Afuraka. Música, arte e consciencialização negra num único espaço
Cultura

Afuraka. Música, arte e consciencialização negra num único espaço

Afuraka (o mesmo que África) era assim que o antigo povo Kemet se referia ao continente berço. E este foi também o nome que Nuno e Black escolheram para a casa de arte que abriram no coração do bairro da  Achadinha.

O casal, que escolheu a filisofia rastafari como modo de vida e a arte como forma de expressão, acolhe diariamente nesta estrutura dezenas de crianças para sessões de desenho, pintura, aulas de música e actividades variadas.

Nuno transformou a antiga casa onde passou boa parte da infância com a mãe e os irmãos, num centro de cultura e lazer. São quatro quartos que agora servem de sala de expressão plástica, sala de bateria, piano e violão.

A casa é simples mas sempre cabe mais um. “É uma ideia que vinha cozinhando. Queria usar o espaço para algo positivo. Um lugar onde as crianças podessem estar juntas para fazer e divulgar arte. Digo sempre às pessoas para entrarem e estarem à vontade porque esta não é mais a casa do Nuno mas sim um espaço de todos”, convida.

Para dar seguimento a esta ideia, Nuno e a mulher contam com o apoio de outros jovens de Achadinha. Todos trabalham voluntariamente. Os instrumentos foram doados por parceiros e o projecto segue na esperança de mais apoios.

Os pais são convidados a contribuir, mas com ou sem contribuição, todos são bem-vindos. Nuno garante que nenhuma criança é deixada de fora se mostrar boa vontade e interesse.

E é assim que tem sido nestes quase dois meses de funcionamento. Em ritmo de férias as crianças chegam e partem. Nuno exige disciplina, mas também explica que quer crianças motivadas que aprendam por motivação e não obrigação.

E motivação não parece faltar. Muitas já fizeram da Afuraka parte da sua rotina. Em poucas semanas já sabem notas e acordes, que enchem as manhãs do bairro de uma mistura animada de acordes de violão, notas de piano, em harmonia com a vibrante ressonância dos pratos das baterias.

Envolver a comunidade

A animação não se limita às quatro paredes da casa. Aos fins de semana, a Afuraka tem promovido tocatinas, que atraem boa parte dos vizinhos. A rua torna-se palco para todos. Quartetos, duetos e quintetos improvisados animam os serões. As crianças têm a opurtunidade de ver os mais velhos a tocar, além de mostrarem à comunidade o que têm aprendido.

“Queremos também trabalhar a comunidade, para que o bairro seja um lugar de música como antigamente. Para que as pessoas possam dizer: vou à Achadinha sem receio porque lá só existem músicos e pessoas de bem”, partilha o promotor do projecto.

Além das tocatinas, o espaço tem promovido palestras e debates com convidados para discutir questões sociais e culturais.

Música e ideologia

Apar das artes, na Afuraka trabalham-se também questões de identidade e auto-estima.

“Neste espaço estamos a trabalhar na tomada de consciência de que a África existe e está visível no nosso dia-a-dia. Hoje, muitas vezes, temos até medo de mencionar o nome África em determinadas sociedades. Eu sou um rastafari e todo o meu posicionamento é no sentido de defender o continente”, explica Nuno.

Uma reflexão um tanto quanto profunda mas que Nuno garante ser compreendida e expressa pelas crianças de diferentes maneiras.

“Uns dos alunos desenhou o continente e fez uma pequena redacção sobre os conhecimentos que tem sobre a história de Cabral. Achei bonito, então desafiei-o a escrever uma carta a África, onde ele poderá expressar o que pensa do continente”, exemplifica.

Um desafio para cumprir um dos principais objectivos do projecto que é o de promover a consciencialização e união para divulgar e ostentar o continente através de acções positivas.

“Queremos falar de África não como o continente das fomes, violações, das guerras, mas da África berço da humanidade, continente mãe, onde os primeiros homens brotaram”, reforça.

Nuno conclui pedindo a toda a comunidade de Achadinha, mas também a todo o país, a redescubrir o nosso continente e a lançar um novo olhar sobre esta questão tão importante na formação das nossas crianças e jovens.

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Karina Moreira

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