A CAMINHO DO TRIBUNAL, NA TENTATIVA DE LIMPEZA DA MONTANHA DE CAGADA, E NOVAS DE DESONESTIDADE E DESESPERO DAS PARTURIENTES DO MONSTRUOSO PANDIALETO
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A CAMINHO DO TRIBUNAL, NA TENTATIVA DE LIMPEZA DA MONTANHA DE CAGADA, E NOVAS DE DESONESTIDADE E DESESPERO DAS PARTURIENTES DO MONSTRUOSO PANDIALETO

...essa trupe é tão falha de princípios de ética científica, que depois de terem levado umas valentes reguadas no parecer emitido por linguistas residentes em Portugal, foram de mansinho, para que ninguém se apercebesse, corrigir alguns lunatismos, sem nunca dizer que foram aproveitamentos de ensinamentos de quem sabe sem alardear, e que trabalha para a dignificação da língua cabo-verdiana, não para encher os bolsos ou abrilhantar os currículos, mas para que no céu da caboverdianidade a nossa língua-mãe seja a primeira e a estrela mais firme. Nós voltaremos enquanto esse perigo persistir.

Em 24 de julho entregamos na Procuradoria-Geral da República um pedido de intervenção urgente com vista à suspensão do manual de língua e cultura cabo-verdiana para o 10º ano de escolaridade contendo a (anti)norma ilegal, anticientífica, antissocial, supremacista-bairrista e divisionista. Passados quarenta e cinco dias, apesar da urgência invocada, dada a proximidade do início do ano letivo, não tivemos nenhuma resposta do fiscal da legalidade, que é o ministério público. O único dado concreto é que não obtivemos resposta. Muitos descrentes desde o início dizem que se confirma a sua descrença. Eu não posso tirar esta ou qualquer outra conclusão, ainda. Há de haver razões ponderosas, que o ministério público lá conhecerá. Aguardamos para ver se as conheceremos nós também.

Posto isto, pelos danos irreparáveis que o ensino dessa (anti)norma anticientífica e ilegal pode provocar nos aprendentes da língua cabo-verdiana em contexto formal escolar, interporemos, ainda esta semana, uma providência cautelar para a suspensão do uso do referido manual no ano letivo que se avizinha, como também já tínhamos anunciado, caso o fiscal da legalidade resolvesse não agir, como todos cogitavam, tendo assim sucedido.

A providência cautelar, caso seja decidida favoravelmente, não decidindo ainda o mérito da causa, visa proteger os alunos da inculcação de um veneno anticientífico e bairrista que um grupo capitaneado por estrangeiras mancomunadas com asseclas nacionais resolveu experimentar, a ver se passava pelas gargantas dos adormecidos cabo-verdianos. Acontece é que algumas pessoas estavam despertas e saíram a terreiro, com sólidos argumentos, não refutados por ninguém dentro ou fora deste país. É certo que houve há dias, depois de uma chuva de prata para alimentar uma inaceitável ingerência na soberania linguística cabo-verdiana, um textículo peçonhento e manhoso, que já foi devidamente rebatido e enviado para o monturo onde irá em breve, esperamos, ser enterrada também a enorme inanidade que é o risível, ainda que venenoso, pandialeto.

O argumento do ministério de educação de que é experimental é sumamente surreal, para não dizer desavergonhadamente patife: um organismo do estado rege-se por leis e normas, portanto não pode experimentar ilegalidades. É como alguém pegar numa arma, disparar contra outrem, depois invocar que estava a experimentar a arma, a ver se disparava ou se efetivamente matava. Não isto é um crime de  homicídio sob todos os prismas. Ou pegar num automóvel e conduzir sem habilitação exigida e, quando apanhado, alegar que estava a experimentar, a ver se sabia conduzir um automóvel. É uma infração por conduzir sem estar habilitado a fazê-lo. O princípio de legalidade subjaz, conforma e rege todos os atos da administração, do governo ou do estado. Ponto final.

