I
Breve resenha
Depois de receber naturalmente, ao longo dos anos, experiências de vida por vários continentes e culturas de língua lusitana – desde África, Europa e Ásia -, de acordo com as minhas observações, análises, reflexões, audições, aprendizagens, estudos, leituras, curiosidades, investigações e conclusões, achei o que defino por Emisferianidade[1], induzindo ao conceito a realidade dos povos e gentes falantes da língua portuguesa como sendo o espírito genuíno e comum, do património moral e ético, da diversa e múltipla realidade cultural, social, religiosa e linguística, de crenças e tradições, usos e costumes, integrada e refletida na multisociabilidade intercultural e social.
Este é, por conseguinte, o conceito que define, em meu entendimento sempre relativo, os povos e gentes falantes da língua portuguesa como um espírito genuíno e comum.
Olhei para a nossa realidade Emisferiana integrada com o resto do mundo. Realidade espácio-temporal; realidade espacial, realidade temporal; realidade sentimental, realidade intelectual: realidade racional, ideal, idealizada.
Verifiquei que a nossa Emisferianidade é essencialmente viva, atual e dinâmica na caminhada da união transcendental dos povos, consequência da miscigenação cultural, social, sentimental e de valores morais e éticos, ao longo dos séculos. Esta realidade mestiça incontestável é decerto o elemento de aproximação e comunhão das diferentes nações, estados políticos, sociedades e comunidades que compõem, constituindo assim a existência das pessoas falantes da língua portuguesa.
Nada me indica o contrário de que, perante os mesmos e diferentes estímulos exteriores e interiores, essas pessoas não tenham condutas éticas, estéticas e sentimentais que partilham e comungam, identificando-se entre elas.
Constato pois que aquelas pessoas que vivem a nossa Emisferianidade, independentemente da sua realidade geográfica, cultural e social concreta e específica, algo as aproxima e as une ou reúne, tanto nos fundamentos da convivência social, como nos requintes de vida. Devo destacar, merecendo um olhar e uma abordagem mais dedicada, atenta e cautelosa as comunidades autóctones, histórico-secularmente nascidas e radicadas que permanecem, existindo com esforço e dignidade em diferentes países da nossa extensa e multicultural Comunidade, nomeadamente a existência dos pigmeus, os Bochimans do sul de Angola e os índios do Brasil ou o povo Macua do Norte de Moçambique, com a sua língua, cultura e costumes.
Como dizia, são fundamentos, pilares da convivência social e de requintes de vida, pelo facto de uma existência mestiça, fruto da miscigenação secular, ser a causa de aproximação e comunhão, tornando-se, ao mesmo tempo, como bússola orientadora de valores morais, éticos, estéticos e sentimentais, nas relações dialéticas sociais e culturais.
É esta aproximação, partilha e comunhão, entendo eu, que exige hoje uma melhor atenção, descoberta e complementaridade para que se revele ativa a nossa existência de valores morais, éticos, estéticos e sentimentais. Mas este processo maiêutico de revelação não se almejará, primeiro, sem que se oriente uma interpretação geral, universal, integrada e segura, como ao mesmo tempo dos vários concretos aspetos culturais, sociais, económicos, políticos, religiosos e linguísticos que compõem cada realidade Emisferiana.
Considero pois que é no respeito, tolerância, aceitação democrática de cada universo Emisferiano que almejaremos parir e identificar os fundamentos da nossa convivência social e de requintes de vida que nos aproximam, nos unem e reúnem, permitindo assim caminhar sempre mais seguros da nossa identidade e nossas identidades.
O importante a revelar e ir revelando é aquilo que nos mantém próximos e que nos destaca perante as intolerâncias, desrespeitos, antagonismos e choques culturais, sociais e religiosos mais perversos que temos vindo a assistir às nossas portas e em plena atualidade, devido à nossa existência singular, específica e democrática de convívio e aceitação pela diferença.
A nossa miscigenação contínua surgida há séculos e a nossa realidade existencial mestiça implicaram e têm vindo a provocar o surgimento de uma conduta perfeitamente distinta, singular e específica do Emisferiano: a democratização humana pela miscigenação.
A consciência e assunção desta realidade mestiça são de sobremaneira importantes para o revigoramento de um processo de interação maior e mais profícuo, de complementaridade nas relações entre todos os intervenientes da existência das nossas realidades, transportando-nos para uma visão transnacional e de uma supranacional identidade, fundamentada e justificada em valores morais e éticos.
