A comissão de inquérito disse o que disse. No HBS está quase tudo por fazer. Porém, os seus dirigentes não são responsáveis e não serão responsabilizados pela morte dos recém-nascidos ocorrida no mês passado. Aqui a responsabilidade é das mães, que tinham gravidez de risco e passaram por acompanhamento pré-natal, no qual o hospital fez aquilo que devia fazer. É a comissão que o diz. Terá eventualmente ficado algo por fazer no pós-parto, mas isso a comissão não diz e há de ter os seus motivos. Ficou claro?...
Que seriam infeções a causa da morte dos 7 bebes no Hospital Baptista de Sousa todos nós já sabíamos. Então havia de ser por causa de quê? O que não sabíamos é por que razão essas infeções generalizadas aconteceram naquele hospital, neste fatídico mês maio de má memória.
E o inquérito dá respostas a esta pergunta? Dá e não dá. Com malabarismos e esquivos pelo meio, a comissão de inquérito é traida pelas palavras e deixa muitas pistas que devem ser motivo de legitimas preocupações para as autoridades e para todos os cabo-verdianos.
Vejamos: uma breve visita ao google, já dá para percebermos que “sepse neonatal tardia” não acontece por mero acaso e nem poderia ser mesmo. Uma instituição brasileira de ensino especializado em pós-graduação médica, informa que "a sepse neonatal tardia geralmente ocorre após as primeiras 48 a 72 horas de vida e está relacionada a fatores pós-natais como, por exemplo, procedimentos invasivos em UTI neonatal e transmissão horizontal por meio das mãos dos profissionais de saúde que entraram em contato com o bebé."
Todavia, a comissão de inquérito afasta essa possibilidade e desvia as atenções para as mães do bebes, quando afirma que a grande maioria das gestantes tinha uma gravidez, “com risco aumentado para parto pré-termo, pelos antecedentes”, e que “todas tinham indicação para seguimento na consulta de alto risco para grávidas”.
Ou seja, traduzido para a língua do povo, as grávidas é que estavam enfermas, os seus bebés não podiam sobreviver.
E é precisamente aqui que a comissão de inquérito inicia o branqueamento do HBS, afirmando que a assistência pré-natal foi cumprida e que “a qualidade e segurança da assistência durante o internamento do ponto de vista técnico e humano das mães e dos recém-nascidos foi razoavelmente satisfatória”.
E continua concluindo que a assistência às mães no serviço de obstetrícia daquele hospital “respeitou os procedimentos técnicos e os protocolos clínicos nacionais”, e que do “ponto de vista humano a assistência da parte dos profissionais foi admissível”, e remata que “foi aplicado o protocolo nacional para o manejo de situações de rotura prematura de membranas e de ameaça de parto pré-termo”.
A montagem ficaria completa com esta relíquia, que é a comissão ter constatado uma ‘consciencialização’ da gravidade da situação pelos profissionais de saúde, o que espoletou uma investigação interna a nível do hospital em articulação com o nível central, para se detetar as inconformidades, possibilitando assim a implementação das ações corretivas que poderiam salvar vidas.
E antes de terminar, resolve deixar esta dica: houve parco cumprimento do protocolo nacional de tratamento e seguimento dos recém-nascidos prematuros.
Em que ficamos? Será isto uma descarga de consciência ou tão-somente uma traição das palavras?
Não é preciso ser médico para se perceber que algo não bate certo aqui. Então gravidez de risco provoca infeções generalizadas em recém-nascidos? Por acaso, são as grávidas as responsáveis pela prevenção e combate a tais riscos de infeções? Por que motivo, a comissão ignora os fatores pós-natais e a transmissão horizontal por meio das mãos dos profissionais de saúde que entraram em contato com o bebé?...
Mas as incongruências não terminam aqui. A comissão prescreve um conjunto de recomendações, onde deixa o rabo totalmente descoberto, relacionadas com a melhoria dos cuidados prestados no referido hospital, designadamente reforçar ações de capacitação na área da comunicação, humanização e liderança dos profissionais; elaborar um plano anual de atualização/supervisão do cumprimento dos protocolos nacionais; “promover a cultura de discussão interna dos óbitos não esperados e dos casos de não conformidade”; integrar um psicólogo nas equipas, “melhorando a assistência aos pacientes”; “melhorar a articulação e a interface entre os serviços da atenção primária, secundária e terciária”; introduzir reforço a nível dos recursos humanos por forma a melhorar a qualidade na prestação dos cuidados”; e “melhorar a comunicação entre o serviço e os pacientes”, para a tornar “mais eficaz e eficiente”.
A comissão de inquérito disse o que disse. No HBS está quase tudo por fazer. Porém, os seus dirigentes não são responsáveis e não serão responsabilizados pela morte dos recém-nascidos ocorrida no mês passado. Aqui a responsabilidade é das mães, que tinham gravidez de risco e passaram por acompanhamento pré-natal, no qual o hospital fez aquilo que devia fazer. É a comissão que o diz. Terá eventualmente ficado algo por fazer no pós-parto, mas isso a comissão não diz e há de ter os seus motivos. Ficou claro?...
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