1. Alguma vez alguém já ouviu falar de um privado que criou uma fábrica de conservas de peixe, com 180 postos de trabalho, cujo lucro se destina a financiar os estudos superiores de jovens – comprovadamente – talentosos oriundos de famílias pobres e que, de outra forma, jamais conseguiriam ter uma formação profissional na vida?
2. Não, nunca ninguém ouviu falar. É que venderam-nos essa ideia de que os investidores são uns senhores muito caridosos, com infinita propensão para a realização da bondade humana, a ponto de se sacrificarem 32 horas por dia para criarem postos de trabalho para uns desgraçados da sorte que, assim, conseguem triunfar na vida, pondo fim a ciclos intermináveis de gerações inteiras de pobres que terão começado desde há quinhentos anos!
3. O pior é que esse discurso bondoso domina o mundo e faz parecer absolutamente absurda a ideia dessa fábrica montada para criar postos de trabalho que – de facto – dariam combate direto e vitorioso à pobreza. O que a realidade nos mostra, são negócios criados com a meta exclusiva da busca do lucro e mais lucro, sendo que os promotores têm milhentas formas de sumiço, totalmente “na boa” e sem pestanejar, face ao mínimo sinal de desaparecimento de lucros ou esquemas que lhes permitam a acumulação de dívidas sem dores de cabeça.
4. O que espanta é essa áurea de caridosos que insistem em carregar, quando a busca do lucro é algo absolutamente legítima, não sendo objeto de nenhuma condenação por qualquer legislação deste mundo. Há relativamente pouco tempo, as empresas passaram a ter a pomposa componente de “responsabilidade social”. Seria interessante, caso pudéssemos realizar uma breve análise para comparar a quantidade de recursos financeiros gastos com a publicidade e o montante que se destina, anualmente, à “responsabilidade social” da empresa. É estranha a coincidência entre as escolhas das questões que se tornam objeto dessa responsabilidade social: predominam as temáticas provocadoras de comoção humana. Alguma empresa – grande amiga do social – financiou alguma oficina de mecânica automóvel por um período de cinco anos para acolher doze jovens potencialmente delinquentes? Não. É muito dinheiro e não tem impacto. Sorriem os marketeers, fazendo ares de espertos.
5. Que lucrem e continuem a lucrar – pois há quem o faça sem roubar – mas sem esse discurso de bondosos e construtores de uma sociedade justa e engajada na promoção da dignidade humana. Sem esse subterfúgio discursivo de “preconceito ideológico” enquanto professam, obsessivamente, a “ideologia do lucro” e sem um pingo de vergonha. Pior de tudo mesmo é que fazem tudo isso debaixo do nariz do coitado que, ainda, tem um profundo sentimento de gratidão para carregar por toda a vida ao... patrão!
Comentários