As diferenciações geográficas, culturais, sociais, religiosas e linguísticas, que caracterizam a Emisferianidade, e o movimento cada vez maior de aproximação, de integração e de complementaridade dos povos falantes da língua portuguesa, refletidos nos seus fundamentos da convivência social e de requintes de vida cultural e linguística, podem apresentar-se até inconciliáveis, mas na verdade não é isso que se passa no nosso universo emisferiano.
Na verdade existe um sentimento de pertença, de afinidade, de identificação - até de unidade singular entre povos - cultural, social e linguístico que não se compadece com barreiras geográficas, políticas e religiosas, para se afirmar como uma realidade viva, atual e atuante que nos define e nos destaca no Mundo.
Devemos assim tomar consciência que foi e é a mestiçagem o principal constituinte da nossa integração sem “represálias” nos diferentes espaços culturais, religiosos, sociais e linguísticos. Sendo, por isso, a mestiçagem um constituinte de diferenciação, logo é recriação, criação, autodeterminação e originalidade.
Julgo eu que quanto mais formos apurando e salientarmos as diferentes realidades humanas que compõem essa imensa comunidade emisferiana, mais apuraremos as nossas condutas de aceitação, respeito, compreensão, tolerância e assunção da integração pela diferença. Por esta via, considero que, consequentemente, nós encontraremos o que de imaterial e transcendental constitui ou constituem o nosso ou os nossos fundamentos de existência comungada e complementar.
II
A dor que nos dói
Agora, saídos dos pensamentos, das análises e ameaças de conclusões, caídos do Céu à Terra, diretos ao real social, económico, financeiro e político, indaga-se: será assim? Serão os elementos verdadeiros, os factos verídicos, as análises certas e as arriscadas conclusões? Talvez por cautela, haja começado por identificar diferentes realidades: a realidade espácio-temporal, a realidade espacial, a realidade temporal; a realidade sentimental, a realidade intelectual: a realidade racional, a realidade ideal, idealizada.
Existe aquela que é fruto do nosso ideal. Existe aquela fruto do nosso real material e físico. Existe aquela que é esforço da nossa racionalização intelectualizada, distante ou sentimentalizada. Todas serão autênticas, porque existem. Existem no universo e no interior pensamento de cada um. Mas interroga-se qual a que existe na implicação direta do ser vivente e pensante. É com certeza a realidade que afeta quotidianamente a vida de todos em sociedade e de cada um de carne e osso em concreto, na sua qualidade de pessoa e cidadão. No seu consumo como animal consumista, no seu social e profissional como ser gregário, na sua política como animal político, na sua cultura como pessoa culta, na sua educação como criatura pensante e errante em busca permanente e necessária de conhecimento.
Será que perseguimos a democratização humana pela miscigenação? Será que vivemos no respeito, tolerância, aceitação democrática? É verdade que integramos as maiores religiões do mundo. É verdade que integramos talvez a maioria dos grupos étnicos existente no planeta.
Será exato dizer que conseguimos facilmente conviver com realidades e expressões regionais diversas, olhando com compreensão e entendimento para manifestações culturais próprias de uma específica zona geográfica do mundo humano, devido aos valores de tolerância, compreensão, respeito e aceitação democrática pela diferença que nos fomos impregnando e agora comungamos?
Falar de democracia é falar-se de liberdade. Aquela pressupõe esta.
Ora é pegando na última asserção de que é a realidade que afeta quotidianamente a vida de todos em sociedade e de cada um de carne e osso em concreto, na sua qualidade de pessoa e cidadão, que continuarei esta reflexão.
Discutir liberdade ou democracia nos dias de hoje[2], julgo que é uma necessidade urgente atual, de modo a podermos arrumar inteligivelmente a realidade circundante, contemporânea e provocadora de consequências inevitáveis – positivas ou negativas -, para percebermos o que de facto se passa nos nossos meios ambientes, nas nossas comunidades, sociedades, consequentemente na nossa maior Comunidade que se caracteriza por um espírito genuíno e comum.
Não será novidade nem tão pouco notícia, já que são factos e acontecimentos recorrentes, que as magistraturas Judicial e do Ministério Público encontram-se, nos países falantes da língua portuguesa, em crise de afirmação de valores, com situações muito pouco dignas que têm vindo a manchar a imagem e o seu desempenho real no exercício das funções de soberania que lhes estão adstritas.
