem a atividades que, na maioria das vezes mais não são que distratores do essencial e daquilo que impulsiona para a dedicação para a vida. Isso é reforçado pela ideia de que aos rapazes tudo é permitido (sair à noite, não dar satisfações, usar álcool, expor-se aos perigos, …). Há mesmo alguns dizeres comuns que reforçam essa abordagem: “Nha katxas sta soltu, pa kada kenha mara si litoa”. Ou, nha bodeku e soltu, pa tudu mai madja ses txubara”.
Se no passado os trabalhos de campo (cavar o chão, semear, tirar palha, tomar conta dos animais, limpar e arrumar o terreno, entre outras tarefas) eram para os rapazes, devido ao facto dos homens serem mais fortes e terem mais força física, hoje em dia são tarefas desprezadas por uma boa franja masculina e que são desempenhadas por um número cada vez mais reduzido de homens e rapazes: passaram a ser levadas a cabo por mulheres e crianças. Sementeiras, mondas, “roças”, cortar lenhas, tirar palhas e saber dos animais…
Em lugares tipicamente agrícolas, há enormes parcelas de terreno sem cultivo, porque falta a mão-de-obra: homens, disponíveis para trabalharem com a enxada. Há propriedades que produzem algumas frutas (papaia, manga, …) e não são escoadas porque faltam pessoas para tirar e levar. Grandes extensões de terreno de cultivo em zonas (sub) húmidas (Monte Serrado, Monte Bode, Lapona…) que deixaram de ser cultivadas e agora são poisos dos macacos e peladas (galinha-do-mato) por abandono.
Contudo, nos pequenos centros urbanos (hoje ditos cidades e vilas) temos rapazes e homens que simplesmente curtem o ócio á frente dos televisores, com os seus telemóveis na mão, á espera de um copito. É um espetáculo deprimente ver os campos nesta época do ano (sementeiras) cheios de mulheres e crianças, já que quase não há homens disponíveis para as azáfamas da azágua. Curiosamente nos locais perto dos bares e onde se vende bebidas alcoólicas (os famosos ‘Quiosques’ (ou Quiostes, cá para as nossas bandas) encontramo-los aos cachos, mesmo nas horas normais de expediente. Há alguns que estão lá desde manhãzinha, como costumam me dizer, a “xaguar o rostu” (entenda-se, beber grogu, antes do pequeno almoço).
Já não se preocupa muito em mandar os rapazes à Igreja – qualquer credo (muito cedo deixam de ir à missa, ao culto, à catequese, aos encontros religiosos) e trocam as atividades religiosas com saídas à noite, organizando-se em bandos para atividades muitas vezes duvidosas. Nem são obrigados às orações em família (terço, oração da manhã e à noite). Os famosos grupos corais já quase têm só meninas, os ajuntamentos religiosos também.
O trabalho do campo é cansativo, sim, mas é exatamente disso que precisamos! Ocupar-se, cansar-se física e mentalmente e deixar pouco espaço para atividades que entorpecem a mente.
Não sou contra as novas tendências da moda, atuais. Os tempos são outros, os jovens têm que estar updated. Não sou contra a tecnologia. Muito pelo contrário. Entrementes, no seio masculino está tendo má utilização! E a moda se centra mais em coisas que poucos benefícios trazem.
Os role models não são os melhores, suas atitudes são distorcidas, são copiados o supérfluo e o que se associa ao vício e à “vida boa” (no vestuário, nos gestos e atitudes).
Não raro recebemos encarregados de educação de rapazes adolescentes que dizem, “Nhos djudan kuel, N ka tene nada faze kuel mas”! Como é possível? A que ponto chegamos?
Isso está a começar muito cedo! Os rapazes do interior de Santiago estão todos ilusionados com telemóveis, ténis de marca, calças nas pontas das polpas, quase a caírem, boxers à mostra, brincos nas orelhas, carros de alta cilindrada…enfim, tudo menos disposição para trabalhar. Está-se perdendo aquela característica do “Badio trabalhador”, honesto, que põe o trabalho acima de tudo e que é destemido: pega na enxada, cultiva o campo, defende o que é seu e corre atrás.
Mas isso está na forma de educar. Nós os pais, estamos a falhar e muito!
