...ao se sustentar que é estranho um líder não se recandidatar, após ter ganho as eleições de forma esmagadora, procura-se normalizar a ideia de que não é habitual um líder abandonar a liderança depois de as ter perdido e, eventualmente, enfatizar que essa figura providencial (neste caso, Ulisses) não desampara o partido numa hora tão difícil…
Quando não há coisas mais importantes para se dizer, ou se manifesta necessário desviar as atenções públicas de coisas pouco convenientes para as forças sistémicas, recorre-se a factos políticos imaginários e, em particular, a teorias da conspiração.
Vem isto a propósito do anúncio de Rui Semedo em não se recandidatar à liderança do PAICV, um facto que suscitou um coro de incredulidades, umas sérias, outras de encomenda e outras, ainda, por efeito de manada.
Rui Semedo é o primeiro líder do PAICV a vencer umas eleições autárquicas, um facto histórico de grande relevância, para mais com a dimensão e o alcance que teve. Neste contexto, tudo faria crer que o ainda presidente tambarina avançaria para um novo mandato e, provavelmente, não teria opositores.
Em cima dos 70 anos de idade, chegando ao fim de um mandato complexo em que teve de gerir as tendências internas e liderar a oposição, Semedo quis sair pela porta grande, deixando incólume o seu lugar destacado na história política do seu partido e de Cabo Verde.
E deve ter feito contas, porque, ganhando as legislativas de 2026, estaria com a idade de 72 anos, chegando ao final do mandato governativo com 77 e, caso quisesse apostar num segundo, chegaria ao fim com 82 anos de idade.
Em nome da renovação política
Rui Semedo, que tinha tudo para se recandidatar à liderança, aparentemente, preferiu dar o lugar aos mais novos e um novo fôlego de rejuvenescimento ao partido. Aliás, foi ele próprio que o disse, justificando a sua saída após uma vitória esmagadora nas autárquicas de 01 de dezembro.
"As lideranças não são eternas", disse o ainda presidente do PAICV, acrescentando: "Devemos naturalizar a cultura de circulação do poder a nível interno, como forma de abrir espaço de ascensão de novos líderes e de introduzir fatores de revitalização da organização".
As verdadeiras razões de algumas incredulidades
As teorias da conspiração chegam a alegar razões ocultas para a não recondução de Semedo na liderança do partido, indo ao ponto de se avançar com uma (essa sim) inusitada e bizarra conjetura de relação causa-efeito entre as escolhas internas do PAICV e o anúncio de Putin sobre a nova ordem mundial, como se Cabo Verde tivesse importância geopolítica para decidir o rumo da humanidade e afirmar-se como parceiro imprescindível do líder da Federação Russa, sem o qual a nova ordem mundial (ainda assim, inevitável a prazo) não fosse possível.
A verdade é que, após 01 de dezembro, há uma propensão estimulada pelo partido do governo para desviar atenções, retirando do centro do debate político a (muito contestada) figura de Ulisses Correia e Silva, procurando amaciar os danos da derrota e construindo a ideia de que, sem a figura providencial do ainda primeiro-ministro, é o fim do MpD.
Neste contexto, haveria de conseguir que as manobras de diversão, a propósito da não recandidatura de Rui Semedo, criassem um cenário antecipado para o novo rosto da liderança, fabricando a narrativa de que a sua eleição se deveria a fatores ocultos e, eventualmente, colando-o à imagem de um agente de Putin e serventuário da propalada nova ordem mundial (!?).
Ou, antes mesmo da eleição, criando um manto de suspeições que inviabilizasse aquilo que o último estudo da Afrosondagem (mas também um outro, mandado fazer recentemente pelo MpD) indica de forma avassaladora: a eloquente mudança de poder em 2026.
Por outro lado, ao se sustentar que é estranho um líder não se recandidatar, após ter ganho as eleições de forma esmagadora, procura-se normalizar a ideia de que não é habitual um líder abandonar a liderança depois de as ter perdido e, eventualmente, enfatizar que essa figura providencial (neste caso, Ulisses) não desampara o partido numa hora tão difícil…
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