Também os graves escândalos sucessivos que vão surgindo no seio governativo e na orla dos governantes, com consequências muito nefastas para toda uma comunidade política, não só pelas influências deixadas, tais como pequenos cogumelos venenosos que vão permanecendo despercebidos continuando o trabalhinho negligente e descuidado aprendido de seus mestres anteriores e atuais, bem como os danos diretos de muito prejuízo causados às pessoas, cidadãos e sociedade em geral. Falando inclusivamente das promiscuidades económica, financeira e desportiva, melhor afirmando futebolística, com o poder governante dos respetivos países, onde hoje está tornar-se propenso a criação e o surgimento de banditismo organizado, associado e em rede. Em qualquer uma das esferas produtivas de uma sociedade a realidade do crime organizado prospera, adaptado às novas tecnologias, ao novo tempo da celeridade executiva, do encobrimento, das amizades de interesses, do abafamento, das influências de bastidores e dos lóbis, da ausência de hierarquias fortes enraizadas e das mudanças permanentes, em certos casos abruptas aparentemente, mantendo-se sempre o desígnio laxista de libertinagem. O caso FUTEBOL será um bom e acabado exemplo. Os INCÊNDIOS em Portugal igualmente são consequência do laxismo e libertinagem enraizados, com fortes ligações ao banditismo organizado.
Igualmente deve ser focada e não esquecida a intermédia tabela social, porque é aí que os resíduos cancerígenos resistentes vão permanecendo indetetáveis. Aqueles e aquelas que vão exercendo funções públicas e privadas, sem terem peso governativo, de decisão política nacional e regional relevantes, vão, contudo, dançando a Morna fora de compasso da burguesia abastada, imitando-os, de tiques abrasonados, usando os parceiros da segurança e de apoio social ao cidadão para alterarem o valor facial das suas mascaradas caras de desonestas, muitas vezes criminosas vontades. Compram a aparência, escondem a podridão, dilatam a promiscuidade e as enfermidades. São eles universitários, diretores-gerais, assessores públicos, assessores privados, empresários, banqueiros, presidentes associativos, entre várias outras profissões e funções que existem na estrutura fundamental, funcional, viva, dinâmica, de marcha ativa e decisiva na orientação do sentido dos povos e comunidades políticas. Pergunta-se: o exemplo vem de cima e alastra-se pela cadeia hierárquica social, económica, partidária e governativa ou eles já pululam no mato comunitário ansiosos de tomarem as rédeas e os controlos dos países, encapotados de bons e exemplares governantes, empresários e banqueiros? O poder corrompe ou já chegam a ele corrompidos? O mal existe, afetando, impedindo fortemente as estabilidades almejadas e necessárias. Quanto a essa realidade, julgo não haver dúvida. Dúvidas sim existem em como fazer dissipar o que já se instalou. Como desinstalar. Os programas de computador instalam-se e desinstalam-se, sem deixarem descendência. Fica tudo limpo, em princípio, para dar lugar ao novo programa. Como fazer com as pessoas?
Não podemos desinstalá-las! Mas talvez possamos reeducá-las. Educá-las é mais suave abordagem. Pressupõe que vão aprender algo de novo que nunca conheceram. A reeducação poderá trazer a carga negativa da reprovação do ano letivo pelas universidades, faculdades, escolas, institutos. Pode pressupor a reprovação da Vida. E pressupõe limpeza ou cura das enfermidades!
Julgo que estará aí umas das mensagens diretas do senhor Presidente da República de Portugal (outros presidentes de mais países e outras figuras relevantes e interventoras das nossa Comunidade deveriam seguir o exemplo). Dançar a MORNA da VERDADE sozinho é muito difícil, não sendo impossível. Estará, como dizia eu, na Educação umas das mensagens diretas de Marcelo Rebelo de Sousa ao afirmar, como o disse em Salamanca, Universidade, onde falava para uma plateia de centenas de reitores e representantes de universidades e politécnicos de todo o mundo, apelando a uma universidade aberta e universal para combater problemas de coesão social que provocam populismos, xenofobia ou demagogia: "A crise dos dias de hoje, a crise dos sistemas políticos, a crise dos sistemas económicos, a crise dos sistemas sociais é uma crise de falta de coesão. Onde não há coesão há populismo, onde não há coesão há xenofobia, onde não há coesão há demagogia" afirmou, acrescentando porém que "Trabalhar pela coesão é trabalhar pela educação e, por isso, não há universidade que não esteja ligada à sociedade. E por isso não há universidade que não deva ser aberta ao mundo. Universidade fechada é universidade que se nega a si própria. Universidade para os professores, para os burocratas, para a organização não é universidade". Devo aqui salientar a importância atribuída aos valores e a implicada existência bilateral e multilateral da universidade, sendo que aqueles, na boa asserção de Marcelo, inexistem sem educação, uma vez que a universidade não é "uma peça isolada" na sociedade. Concordando com o seu autor de que o papel de uma universidade deve ser o de antecipação, assim "O problema dos dias de hoje é que ninguém antecipa o que deve ser antecipado. E não antecipar para uma universidade é morrer".
