Interpretando a “Nota Interpretativa” do Diretor Nacional da Educação
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Interpretando a “Nota Interpretativa” do Diretor Nacional da Educação

Já disse, já escrevi e vou continuar a escrever, o nosso drama com a Educação é o excessivo AMADORISMO na sua administração e não é por acaso que o Banco Mundial disse, no seu Relatório de 2019, que Cabo Verde tem gastos mais elevados do que países como Butão, Samoa ou Seychelles, mas estes alcançam melhores resultados educacionais.

Na “Nota Interpretativa nº 47/DNE/2023, o Diretor Nacional da Educação determinou um conjunto de procedimentos que as escolas devem ter em conta, neste final do período letivo. Num olhar atento e interpretativo da referida nota, sugere-nos vários questionamentos possíveis.

Cheira-me um certo ar ditatorial e o centralismo que tem caracterizado a Administração da Educação. Quanto a este último, já disse o Banco Mundial, no seu Relatório de 2019[ii], que o sistema educativo cabo-verdiano é bastante centralizado. Assim, esta decisão administrativa do Diretor Nacional, simplesmente, é mais um ato e não me estranha. Contudo, desta feita, há algo novo e muito grave, quando determina que A deslocação dos professores, entre concelhos/ilhas, durante a interrupção letiva do 1º trimestre, só deverá ser autorizada, pelos delegados, se estes tiverem cumprido todas as suas obrigações laborais, designadamente se os registos das avaliações estiverem efetuados no SIGE e os conselhos de turmas realizados nos termos acima referidos.

Se, de algum modo, é compreensível, em relação a deslocação entre as ilhas, embora, a passagem do Natal entre as famílias deve ser salvaguardada, ainda que implica deslocação entre as ilhas, já em relação a deslocação entre os concelhos é absolutamente incompreensível ou mesmo inaceitável! Imaginem um Professor da Praia que tem um assunto, uma urgência em Assomada, ou uma Professora de Paúl que tem uma consulta no hospital em Ribeira Grande! Imaginem um Professor que trabalha em São Vicente e deseja passar o dia do Natal em Santo Antão com a família!

Para todas essas situações, eles têm de pedir a autorização aos delegados, caso não tenham concluído o processo de avaliação. Absurdo! O SINDEP já disse que se trata de um caso de assédio moral e que vai intentar um processo crime junto dos tribunais. Acho bem!

Olhando para o conjunto das determinações dessa “Nota Interpretativa”, ela reflete o centralismo exacerbado por parte Ministério da Educação e, como tal, briga com o Regime de Organização, Administração, Gestão e Funcionamento dos Estabelecimentos Públicos dos Ensinos Básico e Secundário, aprovado por este governo, através do Decreto-Lei nº 8/2019.

Nos termos do referido diploma, no seu artigo 4º, a organização, administração, gestão e funcionamento dos estabelecimentos de ensino regem-se por um conjunto de princípios, sendo um dos quais é a AUTONOMIA e esta é definida nº artigo 6º como Faculdade reconhecida ao agrupamento de escolas, ou escolas não agrupadas, para tomar decisões a nível da gestão pedagógica e curricular, da gestão dos recursos humanos, administrativa, financeira e patrimonial em função das competências e recursos que lhes são atribuídos, adequando a gestão às especificidades e ao contexto onde está inserido.

Ora bem, se há um calendário e uma orientação anual geral para o ano letivo (embora excessivamente detalhada); se há um quadro regulador da organização e administração das escolas, qual é a razão dessa Nota Interpretativa? Será que as escolas não sabem interpretar o calendário e as orientações gerais disponibilizadas no início do ano letivo? Será que as escolas não estão a ser responsáveis? Qual é a verdadeira necessidade, ou sentido dessa nota?

Diz a nota que os conselhos de turmas devem decorrer de 20 a 22, no período contrário ao das aulas, ou de 26 a 29 (26 há tolerância de ponto, pelo que não pode). Há Professores que, ainda nos dias 18 e 19, estarão a fazer provas e há aqueles que tem 5, 6, 7, ou mais turmas, para um total de cento e tal alunos, logo, cento e tal provas para corrigir, sendo que cada prova tem n exercícios para serem corrigidos. Ter notas prontas, já para os dias 20 a 22, ainda com aulas a decorrer, ou mesmo para os dias 27 a 29, é uma tarefa quase impossível e os Professores têm direito a festejar o Natal (dias 24, 25 e 26). Neste caso, seria mais razoável que as aulas terminassem no dia 20 e não 22.

Mas aqui entra um outro aspeto muito importante a ter-se em conta e que é a concepção do processo de avaliação dos alunos e o valor que se atribui às notas. O Professor fica, praticamente, sem tempo para ponderar a correção das provas e ponderar a avaliação dos seus alunos. É uma carga de pressão inimaginável que se coloca sobre os Professores. E com isso, deseja-se uma Educação de Qualidade? Com Professores estressados não há qualidade!

Já disse, já escrevi e vou continuar a escrever, o nosso drama com a Educação é o excessivo AMADORISMO na sua administração e não é por acaso que o Banco Mundial disse, no seu Relatório de 2019, que Cabo Verde tem gastos mais elevados do que países como Butão, Samoa ou Seychelles, mas estes alcançam melhores resultados educacionais.



[i] Professor Universitário, especialista em Administração e Política Educacional
[ii] Cabo-Verde-Revisiting-the-Efficiency-of-Public-Spending-to-Reduce-Debt-and-Improve-Education-and-Health-Outcomes-Public-Expenditure-Review.pdf (worldbank.org)

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