Além do atropelo de todos os comandos legais sobre a língua cabo-verdiana, que é, nem mais, e por lei da Assembleia Nacional, «fundamento de soberania», e por isso objeto de proteção especial, e daí a exigência constitucional da intervenção do senhor presidente da República, não podendo nenhuma intervenção técnica num simples manual escolar mudar a sua feição, há ainda a incompetência orgânica do ministério da educação para a realização de um ato de padronização linguística, ainda que encapotada, pois as mentes engendradoras de tal façanha, apesar das evidências em contrário, e por todos apontadas, juram por este mundo e pelo outro que não se trata de tal coisa. Tal competência - a padronização - é do ministério da cultura, que resolveu que a melhor tática é permanecer mudo até que a borrasca passe.

Contrastando com o silêncio da Procuradoria-Geral da República, e de todos os outros poderes soberanos, realce-se a positiva e tempestiva atuação da Provedoria de Justiça que, assim que tomou conhecimento do processo, submeteu-o a análise, tendo-nos comunicado que iria oficiar o ministério da educação e, depois da resposta desta, emitiria as suas recomendações, dado que não possui poder legal ou decisório imperativo.

Portanto, o ministro Amadeu tem duas opções: uma sensata, e que cumpre os imperativos legais, que é suspender e mandar refazer o manual, extirpando a montanha de ilegalidades e anticientificidade, que é a tal (anti)norma pandialetal, ou insistir nesse projeto bairrista e divisionista, com vista à eliminação da matriz histórica da língua cabo-verdiana (diga-se claramente: a variedade-matriz de Santiago) e então arcar com as consequências cíveis e penais, que pediremos ao tribunal que averigue se as há, para além das políticas, que, estranhamente, ou não, dado do outro lado só haver proclamações, e agora nem isso, ninguém neste país assaca ao ministro Amadeu.

O ministro Amadeu há tempos resolveu numa charla televisiva armar-se em manhoso ou engraçadinho, dizendo que o poeta José Luiz tavares não tinha enviado o seu contributo. Se o Amadeu não fosse rotundamente ignorante em tal matéria não teria bolçado tal montanha de alarvidade. Esse não é um daqueles casos em que a quarta classe do santantonense  vale mais do que o sétimo ano do badio, como apregoado lá atrás, sabe-se por quem: é pura ignorância atrevida, desespero e falta de argumento. O José Luiz Tavares é autotradutor da obra mais relevante de poesia deste século da literatura cabo-verdiana, Paraíso Apagado por um trovão, para a língua cabo-verdiana. É autor da obra de criação mais complexa e de maior dimensão alguma vez publicada em língua cabo-verdiana, É ka Lobu ki Fase. É o primeiro vencedor do prémio Pedro Cardoso para obras em língua cabo-verdiana criada pelo ministério da cultura. É tradutor para a nossa língua da Declaração Universal de Direitos linguísticos da Unesco. É organizador e tradutor duma antologia de dez poetas vivos de Cabo Verde (hoje já quase todos falecidos) há largos anos inédita, ainda que muitas vezes anunciada. É autor do livro recente em língua cabo-verdiana, sonoru Tenpestadi di fumu, flor i flexa, contendo um sublime e inultrapassável manifesto contra a cagada feita pelas autoras do manual com os respetivos nomes no portal, para que a história jamais se esqueça delas e do que essa trupe ousou, livro para criar cânone, e muitas coisas mais, como contributo para aquilo que fixa a língua e garante a sua perenidade, que é a escrita, sobretudo a literária, até na eventualidade de já não haver povo que a fale, mas disso o pobre ministro amadeu não podia ter ciência.