Ilustrando, querendo com isso reforçar um entendimento que devia estar dentro de todos nós para sua aplicação efetiva na ação social, económica, política e cultural, invoco António Sérgio acerca do que pensa sobre Educação e do que seja educar, num seu pequeno excerto[3]. “Educar significa, como dissemos, favorecer o crescimento da capacidade de racionalização, de espiritualização, de universalização, de superação dos limites vários que confinam o indivíduo numa pátria ou grupo, numa localidade ou época, - habilitando-nos, portanto, a sermos educadores da sociedade: o fim da educação é ela própria, e um dos seus objectos, por isso, o não deixar perder aos moços aquela plasticidade de inteligência, aquela vibratilidade espiritual que os capacita para desenvolver-se. Procurai o educador no varão educável, no de espírito moço, e o homem bem educado no que tomou fome de educar-se, de manter-se jovem.”
Como bem pensa e diz o pensador português, “o instinto de racionalização é um esforço para a harmonia, para a adequação das partes ao todo, para essa reciprocidade de relações que é o elemento essencial da ideia do justo.” Isto é, um pensamento, o exame moral de uma conduta está sempre integrado no seu espaço e tempo numa multiplicidade que se pretende una, sendo que o todo é o fim de cada uma das partes: “Uma nota de um instrumento é pelo seu lugar dentro do trecho, num conjunto qualquer de sonoridade, que destoa ou soa acorde.” [4]
Vivemos o presente momento conjuntural e histórico, na esperança que não torne-se estrutural, de grandes incertezas e desvios morais, de grandes choques e dúvidas de ética política. Os mundos da leviandade, da libertinagem, do laxismo, das negligências e das promiscuidades parecem reinar e quererem instalar-se definitivamente entre nós, assumindo, com isso, regra de conduta, requisito de escolha e de eliminação, de integração e ascensão social, económica e governativa.
No entrementes existem pessoas e personalidades – parecem estar em vias de extinção, sendo coisa rara de encontrar-se – como António Arnaut, um democrata, com profundo sentido humanista, dedicado à causa pública, ficando indelevelmente associado à criação do Serviço Nacional de Saúde de Portugal (SNS), que foi uma das principais conquistas sociais da democracia portuguesa, após o 25 de Abril. Quando hoje sabemos que os dinheiros públicos não são condignamente destinados aos seus próprios fins, mas sim muitas vezes destinados para se imiscuírem com os interesses privados e particulares dos titulares dos cargos da Coisa Pública. Ou personagens como o sempiterno jovem Pintor Júlio Pomar, com a sua irreverência e rebeldia democrática nos fazem acreditar na mudança positiva.
Ora, se ao tempo do colonialismo e do fascismo exigia-se, para a admissão a concurso (entenda-se da função pública), nomeação efetiva ou interina, promoção, acesso, etc., em relação aos lugares do Estado e serviços autónomos, bem como dos corpos administrativos, que o interessado declarasse por sua honra que estava integrado na ordem social estabelecida pela Constituição Política de 1933, com ativo repúdio do comunismo e de todas as ideias subversivas, nos termos do Decreto-lei n.º 27:003, de 14 de setembro de 1936[5], atualmente verifico que em qualquer país falante da língua portuguesa podia perfeitamente servir a seguinte declaração, sendo ela admiravelmente recebida e aplaudida por muita “boa gente dos poderes declarados e dos poderes camuflados”: declaro por minha honra – de malandro - que estou integrado na ordem do submundo social, económico e financeiro, estabelecida pela Constituição da Libertinagem e do Laxismo, com ativo repúdio pela Liberdade e pela Democracia e de todas as ideias que proíbem o compadrio, a traficância de influências, as promiscuidades e a corrupção.
