Manuel Brito-Semedo lançou este desafio, no último fim-de-semana, em São Vicente, durante a apresentação do seu livro “Cabo Verde Ilhas Crioulas – Da Cidade Porto ao Porto Cidade (Séc. XV-XIX)”.
Segundo o investigador, passados 20 anos do seu doutoramento e perante a conjuntura atual com uma série de questões, nomeadamente, com a nova tese de António Correia e Silva, “Noite Escravocrata – Madrugada Camponesa”, e alguns programas de televisão, viu que era chegada a altura de fazer essa reflexão sobre a identidade cabo-verdiana. Isto, explicou, olhando para a geração futura e para a geração dos seus netos.
De acordo com o antropólogo, a identidade é algo que não pode ser decretada, não pode ser determinada, mas é uma construção e vai-se alterando. E reforçou que a noção de que há uma única génese, há um berço, há um tipo de pessoa que deu origem às outras pessoas em Cabo Verde “não é bem assim”.
Manuel Brito-Semedo, que disse que já tinha manifestado a sua discordância com a tese de António Correia e Silva aquando da apresentação do recente livro do historiador no Fogo, voltou a defender que o processo da história de Cabo Verde dá-lhe para perceber que houve dois momentos marcantes.
O primeiro, explicou, foi quando Cabo Verde se ligou ao mundo na era da Cidade Velha e o segundo com o Porto Grande.
“São esses dois momentos que fazem com que haja dois caldeirões que fazem formar a nossa cabo-verdianidade e a nossa identidade. Não são as mesmas pessoas. Veio gente de Santiago sim, veio gente do Fogo, mas nós tivemos outras pessoas, sobretudo no séc. XIX, quando as últimas ilhas (São Vicente e Sal) foram povoadas numa ocasião em que ainda nem existia o canal de Suez porque o canal de Suez foi inaugurado em 1869. Mas nós já tínhamos o porto”, defendeu.
No entender de Manuel Brito-Semedo, a passagem de gente e misturas, de sotaques e gentes das outras ilhas recomeçou com um outro tipo de povoamento, a partir da falência da Ribeira Grande, mostrando um outro quadro.
“É isso que nós precisamos entender. Porque quando chegamos ao séc. XIX, que é um período riquíssimo para a história de Cabo Verde e a história geral de Cabo Verde, o documento só vai até o séc. XVIII, deixar esse espaço para se investigar. E tem havido alguma investigação por temas e eu achei que dava para nós percebermos isso e darmos um contributo”, afirmou.
Conforme o antropólogo, quando se chegou à altura da independência, o que se fez foi anunciar, declarar e decretar que “os cabo-verdianos escolheram livremente o seu destino africano pelo que, a partir desse momento, “começou-se a implementar a reafricanização dos espíritos”.
“E existe um discurso único, uma orientação única e a história tem sido defendida desta forma. Esta é a questão. Eu tenho uma hipótese. Há dois caldeirões da formação da sociedade cabo-verdiana. E a tese é que nós somos uma sociedade crioula. As ilhas são-tomenses são ilhas africanas, mas nós não somos ilhas africanas. E eu não estou a falar no sentido geográfico. Estou a falar no sentido antropológico para explicar que a nossa identidade é uma identidade crioula”, reiterou, acrescentando que é preciso deixar a ideia de que houve um berço, um momento, umas pessoas, um grupo porque, não é verdade.
“Nós temos uma diversidade. Isto é que é a riqueza de Cabo Verde”, defendeu Manuel Brito Semedo, acrescentando ainda que, na segunda parte do livro, procura mostrar vários aspetos, nomeadamente, o pano de terra tomado como símbolo da cabo-verdianidade.
“Não é verdade isso. Nós sempre tivemos o xaile, porque é que foi apagado o xaile? Porque é português, porque é europeu”, argumentou, acrescentando que Darwin, aquando da sua passagem em 1832 em Santiago e em São Domingos, descreve um batuque, na visão de quem vem de fora, como é que as pessoas estavam vestidas.
“Estou a dar um exemplo, entre outras coisas. Esta é a minha tese. Agora podem atirar pedradas, mas não acertam em mim. Escrevam e apresentem outras teses e outras hipóteses. Este livro é um grande contributo que eu estou a dar a Cabo Verde, a São Vicente e às minhas netas que são crioulas, americanas, argentinas. Se as pessoas não perceberam isso fico com pena”, arrematou o antropólogo iniciou o seu livro a destacar as letras da coladeira “Nôs Raça, escrita em 1978 por Manuel d´Novas”.
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