É um absurdo permitir que rapazes de 10/12 anos saiam à noite e voltem á horas que quiserem. É inconcebível deixar que rapazes, a partir dos 13 anos frequentem bares, bebam bebidas alcoólicas e sabe se la Deus mais o quê! Está-se nas tintas daquilo que estão absorvendo, tanto física como psicologicamente, sem terem capacidade de digerirem e selecionar o que presta! Alguns se sentem perdidos! Não têm regras!
Nas salas de aula tenho reparado uma negligência enorme por parte da maioria dos rapazes (salvo algumas exceções) aos materiais escolares básicos (cadernos, livros, canetas) e um apego enorme aos telemóveis. Sabe se lá Deus o que andam a ver nos telemóveis (eu também sei L )! É necessário muita paciência para envolve-los nas aulas, pois a distração é enorme, o interesse é muito pouco.
Há um número limitado de rapazes adolescentes com um plano de vida, com uma ideia do que querem fazer. Há alguns que questionados sobre as perspetivas futuras dizem sem receio, “Quero ser traficante” (traficante de drogas, entenda – se!). Se perguntarmos porquê, dizem “para ganhar muito dinheiro”. Outros até nos desafiam com argumentos de que quem estuda ganha menos que aqueles que não o fazem.
A ideia de se esforçar o mínimo para se conseguir o máximo está fazendo escola, com destaque para os rapazes. Há muita vulnerabilidade no seio masculino, especialmente em questões que envolvam trabalho, disciplina, responsabilidade e respeito.
Alguns são pais precoces. Não são interpelados, nem chamados à responsabilidade. Até parece que só às raparigas deve-se “cobrar” a problemática da gravidez prematura.
Falando com alguns que já têm o 12º ano, acreditam que, já com este nível de escolaridade, não devem fazer os trabalhos de campo-sementeira, monda, remonda, por mandioca, etc., pois, isto é reservado aos analfabetos. Conclusão: temos muita gente desocupada e muito trabalho por fazer. Muita lenha para cortar e organizar, muito campo para limpar e cultivar, muita coisa que poderia gerar rendimento e ajudar muitas famílias, tirando um peso enorme aos governos locais e centrais.
Nós, os pais, não estamos a ajudar muito, repito! Faz confusão ver pessoas que tanto se esforçaram para conseguirem algo e ter algum desafogo material, não ensinarem aos seus filhos o valor do trabalho! Dão tudo e mais qualquer coisa aos filhos, às vezes mesmo sem terem condições! Permitem aos rapazes irem a todos os lugares! Alimentam todos os vícios, começando pela bebida.
Tenho observado que os rapazes, devido à nossa cultura de não dar-lhes dar as tarefas caseiras, têm tido tempo livre demais. E vamos parar de culpar o Governo de não criar espaços para aproveitar os tempos livres. O governo e as autarquias já fizeram a sua parte. Há espaços desportivos por tudo o que é lado. Todas as zonas têm polidesportivo, os famosos “polivalentes”. Há centros jovens por aqui e por ali. Há muita coisa que existe e precisa ser rentabilizada. Algumas infraestruturas quase a entrar na lista de “Elefante Branco”.
Precisamos de uma cultura de labor por parte dos pais e encarregados de educação, menos machismo, incutindo nos rapazes o valor do trabalho. Falta a consciencialização de que, se queremos ter uma sociedade justa, devemos investir na educação e orientação de todos, em geral e de cada um em particular. Falta a assunção das responsabilidades por parte dos pais, de que é na família que deve se formar homens que respeitam, que trabalham, que amam e que valorizam a mulher. Falta-nos a nós todos conjugarmos esforços e ajudarmos os nossos rapazes agora, porque senão, será tarde demais!
Precisamos de discriminação positiva, no sentido de se promover iniciativas de (re) educação masculina, ajudando os rapazes a se encontrarem! A serem “homens”, mais responsáveis, mais envolvidos e conscientes do seu papel enquanto filhos, cidadãos participantes do desenvolvimento da comunidade onde se encontram inseridos! A acreditarem que é no trabalho e no estudo que está a verdadeira liberdade e o caminho para a autopromoção!
(Um grande abraço àqueles que não se enquadram neste grupo - felizmente há uns ainda - e que são exemplo! Que continuem e que ajudem aos colegas).
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