Coloca-se a questão por que afinação optar. Ou é mais uma questão de tocar-se afinado, em harmonia, com tempo e com compasso, sob a batuta da constituição do diapasão, ou ser-se desafinado, sem desejar de deixar de o ser e querer imprimir intencional ou negligentemente a desafinação generalizada. Não é seguramente uma orquestra, mas sim um bando de loucos impreparados, em permanente desafinação e desenquadramento com o todo e a ordem universal.
Quase me ofendo ao descambar para aquele palavreado. Pareço querer aniquilar o meu próprio pensamento que é de exaltação à vida, ao respeito, à tolerância e à aceitação, à diversidade e multiplicidade, à liberdade, à democracia, ao dinamismo e à Saudade, quando abordo e me deixo embalar pelos lugares esconsos e escorregadios de apodrecida madeira e de ferraria enferrujada naval da nossa Emisferianidade.
Ora distingue-se aqui, primeiro, o espírito genuíno e comum; segundo, este espírito genuíno e comum enraizado na diversa e múltipla realidade cultural, social, religiosa e linguística, de crenças e tradições, usos e costumes; terceiro, esta realidade existe integrada e projeta-se na multisociabilidade intercultural e social, dos povos e gentes falantes da língua portuguesa. Quarto, a multisociabilidade intercultural e social traduz-se na sua subsunção a um património moral e ético que é, por fim, personificado e personalizado na transcendental existência mestiça do espírito genuíno e comum da Emisferianidade, que é a nossa.
Há como que um movimento de disseminação descomplexado, desmistificado e não estratificado de espelhação que nos excita a curiosidade do espírito de nos movimentarmos geograficamente pelos diferentes espaços físicos da nossa Emisferianidade, sempre dominados por um sentimento que nos impele à aventura, à fuga, à evasão, à partida e ao regresso, enfim à nossa Emisferíada Saudade.
Enfrentando sem receios as nossas diferenças e divergências, mas sempre com o fito de melhor nos compreendermos e nos entendermos, lançar as bases de uma nova realidade existencial da Humanidade no Mundo, fundadas na diversidade, na estabilidade, na complementaridade, na fluência e na estrutura comum do espírito genuíno; ora a diversidade múltipla – toda a contribuição de atividade erudita, espontânea, popular, regional ou geográfica - que flui estavelmente na fluência recriadora de uma língua comungada e suportada pela estrutura moral e ética.
Temos assim a sorte de atualmente todos nós podermos – os da emisferianidade - comunicar pela mesma língua, o que permite caminhar, encontrar e desenvolver mais e melhor as nossas proximidades morais, éticas, culturais e linguísticas, sem descaracterizar e sacrificar as múltiplas diversidades que nos constituem.
De uma coisa não devemos nós nunca pôr em dúvida e que é o facto da necessidade imperativa de demandarmos especulativa e filosoficamente no conhecimento dos aspetos mais íntimos da História, da Cultura, da Sociedade, da Política, da Religião e da Língua, Crenças e Tradições, Usos e Costumes dos diferentes povos, sociedades, comunidades e gentes falantes da língua portuguesa, realçando o que existe de mais essencial e humano nas suas multilaterais relações.
Não quero acreditar na decadência estrutural dos valores e dos espíritos. Quero acreditar que tornamo-nos conscientes das nossas enfermidades e das dificuldades que existem em constituir relacionamentos fundados na boa-fé, que, por esse conhecimento, sairemos do poço que já vai escuro e fundo na sua fundura. Quero acreditar que é possível a democratização humana pela miscigenação, não podendo ser viver em democracia, como diz António Aranut, “uma forma de garantia de emprego ou de realização de projetos pessoais”. Quero acreditar, como Arnaut, que “Há velhos, na idade, como eu, que continuam com essa mesma utopia. É possível transformar o mundo e é possível transformar o país”. Quero acreditar que nós podemos ser os atores principais e primeiros impulsionadores na entrada para um novo mundo, novas mentalidades: solidárias, amigas, atentas, responsáveis e críticas. Talvez o limiar de outra mais delicada e dedicada Sociedade Mundial, em Democrática Liberdade, dando início ao fim da utopia, na construção para a elevação num outro patamar moral, ético e político de comunidades multiseculares e multiculturais.