Para além de tudo isto, ainda ando a viajar do estrangeiro para a nossa terra querida, para vir sozinho (abandonado por todos os poderes desta República e por quase todos os que se dizem defensores desta suprema causa, a começar na negação da responsabilidade conferida aos deputados pelo povo soberano, acabando no Senhor Presidente da República que, falando sobre tudo, nesta questão resolveu remeter-se a um grave e monumental silêncio) limpar a montanha de porcaria que o ministro, o seu ministério e a lunática equipa que concebeu o manual pariram, e ainda tem ele o risível topete de ir pregar na pantalha, qual pastor dos templos do fim dos tempos,  que o «grande poeta José Luiz Tavares» não enviou o seu contributo? Que os deuses ou o diabo o castiguem por isso. Eu terei tempo de lhe ensinar umas quantas coisas de quarta classe de um cabo-verdiano santiaguense, pois não é preciso nem o antigo sétimo ano, que seria um desperdício para tão fraca comédia, se não fosse o assunto uma total tragédia identitária e civilizacional que se desenrola diante dos nossos olhos. Mas percebo o desespero: a tentativa de golpe bairrista-supremacista correu mal, destruindo o notável legado no domínio da língua cabo-verdiana deixado pelo MPD de Carlos Veiga nos anos noventa, apesar da esquizofrenia ou esquizoglossia linguística manifestada pelo mesmo partido nos longos anos de travessia do deserto, quando esteve na oposição. Por isso, até por brio familiar, mas sobretudo por ser matéria da sua competência, o ministro da cultura devia retirar esse processo das garras do ministério da educação e dessa equipa que mal concebeu o trôpego manual, um nado-manco apesar da recente e desavergonhada autocontrafação, pelo enxerto de apports, sem a devida menção de autoria, vindos de quem sabe, e que com humildade e responsabilidade vem lutando há largas décadas pela dignidade científica da língua cabo-verdiana.

Falando de contributos, essa trupe é tão falha de princípios de ética científica, que depois de terem levado umas valentes reguadas no parecer emitido por linguistas residentes em Portugal, foram de mansinho, para que ninguém se apercebesse, corrigir alguns lunatismos, sem nunca dizer que foram aproveitamentos de ensinamentos de quem sabe sem alardear, e que trabalha para a dignificação da língua cabo-verdiana, não para encher os bolsos ou abrilhantar os currículos, mas para que no céu da caboverdianidade a nossa língua-mãe seja a primeira e a estrela mais firme.

Nós voltaremos enquanto esse perigo persistir.

 

José Luiz Tavares Nasceu no dia de Camões, 10 de junho, em 1967, em Txonbon (cercanias do antigo Campo de Concentração), concelho do Tarrafal, ilha de Santiago, Cabo Verde.

Na universidade, em Portugal, onde vive em exílio voluntário dedicado à sua obra, tentou saber de literatura e filosofia, mas apenas a poesia foi mestra.

Publicou vinte e cinco livros desde a sua estreia em 2003, com Paraíso Apagado por um Trovão, que vêm pondo a nu a mediocridade do panorama poético cabo-verdiano, apesar dos seus inchados pergaminhos, via certo Caliban e outras mirabílicas misérias.

Em 2023 reuniu a sua poesia inacabada no volume Como um Segredo na Boca do Universo – Obra completa – Mente Inacabada, um tijolo de mil e quinhentas páginas, apropriado para entupir a boca dos seus inumeráveis (ainda que ocultos, pusilânimes e merdosos) inimigos.

O seu último livro de poesia, Um Preto de Maus Bofes, sua biografia poética e textamentária, escrito em três dias, é um acerbo ajuste de contas consigo próprio, com o mundo, a literatura, a morte, a glória e a puta da posteridade.

É o escritor mais premiado de sempre de Cabo Verde. Se outro (amigo ou inimigo) plantar isso numa página, estampar numa badana ou simplesmente lançar ao vento, dizendo que é ele, saibam que é uma indecorosa mentira.