Quero ver Timor, Moçambique, Angola, São Tomé e Príncipe, Guiné, Cabo Verde, Portugal e Brasil, trazendo Macau, Malaca e Goa sempre nos seus intentos e pensamentos, num abraço maior ao mundo. Quero ver a nossa Emisferianidade aberta ao universo, ao conhecimento, à novidade, ágil, ativa; a ser a impulsionadora, a ser a locomotiva na revolução a praticar das novas ideias, das renovadas mentalidades que devem incorporar os pensamentos nas condutas das sociedades e comunidades, a enraizar nas culturas, usos e costumes dos povos, que em breve já estarão a chegar a outros espaços do cosmos, a entrar noutros planetas. A selvajaria e o livre arbítrio jamais vingarão no espaço sideral, ultraterrestre, nas viagens interplanetárias e a busca de radicação noutros planetas. Poderão sim ser a sua dificuldade, o seu impedimento, o seu cancro, a sua enfermidade crónica.
*
Medrosos de espelhos partidos
O vivente pensante é medroso, na classificação humana da espécie
Tem medo de si próprio … sim, medo de si próprio
Medo do que não vê, não sabe, não conhece
O medo que o faz maldoso, guloso, ganancioso
Persecutório do abafamento
Também um assassino suicidário
Na sua ilusória defesa atacante de um quimérico inimigo
De uma terra plana sem reflexos, sem sombras
Falha de relevos, onde todos os espelhos foram partidos
Mesmo os das águas de Narciso surtiram desaguados
Que fizeram-se agitadas, turbulentas
Imperceptíveis ao reflexo do olhar
As águas do dilúvio arquearam-se perigosas
Afogadas, asfixiadas
Ninguém se vê
Ninguém vê ninguém
Ninguém vê o seu próprio palmo
Menos a sua sombra refletida
Ou o opaco do sólido a contradizer-nos nos espaços
Onde as luzes, os sombreados ausentaram-se para outra dimensão
Não esta tridimensional
Os relevos físicos foram sugados aos buracos de bichoca
Fugidos da esperança de sol e chuva
Que molha e seca os tornozelos agitados de qualquer donzela
Não, não aqui!
Não é esta a dimensão acertada da tridimensionalidade
Esta é aquela dos medrosos de espelhos partidos
Não, não estão aqui todos os elementos espaciais
Altura, largura e profundidade
Talvez o olhar tímido, pausadamente arisco da mulher feminina
Perdido na fundura do quadrado negro da mesinha alta de café
Cinzenta
Deslizando no alargamento para o esverdeado militar
*
360 Graus
olho o Mundo da montanha mais vertiginosa
e abraço-o
Todo
de cima para baixo
de baixo para cima
nos seus 360 graus também
amo o Mundo
as suas gentes
as suas alegrias são as minhas
as tristezas também
quero
queria ser um imenso braço
para o conter todo
dentro e comigo.
Raphael d’Andrade,
[1] Este tema e conceito fazem parte de um trabalho, que considero o ninho do meu Pensamento sobre as nossas realidades emisferianas, com o qual participei no concurso Eduardo Lourenço – Professor e Pensador português -, edição 2015, organizado pelo Centro de Estudos Ibéricos, com a participação da Universidade de Coimbra, de Salamanca e da Câmara Municipal da Guarda.
Indo muito além do que possa ser a lusofonia, o mundo lusófono ou os lusófonos, a nossa Emisferianidade integra contudo os luso-sons como seus elementos importantes para a sua existência e constituição, da mesma forma, por exemplo e nomeadamente que a existência dos pigmeus, os Bochimans do sul de Angola e os índios do Brasil ou o povo Macua do Norte de Moçambique, com a sua língua, cultura e costumes. Uma Comunidade maior que já ultrapassa 250 milhões de pessoas, com grande relevância para uma futura saudável comunidade económica. De consumidores serão seguramente. Falha-nos a parte dos produtores para fornecer toda a população reinante. De Timor ao Minho, abraçando Macau e Goa!
[2] Existe uma deliberada e intencional confusão dos conceitos de Liberdade e Democracia. Esta prática corrente de lançar as palavras ao vento, fazendo-as confundir com condutas que, no jogo das aparências e das demagogias, levam as pessoas a acreditar que vivem de facto em Liberdade e Democracia. A intencional confusão é para impedir o movimento intelectual e inteligível da real e autêntica subsunção plúrima dos factos. Impedir que as pessoas consigam por si próprias analisar e concluir.
[3] In Ensaios, Tomo I, 2ª edição, 1949, pág. 194.
[4] Idem, ob citada, pág. 195.
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