Recebeu, no seu país e no estrangeiro, entre outros, os seguintes prémios:

Prémio Cesário Verde/CMO;

Prémio Mário António de Poesia/Fundação Calouste Gulbenkian; Prémio Jorge Barbosa/Associação de Escritores Cabo-verdianos;

Prémio Pedro Cardoso/Ministério da Cultura de Cabo Verde;

Prémio de Poesia Cidade de Ourense;

Prémio BCA/Academia Cabo-verdiana de Letras; Prémio Vasco Graça Moura/INCM;

Por três vezes consecutivas recebeu o Prémio Literatura para Todos, do Ministério da Educação do Brasil;

Prémio Ulysses/ The Poets and Dragons Society e Bolsa Fundação Eça de Queirós.

Foi, por duas vezes, finalista do prémio iberoamericano Correntes d’escritas;

Finalista do Pen Club Português;

Semifinalista do Prémio Portugal Telecom de literatura,

semifinalista e finalista do Oceanos de Língua Portuguesa.

Os seus livros integram o Plano Nacional de Leitura de Cabo Verde e de Portugal.

Está traduzido para inglês, francês, espanhol, italiano, alemão, mandarim, neerlandês, russo, finlandês, catalão, galês e letão.

Traduziu Camões e Pessoa para a língua cabo-verdiana.

Não aceitou, até agora, nenhuma comenda ou medalha: recusou a homenagem do Congresso de Quadros Cabo-verdianos na Diáspora, o estatuto de Cidadão Honorário da Cidade Velha, a medalha de 1ª classe da Ordem do Vulcão e a Ordem do Dragoeiro.

Possui meia-dúzia de fervorosos amigos.

Dá coices e espera receber. Será um dia de alegria.

A ferros, fez uma filha que por si própria se fez gente

É consumidor de cerveja, de preferência stout, em doses homéricas.

Entrevê o seu lustroso futuro exatamente nesse ramo, com previsão de risonha prosperidade.

Não é elo de nenhuma rede, social ou outra. Por isso vive clandestino na ditadura do mundo.

Quezilento ontológico (os pobres de espírito e curtos de verbo chamam-lhe arrogante, apodo esse que adotou como glamoroso e desafiante apelido), tem-se dedicado, no seu país, ao assalto e derrube de fortalezas, mistificações e subjugações culturais.

O neocolonialismo & os supremacismos linguísticos (o diglóssico, padrasto do negacionismo glotofágico, e o diatópico, parturiente do monstruoso, anticientífico e ilegal pandialeto), são dois dos seus alvos. As ratazanas literárias, outro. As flatulências políticas, outro mais.

Para a consecução desses fins, inventou um novo subgénero, o kotxipó literário, que não terá continuadores numa terra de falhos de colhões intelectuais.

É o mais temível polemista cabo-verdiano e o seu mais acutilante intelectual cívico.

Lidera neste momento, nos tribunais e na imprensa, uma vigorosa campanha contra o assassinato, em laboratório, da matriz histórica da língua cabo-verdiana.

Embora se sinta vulnerável na tarefa de elaborar uma poesia autêntica e nos embates com a doxa, não pode recusar a nietzschiana tarefa de demolição e, consequentemente, de fazer inimigos. Por isso não se esforça por encontrar uma audiência. Dá com os da sua estirpe livres sobre os penhascos.

É o único descendente intelectual do grande polemista e poeta em língua cabo-verdiana, Eugénio Tavares.

É negro, mestiço arraçado de anjo, dizem uns. É o próprio diabo, asseveram outros.

Gostaria de ter asas, mas bastam-lhe as duas mãos, a boca e o cérebro.

Guardador de corvos nas lavras da vida, a sua arma preferida é a funda, embora não se ache um David, nem conheça qualquer Golias.

Anda o mundo inteiro a chateá-lo com o Prémio Camões, que não é glória, mas só pecúnia — que vão chatear o dito e o deixem produzir a obra que há de ficar (ou não).

Com isso não ambiciona nenhuma gaveta no frigorífico da glória literária, mas apenas manter-se vivo entre os homens insubmissos. O seu último fôlego não há de ser um verso, mas uma libertadora imprecação mandando tudo àquela parte.

Que conste que quis por epitáfio: “voltarei para vos foder a todos,  cabrões.»

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